Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 6 de março de 2019

Bloco do Zumbi: o enterro do carnaval em Santa Cruz de Minas


O fechamento do carnaval de Santa Cruz de Minas se dá desde 2013 com o Bloco do Zumbi, um desfile em espírito de sátira, pautado sobre o tema do medo e da morte. Congrega foliões vestidos e maquiados à moda dos filmes de terror: zumbis, caveiras, múmias, bruxas ... sob música desta temática. É o terror tratado com humor; a morte representada com verve!

Início e término se dão na Praça de São Sebastião, na noite da Terça-feira Gorda. Logo ao centro, um caixão postado sobre um carrinho de funeral contribui para a ambientação do bloco. Enquanto os foliões se reúnem, os organizadores com tintas e preparos, fazem maquiagem nas pessoas, livre e gratuitamente, tudo com bastante alegria e descontração. O ambiente é bem tranquilo, pessoas da comunidade, muitas crianças no clima da brincadeira, famílias. Daqui e dali alguns estandartes brancos com cruzes pretas. E o largo vai se enchendo de seres do imaginário, figuras do terror humano, mas nenhuma mete medo, apenas nos alegram pela criatividade das fantasias. Crianças e adultos interagem e se irmanam caracterizados em zumbis e seus asseclas, em participação espontânea. 

Lá surge um cidadão de terno preto, maquiado também. Fará o papel de defunto. E com ele a viúva chorosa, vestido escuro, lutuosa. Pelas tantas, o tal deita no caixão, se posta como morto e lá vai o povo o velar! A viúva na cabeceira, fiel e leal. Na saída do féretro, vimos o próprio coveiro da cidade a empurrar o carrinho fúnebre. Na dianteira de tudo vai um carro escrito "funerária", com estandarte amarrado na carroceria. Até a condutora vem caracterizada. Depois seguem os foliões, fazendo daqui e dali gestos bizarros, postura de supostos seres sobrenaturais. No meio deles o caixão. De tanto em tanto o defunto faz menção de se erguer, com as mãos cruzadas no ventre. A viúva e os chorosos ao redor o empurram de volta: "deita, defunto!"; "fica quieto, defunto!".

A música não permite propriamente que sambem, ou que desçam pulando no ritmo. É no balançar do corpo em cadência ditada pela música. Descem em longo cortejo pelas ruas, como num enterro de fato. O veículo de som fecha o desfile. O bloco se estende pelas vias principais, longamente, e agrega bom número de participantes. Apreciar as caracterizações dos participantes é um deleite e um convite à fotografia. 

Pode-se em certa medida fazer um paralelo do Bloco do Zumbi com o Bloco Típico Os Caveiras de São João del-Rei, talvez uma releitura, mas sobretudo há uma certa coincidência temática. Tiradentes também houve época de ter o seu Bloco dos Caveiras e outras cidades mais distantes também possuem blocos com esse tema (Atibaia/SP - Bloco do Caveira). No entanto cada lugar trabalha de forma própria e peculiar. Outra linha de aproximação ou paralelo pode ser feita especificamente com a questão do enterro. A bem da verdade o defunto simboliza o próprio carnaval que se encerra. Enterrar o tal defunto é sepultar o carnaval que finda com a chegada das cinzas quaresmais. É o desfecho de um ciclo festivo extravasador para abertura de outro, introspectivo. O enterro do carnaval ou de uma grande festa é a bem da verdade um tema muito antigo e difundido. O bloco em si é novo, mas o tema ou a prática é antiga. Mesmo na vizinha cidade de Ritápolis há o tradicional bloco do último dia de momo chamado Enterro do Zé Pereira (desde 1963), que não se tematiza em monstros do terror, todavia possui como ponto central um caixão levado rua afora ante a assuada dos foliões e dentro, vai um boneco que representa o próprio carnaval que chegou ao fim. Em Ibituruna, ainda no Campo das Vertentes, há a dez anos o Bloco do Difunto (com "i"), igualmente com o caixão e dentro dele um folião fazendo-se de cadáver do carnaval. Prados também faz seu sepultamento, com batidos funéreos da percussão, pelas vias públicas, trazendo para uma grande árvore central a alegoria do capetinha (símbolo da agremiação local UCA) e do gatinho (símbolo da agremiação local Gato Preto), cada qual pelos foliões opostos. Lá ficam pendentes como mortos. Esta temática do enterro é conhecida em Portugal, na região de Trás-os-Montes e procede de práticas muito antigas de catarse coletiva. O modelo ou matriz foi trazido ao Brasil em épocas remotas e aqui se reinventou ao gosto de nossos foliões. Ganhou cor tropical em diferentes épocas. Em paralelo é possível uma aproximação teórica com o conceito de "morte domada", que nos traz GOMES & PEREIRA (1995), se considerarmos que todas essas brincadeiras com a morte são uma forma de amenizá-la, enfraquecer psicologicamente seu impacto inegável. Abrandar seus efeitos devastadores gerando um efeito contrário, que em tese o abranda: se a morte traz tristeza, brincar com o tema da morte traz alegria, ou pelo menos, relaxamento das tensões coletivas. 

A observação superficial que o presente texto faz do Bloco do Zumbi revela seu potencial turístico e capacidade de crescimento. E se tiver de ser, que o seja preservando sua identidade, pois enfim é o que tem de poder para efetivamente atrair visitantes. As cidades do interior mineiro guardam suas pérolas culturais. O organizador do bloco merece parabéns. Saber explorar no bom sentido estas potencialidades é um desafio permanente e uma tendência, rumo à valorização da identidade. Investir sobre carnavais de base comunitária, para o cidadão, é tratar com zelo os detalhes de infraestrutura, trazer as bandas de marchinha, as baterias, ofertar suporte aos blocos, disponibilizar bons veículos de sonorização, garantir tranquilidade nas ruas e fazer uma divulgação a contento. Este bloco não é o do carnaval de multidão, que impressiona pelo volume de pessoas, mas com certeza também impacta positivamente. É o carnaval da identidade e da qualidade para o morador. Muitos bons turistas, cansados das massas, acabam sendo atraídos por este jeito simples e cuidadoso de fazer a festa do momo.




















 




Notas e Créditos

* Fotografias (05/03/2019) e texto (06/03/2019): Ulisses Passarelli
**Sobre o tema do enterro do carnaval leia também: O ENTERRO DO ZÉ PEREIRA    
*** Revisto e ampliado em 12/02/2024. 

Referências Bibliográficas

GOMES, Núbia Pereira de Magalhães, PEREIRA, Edimilson de Almeida. Do Presépio à Balança: representações sociais da vida religiosa. Belo Horizonte: Mazza, 1995. 452p.il.

terça-feira, 5 de março de 2019

O Bloco do Boi de Caiado: uma ferramenta do resgate do tradicional carnaval de Coronel Xavier Chaves

Faz certo tempo surgiu na cidade de Coronel Xavier Chaves um evento pré-carnavalesco, que muito se afamou e cresceu. A proposta de tal evento acertou em cheio na visibilidade e atrativo de visitantes, tornando-se um dos grandes momentos do ciclo do momo na região das Vertentes. Não obstante este aspecto e a diversão que proporcionava, logo a expansão trouxe consigo os problemas de um carnaval de massa.

Neste ano contudo, a municipalidade apostou de forma arrojada numa outra forma de carnaval. O tradicional. Não que ele não existisse, mas focou-se nele em detrimento do evento massivo. A proposta foi de um carnaval para dentro e não para fora; para o xavierense, com o que ele tem de melhor e assim o vimos claramente in loco. É de se imaginar o dilema de tal decisão, que decerto não agrada a todos, mas certamente beneficiou aos milhares de moradores. Foi visto um verdadeiro resgate do carnaval tradicional, da cultura popular autêntica, não só um mero ato de economia, mas efetivamente de ação planejada de valorização do que há no município. 

Entendemos como atitude de coragem, que também abre discussões. Entretanto é sempre bom perguntar que tipo de turismo se quer, chamar isto à reflexão. Por toda parte há inúmeros exemplos que os eventos gigantes trazem consigo problemas proporcionalmente enormes e chega a hora de rever se de fato isto é bom ou é o que se quer.

O carnaval típico, tradicional, tem também o seu potencial turístico. Não atrai o grande volume de visitantes, mas a qualidade dos visitantes. O próprio povo fez o seu carnaval, de corpo e alma, com plenitude de sua criatividade e lavor artístico. No palco, os artistas da terra tiveram voz e vez, com toda capacidade e sucesso. Na grande tenda, moradores e visitantes se irmanaram indistintamente dançando com alegria e relembrando os carnavais dos velhos tempos, com muita tranquilidade. O boi-de-caiado, manifestação folclórica de raízes muito antigas e típicas do lugar ganhou as ruas sob a liderança do grande Mestre Zé Carreiro, verdadeiro ícone da cultura local. A comunidade mostrou seu valor afro pelas danças, vestimentas e pela afirmação de identidade na participação conjunta e harmônica, demonstrando empoderamento do território onde está inserida. O bloco veio bem mais forte que no ano anterior, por exemplo, conforme observamos. 

Ruas limpas, seguras, bem cuidadas, praças impecáveis, patrimônio cultural preservado, gente receptiva, pacífica e alegre. Carnaval típico do interior mineiro. Boa infraestrutura de evento. 

A opção de olhar para si e enfrentar as adversidades é uma atitude de responsabilidade social e de amor à cultura. Apostar na raiz de saberes do lugar e no potencial dos moradores é uma proposta louvável para uma administração pública, mesmo que não agrade por unanimidade.









* Neste blog, leia também: BOI DE CAIADO: O BLOCO DO BOI EM CORONEL XAVIER CHAVES     
** Fotografias (04/03/2019) e texto (05/03/2019): Ulisses Passarelli
*** Revisão: 12/02/2024

Lesma Lerda: o bloco gigante, que não é lerdo!

São João del-Rei ao longo de muitas décadas se celebrizou pela excelente qualidade de seu carnaval, o número de agremiações, pelos sambas e sambistas, pelos foliões e carnavalescos, tudo isto inserido em um cenário de beleza da cidade histórica e no seio acolhedor de seu povo. É bem verdade que teve altos e baixos. No entanto segue firme, atraindo milhares de visitantes. 

Pois bem, neste ano, cerca de 65 agremiações acorreram às ruas são-joanenses, vias urbanas e rurais. Dentre elas, antigas ou recentes, pequenas ou gigantes, ora este blog se debruça sobre o Bloco do Lesma Lerda, esse quarentão, que escoa lentamente com milhares de foliões pela Avenida Oito de Dezembro abaixo. 

Quando surgiu, aparentava ser apenas mais um bloco, mas o tempo mostrou que seria o bloco. Ainda na recordação vem à cena uma alegoria saudosa de uma grande lesma de pano, movida por foliões abnegados metidos debaixo de sua armação arqueada. A lesmona colorida e de carinha alegre e antenas salientes, serpenteava entre os participantes, qual um símbolo, assim como o boi o é para o bumba-meu-boi. Tal figura desapareceu no tempo. Mas aquela característica satírica inicial, a verve política com a situação focal da vez, o alerta de atenção sobre alguma situação imperativa no momento nacional... isto, o Lesma nunca perdeu! E com muito bom humor. 

Ainda agora o vemos, esse bloco "coroa", coroado, experiente, elegante, lotado (e muito lotado!) de jovens, afoitos para expor suas fantasias. O Lesma Lerda é de longe o bloco são-joanense que mais reúne fantasiados de toda estirpe. Se fosse só para apreciar essas fantasias já valeria a pena ir no desfile do Lesma Lerda. Para admirar a alegria e responsabilidade de Tutti Fonseca e parceiros de luta na organização, tanto mais vale a pena. 

No Lesma, a juventude se transfigura em personagens heroicos tão em voga, ou em anti-heróis que são os verdadeiros heróis, como as figuras da Turma do Chaves; políticos em tela na mídia; o mosquito da dengue; o Presidente de cada período; personagens das novelas e filmes; das estórias em quadrinhos e fabulário em geral, dos contos de fadas (quantas Brancas de Neve este ano!), fantasia de água, árabes, marujos, cowboys, etc. Um dos mais velhos blocos atrai a moçada da cidade e turistas, para se expressarem como quiserem, livremente... sadiamente! No Lesma interagem veteranos e calouros, diversas gerações, que se complementam na arte de bem viver o carnaval. Eis o Lesma, sempre tão aguardado e querido. Um verdadeiro gigante do carnaval de São João del-Rei. 

Aspecto geral do Bloco Lesma Lerda, com apresentação de capoeiristas no momento que dançavam o maculelê. 


* Fotografia (27/02/2019) e texto (05/03/2019): Ulisses Passarelli.
** Revisão: 12/02/2024.