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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Tradições pré-natalinas

          O Dia de Nossa Senhora da Conceição e as tradições natalinas

Ulisses Passarelli

          A pouco passou o Dia da Imaculada Conceição. Muitas manifestações religiosas correram nas Vertentes, dentre novenas, missas, procissões, destacando-se na Colônia do Marçal (São João del-Rei), Igreja de São Francisco de Assis (idem), e Conceição da Barra de Minas (donde a Virgem da Conceição é padroeira). O oito de dezembro tem um significado especial na cultura popular pelo sentido litúrgico que a Igreja Católica imprimiu no meio de vida do brasileiro devoto, mas também porque nos meios folclóricos marca o limite entre o ciclo do rosário (o período dos congados) e o ciclo natalino (o período do reisados - folias, pastorinhas, etc.).
          Nos idos da escravidão a Senhora da Conceição era padroeira dos senhores da casa grande e a Virgem do Rosário dos escravos da senzala. A mesma mãe santa e não foi possível ao homem compreender o espírito de irmandade!
          Certa feita, em, 1996, Dona Josefina, em Barbacena, cantava-me uns versos de marujos (congado) assim:

Nossa Senhora da Penha
é madrinha de João,
eu também sou afilhado
da Virgem da Conceição. 

Nossa Senhora da Penha
é madrinha de João
eu também fui batizado
nessa mesma ocasião.

       Estes versos me fazem lembrar do velho costume dos terreiros das religiões mediúnicas afro-brasileiras promoverem o batismo de seus iniciados no dia de Nossa Senhora da Conceição, consagrado ao orixá Oxum, a senhora das águas doces, com domínio sobre as fontes e cachoeiras. Daí as visitas que umbandistas e candoblecistas fazem às cascatas nesse dia, levando ofertas de velas, flores, champagne e frutas (uvas, melões). Eis um ponto de louvação cantado num centro de São João del-Rei:

Eu vi mamãe Oxum lá na cachoeira,
apanhando lírios, para enfeitar nosso congá. 
Apanhando lírios, lírio - êh!
Apanhando lírios, lírio - ah!
Apanhando lírios para enfeitar nosso congá!

          Como Oxum é Senhora das Águas o seu dia (8 de dezembro) costuma ser chuvoso. 
      Por esse período que antecede ao Natal, que católicos consideram como tempo do advento é justamente quando os foliões reiseiros começam seus preparativos, vendo se os instrumentos precisam de reparos; ajeitam novas fitas e flores para os chapéus, a poeira é espanada da bandeira, um ou outro ensaio é marcado. Reafirmam-se laços com o colaboradores -os antigos- e novos, um reforço por exemplo, para melhorar os cordofones  da folia por meio de um novo tocador de violão ou cavaquinho. Isto é sempre bem vindo. É agora que os foliões correm atrás de tocadores para seus grupos.

Folião e Embaixador de Reis, Vicente José de Sousa, São Tiago, 2001.

          Houve um tempo que alguma folia já saía mesmo antes do Natal com uma bandeira com a efígie do Deus Menino. A oferta recolhida até a véspera do natalício sagrado era revertida ao Natal dos pobres (compra de presentes e mantimentos). Dizia-se então "Folia do Menino Jesus", sem palhaço (bastião).
         Só depois no dia 25 é que de fato começava a Folia de Reis propriamente dita, até o 6 de janeiro. Ela ainda se mantém pelo esforço abnegado de uns poucos remanescentes.
         No Dia da Conceição se montava o presépio e a árvore de Natal. Escrevi no passado porque hoje embora sejam armados os prazos tradicionais não gozam mais da mesma rigidez temporal.

Antigo presépio são-joanense, numa foto de arquivo familiar.

          Os presépios caseiros são beléns variadíssimas, à moda brasileira, interpretações livres da menção bíblica e apócrifa do Nascimento de Cristo. Grutas são figuradas com pedras ou papel de saco de cimento, trabalho com tinturas e aqui parecem ambientar uma serra, tal como as nossas montanhas mineiras, não deserto do oriente médio. A estribaria lembra mais um rancho boiadeiro desses que houve ao longo do Caminho Geral do Sertão. Os bichos figuram aqui e acolá. Alguns presépios parecem mais a Arca de Noé pois animais de brinquedo das crianças também vem para a frente da manjedoura participar, por vezes em fila: girafas, elefantes, macacos, vaquinhas, etc. Na lógica popular não é premente a proporção física das peças: assim com diferentes origens materiais, pode aparecer um Menino Jesus cuja imagem é maior que a de São José e Nossa Senhora, ou a imagem de um boi menor que a do galo de cerâmica ou porcelana, comprado nas quermesses e festas de romaria e que o ano todo enfeitou a estante da sala, agora se recicla de função na lapinha bendita. 
          Os perfeccionistas e carolas dirão que tal presépio é feio ou que não é fiel à bíblia. Eu retruco, teimosamente, que é belo e valoroso, pois não prima pela arte exibicionista; sai do fundo do coração do fiel por meio daquilo que tem na mão para fazê-lo em louvor. O presépio tem peculiaridades regionais. O nosso parece uma miniatura da Serra do Lenheiro ou da de São José.
          Daí nesse momento o devoto que está armando o cenário natalino em sua casa trazer do fundo da horta um vaso de folhagem ou samambaia para fazer ambiente; bromélias e orquídeas, cactáceas, pequenos arcos de bambu, areia branca da serra (quartzítica), lascas de malacacheta apanhada na areia de um córrego, pedras secas ou lodosas, paus secos, canelas de ema (velloziáceas). Um espelho deitado na areia cercado de pedrinhas reflete a imagem de um lago onde nadam patos de plástico ou gesso. Dias antes da montagem, numa simples lata vazia de sardinha, uma devota pôs um tanto de terra e nela semeou alpiste ou arroz e agora o broto tenro representa no presépio capim fresco para o gado da manjedoura. É comum a acorrida ao mato à cata de barba de velho, musgos e líquens para o adorno.

Presépio, Santa Cruz de Minas, 1998.

          É neste presépio que o folião solta seus 25 versos (número místico representando vinte e cinco figuras necessárias a um presépio). Num pires fica uma vela e por vezes moedas. O pisca-pisca climatiza tudo.
          A árvore de Natal bem menos emblemática do ponto de vista religioso enraizou e tomou o prestígio do presépio. As mais simples são composições de um galho de árvore revestido de algodão (imitação caseira da neve do hemisfério norte!) e as bolas pendentes lampejam coloridos brilhantes, vitrais de sonhos das crianças.

Árvore de Natal, São João del-Rei, Centro, 1998. 

          Em minha infância e juventude, na Rua Antônio Rocha, São João del-Rei, por anos a fio recebemos na casa de meus avós paternos a visita de uma devota extraordinária, a sra. Nazaré Albino, que nesse período, com uma bela imagem do Menino Deus num cestinho, ia de casa em casa colhendo donativos para os necessitados e levando a imagem às famílias.

Dona Nazaré em 1993, cuidando de sua nobre missão.

          Desde criança via a proximidade do Natal como um  tempo de renovação. Muitas casas aceleravam as obras de reforma para a data fundamental, culminando com a pintura nova ou caiação. Era ainda costumeiro vasculhar a casa, jogando fora trastes e quinquilharias e passando nos forros grandes vassouras artesanais de capim e cabo de  bambu, para remover as teias de aranha e ciscos (picumã) dos telhados. 
          Em bases comunitárias a novena preparatória ao Natal tomava conta do clima preparatório e algures ainda é praticada. 
           Nas hortas a colheita do figo toma fôlego. Seu doce em calda de compota é indispensável à culinária natalina tradicional. Mas esta delícia, ah... é assunto para outro texto. Aguardem!

* Fotos do autor.

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