Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 27 de maio de 2015

Dia Maior do Jubileu do Divino 2015

No último dia 24, Domingo de Pentecostes, encerrou-se em São João del-Rei a tradicional Festa do Divino, um jubileu que acontece no Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. O dia maior foi o mais animado dos últimos cinco anos e a sua organização evoluiu.

Andor do Divino Espírito Santo. 
Como de costume, pelas oito da manhã começaram a chegar os dançantes de diversos congados convidados, que logo seguiam para o salão, onde lhes foi servido o café da manhã com pães e quitandas. Cada qual entrou e saiu cantando do salão e de praxe com versos de gratidão pelo desjejum oferecido.


A mesa do café da manhã. 

Na sequência, tomando o largo, apresentaram-se ao povo ou dançaram no adro quando a celebração festiva já tinha terminado. Então rumaram para o Salão de Santo Antônio, para recolher o reinado. Cantaram suas saudações aos reis, rainhas, príncipes e princesas. É de se notar que o referido salão ladeia a linha férrea e quando o trem passa, a atmosfera como que se carrega de nostalgia e simbolismo: os dançantes de fora da cidade, não afeitos a ver a maria fumaça, logo se voltam para vê-la fumegando e os passageiros por sua vez, turistas, fixam aquela visão colorida e fugaz dos congadeiros, em retratos e vídeos. O apito da locomotiva se mescla aos tambores e sua fumaça evoca um incenso. Cortejo de retorno formado, a guarda de Passa Tempo é a última, pois cabe ao moçambique mais antigo na festa trazer a 1ª coroa e seu Capitão-mor, sr. Luís Maurício, é o Capitão de Coroa desse festejo desde 1999.

A chegada à igreja é esfuziante e os coroados foram deixados no interior do templo, enquanto os congados passaram diante do altar e saudaram o sagrado com muito carinho. Seguiram para o almoço. A chamada dos reis e rainhas deu-se nesse momento.

O almoço é um momento de grande confraternização, instante no qual dançantes de várias guardas de congado e cidades se irmanam num burburinho imenso, conversando alegremente. A equipe da cozinha é grande e zelosa e todos os anos trabalha com afinco para servir centenas de refeições gratuitamente. Cada grupo agradeceu o alimento e saiu do salão dançando rumo à Praça de Santa Terezinha. Lá, onde um mastro sinalizou a comemoração, foram em visita à igreja, onde o andor do Rosário, muito bem enfeitado de flores, recebia uma verdadeira peregrinação de congadeiros. As guardas entravam dançando pela porta principal da Igreja de Santa Terezinha e saíam pela lateral, sucessivamente. Muita gente moradora dos arredores juntou na praça para assistir.

Montou-se o cortejo imperial, retornando ao santuário. A praça estava cheia de dançantes e de assistência. O vilão de Perdões após exímia apresentação individual, alegre e colorida com a percussão de varas enfeitadas, dividiu-se em duas alas e seguiu pela lateral do cortejo, de fora a fora, até a dianteira, assumindo-a, como sói acontecer com as guardas de corte. Na sua dianteira só o grande estandarte do Divino de abre-alas. Se o vilão é o primeiro, o moçambique é último, o do Capitão de Coroa, como já foi dito, seguido pela corte do Imperador, o próprio e seu futuro substituto, com todo aparato habitual e o andor do Rosário. Entre o moçambique e o vilão, seguiam os outros congados, cada qual com seu ritmo, fardamento peculiar, musicalidade específica, cantares, danças, adereços, instrumentos: pelo estilo dos catupés, vieram aqui mesmo da cidade, dos bairros: São Dimas (Capitão Moacir Santana), São Dimas (Capitã Maria Auxiliadora, uma guarda mista, que também bate moçambique), Matosinhos (Capitão Tadeu), Restinga (Ritápolis), Ritápolis (cidade), Resende Costa (Terno São Cosme e São Damião), Coronel Xavier Chaves, Conceição da Barra de Minas, Santa Cruz de Minas, Prados e Cláudio; marujos do Capitão Ganair (presença assídua desde 1998), de Conselheiro Lafaiete; congos de Itutinga, Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno (São João del-Rei) e São Gonçalo do Amarante (São João del-Rei); moçambiques bate-pau de Santana do Garambéu, Paraíso Garcia (Santa Rita do Ibitipoca) e Barroso; e ainda outros moçambiques, do tipo jomba: do Bairro São Geraldo em São João del-Rei (bandeira de Santa Efigênia), do Bairro Solar da Serra da mesma cidade (também uma guarda mista que bate igualmente catupé), de Macaia (Bom Sucesso), Bom Sucesso (cidade), Ibituruna e Pedra Negra (Ijaci). Notória a presença do grupo do Rio das Mortes, que não tem o costume de sair para outras festas como esta e foi por todos muito bem visto e admirado.

Reinado e Imperador chegam ao Santuário.

O cortejo serpenteou pelas ruas de Matosinhos até chegar ao santuário. A musicalidade impressionante tomou conta de todo o itinerário. Na entrada, já o Imperador Coroado sob a umbela recepcionava cada grupo e ofertava uma lembrança da festa, uma peça artesanal simbolizando a pombinha do Divino. Todos os grupos novamente fizeram entrada por dentro do Santuário lotado, sob uma assistência atenta, que também estava no adro, fazendo um corredor para a passagem dos congados. 

A missa solene, celebrada pelo Bispo Diocesano, Dom Célio de Oliveira Goulart, contou com a participação também do Vigário Paroquial de Matosinhos, Padre Geraldo Sérgio França e do Diácono Permanente Ademir Noel, aliás presente com muita dedicação à festa inteira, desde o primeiro dia da novena. A reflexão religiosa tematizada no "Espírito Santo na vida da Igreja", analisada a cada dia de novena sob a ótica dos seus sete dons, foi em verdade coroada no dia maior, tanto na missa festiva matutina quanto nesta, solene, por uma homilia muito bem pregada, que ressaltou a importância litúrgica da data, a bem da verdade, aniversário da Igreja. Em todo o mundo o Espírito Santo dá a luz e o vigor ao povo de Deus para não esmorecer em sua caminhada ao longo da vida. 

Apagando o Círio Pascal. 
Ao fim da celebração houve a cerimônia para apagar o círio pascal e na sequência a coroação do novo Imperador. O sr. Dácio Sebastião de Carvalho, portando as insígnias e trajes de costume, fez a entrada pelo centro do santuário, tendo de um lado a esposa e do outro o filho, até o altar, onde subiu e saudou as autoridades eclesiásticas. Com a ajuda do Mestre de Cerimônias, sr. Otávio Félix Pereira da Silveira, também festeiro do Divino a muitos anos, e sob a tradicional e indispensável locução do insigne Professor Abgar Tirado, que narrava aos fiéis as etapas da coroação, o Sr. Dácio entregou a salva, a coroa, o cetro, a capa e a faixa, nesta ordem, e assim descoroado voltou-se ao fiéis saudando-os alegremente e sendo ovacionado. Deixou então a parte do altar e veio se postar junto ao espaço reservado aos imperadores de outros anos que acompanhavam a cerimônia, desta feita sem participar do cortejo abre-alas de entrada desta cerimônia, o que, aliás, não foi em geral do agrado de alguns. O Sr. Francisco José do Nascimento, eleito imperador para o ano de 2015, já postado junto à porta de entrada, trajado de terno completo como é de praxe ao cargo, ladeado pela esposa e seguido por familiares, fez sua entrada ao som de três jovens músicos solistas da Banda Sinfônica do Santuário, sob a batuta do sr. Ronaldo Medeiros, que tocaram a Marcha Triunfal de Aida (Verdi). O Imperador Eleito subiu ao altar com a esposa, que foi convidada a afixar o brasão dos imperadores no paletó do esposo. Recebeu sequencialmente a faixa e a capa. Ajoelhou-se num genuflexório e o bispo o coroou, sob as palmas da igreja lotada. Recebendo a salva e o cetro, se ergueu e voltou-se aos devotos, com estampada alegria no rosto e a prerrogativa do papel assumido que demanda muito trabalho e dedicação para a preservação do jubileu. Muita gente acorreu para cumprimentá-lo e fazer fotografias. 

Cerimônia de coroação do novo imperador. 

No adro, após a missa, alguns congados fizeram apresentações. A procissão contou com uma grande massa de fiéis, sendo aberta pelos cavaleiros com estandarte e bandeiras. A Comissão do Divino em boa hora distribuiu velas aos devotos. A liteira ia na frente, o andor de Nossa Senhora da Lapa ao centro e o do Divino na retaguarda, os três iluminados e muito bem enfeitados por flores. Alguns congados acompanharam já que a maioria nessa hora já partira. Deles se destacou o de Passa Tempo que não parou de bater um minuto sequer desde a saída, com seu grande coro de vozes entoando vigorosamente os cantos de fundo religioso. Na chegada houve a bênção do Santíssimo Sacramento, conduzida pelo Pároco e Reitor do Santuário, Padre José Bittar. 

Andor de Nossa Senhora da Lapa no momento da chegada da procissão. 

Os mastros foram descidos pelas vinte horas, pelo congado do bairro, com o Capitão e Imperador José Tadeu do Nascimento, e a presença conjunta do Capitão de Mastro, José Adnei da Luz e da também bem vinda ajuda do Capitão de Ritápolis, Geraldo Marcelino, que conduziram o ritual. Tiveram ajuda imediata como todo ano tem acontecido do Capitão Luthero Castorino, um dos fundadores e imperador. Muita gente assistiu à descida. 

Descida do mastro de Santo Antônio. 
O show de encerramento iniciou imediatamente, cantando a dupla Márcio e Heleno para uma boa platéia. Na víspora e nas barraquinhas de comes e bebes havia grande movimento.

Mais um ano vencido, o 18º do resgate. A festa ganha maioridade em sua nova fase e isto exige muito de todos os membros da Comissão do Divino. Abnegação, maturidade, fé, disponibilidade e responsabilidade são indispensáveis a um festeiro de jubileu. Como ponto negativo somente há de se lamentar e muito à falta da Missa Inculturada, momento que rememora a saga do africano, a sua força, a sua luta. Em compensação não tivemos no seu dia a igreja lotada como antes... Muita gente reclamou a falta deste evento religioso e pôs esperanças no seu retorno para o próximo ano. 

Os carismas, os dons, os frutos se manifestam de muitas formas. Inclusive nas expressões culturais. Por elas o povo manifesta ao seu modo e em sua linguagem a fé mais legítima. O folião e o congadeiro tem muita espiritualidade, à flor da pele em verdade. Seu canto é um louvor genuíno, espontâneo, sempre com muita alegria, respeito e musicalidade, porque quem gosta de tristeza não é de Deus. E quem duvidar que venha ver: a cada ano a alegria do dançante e da assistência nesta festa gigante do povo de Deus. É pela sua felicidade que o jubileu se processa e consolida. Uma alegria jubilar, carismática, contagiante. É fácil encontrar no meio dos fiéis gente emocionada com a atmosfera envolvente que o evento cria. É um jubileu singular e a mais importante festa com elementos da cultura popular na região. 

É por causa desta verdade que não se acha palavras para expressar, apenas meios de sentir, que ouvi no meio da multidão alguém dizer: "toda festa da Igreja é boa, mas a do Divino, é especial!"

Imperadores de vários anos durante a Missa Solene. 

Imperadores de vários anos durante a Missa Solene. 
No salão, uma congadeira de Barroso saúda a bandeira do congado de Matosinhos,
que chegou para o café da manhã.
O congo de São Gonçalo do Amarante em marcha de rua. 
Congo de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno se apresenta no adro. 
  
Do Bairro São Dimas, o congado do Capitão Moacir, de São João del-Rei. 

O tradicional congado de Conceição da Barra de Minas. 

Congado de Cláudio adentra pelo santuário. 

Congo de Itutinga, com seus muitos reco-recos de bambu. 

Exuberância das fitas dos marujos de Conselheiro Lafaiete. 

Do município de Santa Rita do Ibitipoca, hábeis moçambiqueiros
percutem bastões num ritmo muito bem marcado. 

Guarda da cidade de Ritápolis, com seus grandes tambores de guia. 

Sempre presente, o congado de Santa Cruz de Minas. 

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli.
** Fotos: Iago C.S. Passarelli, 24/05/2015.
*** Para saber mais, leia também:

PROCISSÃO DO IMPERADOR PERPÉTUO 2015

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Procissão do Imperador Perpétuo 2015

Encerrou ontem o grande jubileu em honra ao Espírito Santo, a tão querida e concorrida Festa do Divino, cuja beleza e valor religioso nunca é demais exaltar. O Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em São João del-Rei, após os dias anteriores de novena, esteve lotado de fiéis nos dois últimos dias, favorecidos por um tempo aberto, embora frio. 

A Procissão do Imperador Perpétuo, no dia 23 do corrente, transcorreu bem na sua travessia pelo centro histórico, com certo atraso, verdade o seja, mas animadamente musicada pelas folias presentes, que ao longo de todo longo trajeto se alternaram na cantoria. Como de costume, o cavaleiro foi à frente em abre-alas, com o grande estandarte, ladeado pelos ponteiros, também a cavalo; na charrete veio o Mordomo da Bandeira, Sr. Mário Calçavara, folião respeitado e querido por todos. Muitas bandeiras vermelhas do Paráclito vieram na sequência, seguidas pelas folias, a corte, o Imperador Coroado, sob a umbela e guarnecidos pelos guarda-coroa de espadas em punho, e por fim, a liteira com Santo Antônio, trazida por soldados montanhistas do glorioso 11º B.I. 

O pároco de Matosinhos, ao centro da procissão, vinha com uma nova imagem do Divino em forma de custódia, abençoando os fiéis ao longo do caminho, com muito carisma. 

As casas em geral pelo itinerário foram receptivas, montando altares externos, enfeitando sacadas com toalhas e flores. Destaque para a comunidade da Gruta do Divino (onde aguardava a Folia do Carlão) e a de Santa Clara (onde ingressou o Imperador Eleito), bem como para a travessia Rua Bernardo Guimarães. 

A missa teve grande número de devotos e cada folia fez um canto da celebração.

Por fim, após um café com quitandas, as folias apresentaram-se no coreto para um excelente público. A apresentação contudo foi maculada por problemas de sonorização. 

Para registro segue o nome das folias do Divino presentes: folia das Águas Férreas, do folião Geraldo Elói; folia do Jardim São José ("Folia das Mulheres"), foliã "Lilia"; folia da Rua São João, folião Antônio Ventura (as três do Bairro Tijuco); folia do Guarda-mor, folião João Matias; folia da Colônia José Teodoro, folião "Carlão" (todas estas folias de São João del-Rei) e ainda, uma folia de São Sebastião, vinda de Coqueiros, distrito de Nazareno, do folião Celso Antônio da Silva, aliás, também presente no ano passado. 

O Imperador do Divino e o Pároco. 

Cavaleiros abrem alas. 


Aspecto geral da procissão. 


A cor de Pentecostes invade as ruas da cidade. 

Folia da Rua São João.

A tradicional Folia das Mulheres. 

Folia das Águas Férreas. 

Folia do Guarda-mor na Rua Getúlio Vargas,
primitiva Rua Direita. 

Folia de Coqueiros e ao fundo a Igreja do Rosário,
no centro histórico de São João del-Rei. 

Marungos da folia de Coqueiros. 

Folia da Colônia José Teodoro cantando durante a celebração
no Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos.

A liteira no Santuário. 
Apresentação no coreto.
Nesta fotografia, a Folia do Carlão. 

Café dos folieiros, no Salão da Catequese. 

Último devoto.
Notas e Créditos


* Texto: Ulisses Passarelli.
** Fotos: Iago C.S. Passarelli, 23/05/2015.
*** Para saber mais sobre esta festa leia também:

DIA MAIOR DO JUBILEU DO DIVINO 2015

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Notas sobre o uso das congonhas na cultura popular

O imenso interior brasileiro, sujeito que foi à mescla cultural de várias etnias, desde data imemorial se valeu da química das plantas na medicina popular buscando a cura, tratamento ou alívio de muitas doenças. A natureza vasta e risca forneceu desde sempre a matéria prima. Em Minas Gerais não seria diferente. VASCONCELOS (1994), no princípio do século XIX já aludia ao uso dos vegetais como remédio pelo povo mineiro:

"Os empíricos pelos sertões da capitania não curam com as drogas das boticas, senão com raízes vegetais, e avançam idades a que não chegam os habitantes das cidades e vilas." (p.67)

Dentre tantas plantas medicinais estão as congonhas, que gozam de imenso prestígio. Por toda a região está presente seu uso, muito arraigado. Sobretudo nas áreas serranas do complexo Lenheiro-São José é que o povo as coleta tradicionalmente, a partir das comunidades do entorno. Colher congonha na Semana Santa é uma tradição muito forte, para guardá-la desidratada para uso ao longo do ano, supondo-a abençoada.

Congonha é o nome de algumas plantas cujo uso popular é muito disseminado, seja na fitoterapia - principalmente para os rins, sob a forma de chá, seja como uma espécie rude de mate. SAMPAIO (1987) ensinou: "CONGONHA: corr. Congõi, o que sustenta ou alimenta; é a erva-mate, variedade (Ilex congonha). Minas, Bahia."

O chá de congonha é de uso costumeiro, daí sua analogia ao mate. Em muitos casos é de uso diário. O consumo com finalidade medicinal é bem mais eventual. BURTON, em meados do século XIX, viajando por São João del-Rei e Lagoa Dourada, rumo a Morro Velho, passou por Congonhas em 1868 e anotou:

"Congonhas é chamada"do Campo", para se distinguir de Congonhas de Sabará (*). O nome é comum no Brasil, sendo aplicado pelos tropeiros e viajantes a muitos lugares onde são encontradas as diversas variedades de iliciáceas, da qual a mais valiosa é o mate (Ilex paraguayensis) (**) (...) A palavra brasileira congonha é genérica, abrangendo todos os arbustos dos quais se faz "o chá do Paraguai". É também especificamente aplicado ao Ilex congonha, comum em Minas e no Paraná. O chimarrão de congonha é a única infusão bebida sem açúcar. A caraúna é uma congonha de qualidade inferior."

BUZATTI, baseando-se no autor supra-citado, deduziu: "É provável, portanto, que antes do aparecimento do café, a congonha tenha sido a bebida do dia-a-dia dos tropeiros e viajantes."

O uso é in natura, da folha verde, colhida de imediato, senão, dela seca: colhidas as folhas, são postas à desidratação sobre uma peneira, ou caso não estejam desfolhadas, se for apanhado o ramo, amarra-se em feixe e se pendura à secagem por vários dias. Depois de seca se faz o chá fervido. Existe outra forma de uso: as folhas secas são torradas, moídas e misturadas ao pó de café, com o qual é coada conjuntamente e bebida. Café com congonha tem um gosto muito peculiar. É bastante usado na zona rural, acompanhado das famosas quitandas, considerado uma iguaria e um remédio.

O povo distingue algumas variedades de congonha, dando preferência a esta ou aquela conforme o destino medicamentoso pretendido. As mais populares são a congonha-bugre ou congonha de bugre (***) e a congonha bate-caixa, de folhas grandes, coriáceas, que percutidas uma contra a outra produzem um curioso som, motivo do nome. É também alcunhada de forma bem humorada de "congonha-mijona", uma referência ao alto poder diurético a ela supostamente atribuído. Quem bebe congonha, urina ("mija", conforme o vocabulário popular) muito, com alta frequência e volume, uma urina bem límpida e sem odor intenso. Mas também existe a congonha-amargosa, preferida para as questões hepáticas; a congonha-serrinha, de folhas pequenas e picotadas, como os dentes de um serrote; a congonha-douradinha, de folhas miúdas, que secas ganham uma tonalidade amarelada e produzem um chá bem amarelo, procurada para limpeza de canais urinários, sendo predileta pelos homens para questões de próstata.

Há quem considere outros tipos de plantas como variedades de congonhas também. Tal acontece com a caroba (ou carobinha do campo), a ticongô e a caraúna. A caroba é procurada sobretudo como depurativo. A ticongô não é para ingestão. É uma congonha buscada para banhos de descarrego, na linha africana, ou seja, dos negros velhos, tradição dos terreiros de umbanda para firmeza dos trabalhos dos "vovôs" e "vovós", como habitualmente se diz. 

Esta planta nomina a famosa cidade histórica mineira de Congonhas. Outra invocação à planta é o nome da cidade de Congonhal, no sul de Minas Gerais.

Conforme este blog sempre alerta nos casos de "medicina popular", os registros de uso relatados nesta página eletrônica tem valor meramente cultural, como relato etnográfico. Não recomendamos o uso, ou consumo, que depende de estudos específicos, devido a possíveis riscos à saúde.

Bate-caixa (Palicourea coreacea, rubiaceae). Serra de São José, Santa Cruz de Minas, 30/11/2009.

Bugre (Rudgea viburnoides, rubiaceae) alojando um ninho
 de saíra da mata (Hemithraupis ruficapilla, thraupidaeSão João del-Rei, 14/10/2013.  


Congonha-serrinha. São João del-Rei. 14/05/2016. 

Ticongô, já desidratado, para banhos de descarrego. São João del-Rei, 16/05/2015.  

Congonha-amargosa, vendida na Sexta-feira da Paixão
diante da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar,
junto com outras ervas medicinais e aromáticas.
São João del-Rei, 25/03/2016. 

Referências Bibliográficas


BURTON, Richard Francis. Viagens aos Planaltos do Brasil (1868) . 1º Tomo: do Rio de Janeiro a Morro Velho. Rio de Janeiro: Nacional, 1942. Coleção Brasiliana, série 5a, v. 197, p. 188.

BUZATTI, Dauro José. Viagem as Minas dos Cataguases. Contagem: Fundação Mariana Resende Costa, [s.d.]. 123p. p.107.

SAMPAIO, Teodoro. O Tupi na Geografia Nacional. 5.ed. São Paulo: Nacional; Brasília: INL, 1987.359p. p.225.

VASCONCELOS, Diogo Pereira Ribeiro de. Breve descrição geográfica, física e política da Capitania de Minas Gerais. Estudo crítico por Carla Maria junho Anastasia; transcrição e pesquisa histórica por Carla Maria Junho Anastasia e Marcelo Cândido da Silva. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994. 188p. (Coleção Mineiriana. Série Clássicos). 

Notas e Créditos

* Congonhas de Sabará: atual cidade de Nova Lima. Ainda hoje é usual, embora não oficial, o topônimo "Congonhas do Campo". Não é caso único de um acréscimo de uso comum ao nome oficial de uma cidade. Por exemplo: "Santo Antônio do Salto da Onça", no Rio Grande do Norte, é oficialmente apenas Santo Antônio e "Aparecida do Norte", em São Paulo, é na verdade apenas Aparecida.
** O nome correto é Ilex paraguariensis, mas o autor defendia a grafia paraguayensis.
*** Bugre era o termo depreciativo aplicado aos indígenas no sentido de inculto, selvagem. 
**** Texto e fotografia da congonha bate-caixa: Ulisses Passarelli
***** Fotografias da congonha-bugre, amargosa e ticongô: Iago C.S. Passarelli

terça-feira, 19 de maio de 2015

Cavalgada do Divino 2015 anuncia jubileu

Na manhã do domingo que antecede a Pentecostes, parte de Matosinhos a Cavalgada do Divino. O evento acontece desde 1998. Naquele ano e nos imediatos a cavalgada era no sábado, véspera do dia maior do Jubileu do Divino. Mas entendido em boa hora pela comissão de festeiros como um evento de finalidade anunciatória, foi antecedido para o início dos festejos. 

Os moradores de São João del-Rei já sabem, estão condicionados: quando passam estes marchantes a cavalo, com bandeiras do Espírito Santo, é sinal incontestável que a Festa do Divino começou. Os desavisados que acaso não viram alguma propaganda, anúncio, jornal informativo, agora sabem. 

A disposição geral é a de duas filas, abertas pelos ponteiros, distinguíveis pelos coletes brancos. Trazem na mão um guião, espécie de flâmula, de estrutura bem leve. Ao centro e na dianteira um cavaleiro carrega um grande estandarte abre-alas, aliás, embora reformado, é o mesmo desde a primeira Cavalgada do Divino. Na sequência vem a charrete com o Imperador Coroado e no final das fileiras de cavaleiros e amazonas, outras charretes e carroças. 

Percorrem vários bairros, passando pelas vias principais, depois retornam para o ponto de saída, na praça da Avenida Santos Dumont, onde o Capitão de Congado Tadeu, também Imperador do Divino (coroado em 2004) fincou um mastro de São Sebastião para abençoar a jornada dos participantes. 

Com sua dinâmica natural, já tendo passado por algumas coordenações, mudanças de itinerário e de data já citada, além da variação do número de participantes a cada ano, a Cavalgada do Divino a 18 anos cumpre muito bem sua missão, mantendo o objetivo inicialmente proposto para ela. 

O tecido vermelho e a pombinha branca imediatamente identificam que cavalgada é esta.
Na charrete imediatamente atrás, vem em destaque o Imperador Coroado. 

Cavaleiros e amazonas atravessam a Avenida Sete de Setembro.
É o sinal verde para a festa.  

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotografias: Iago C.S. Passarelli, 17/05/2015

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Mastros na Festa do Divino

A antiga tradição de fincar mastros continua vigorosa em Matosinhos, São João del-Rei. Durante o grande jubileu em honra ao Espírito Santo, a popular Festa do Divino, centrada no Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, os mastros principais são fincados na abertura da novena, precedidos por bênção sacerdotal e sob o batido de tambores congadeiros. 

Em outros pontos envolvidos no festejo também se fincam mastros, tais como na Gruta do Divino, na Praça de Santa Terezinha, no Salão de Santa Clara e na Avenida Santos Dumont. 

Mas antes de todos existe também o mastro de aviso, posto no adro a cerca de um mês antes da festa, sem nenhuma imagem estampada em seu quadro, apenas o letreiro com o nome do evento e suas datas limites. Lá do alto sinaliza a quantos passam no largo da igreja que se aproxima mais uma grande festa daquele santuário. 

As fotografias abaixo dão uma ideia mais adequada que as palavras. 

Mastro de aviso, fincado no adro do santuário. 

Mastro de São Sebastião, na Avenida Santos Dumont,
no ponto de saída da Cavalgada do Divino. 

Mastro do Divino, na Gruta do Divino. 

Mastro do Divino, na Praça de Santa Terezinha. 

Mastro do Divino diante do Salão de Santa Clara. 

Mastro do Divino, mastro de Santo Antônio e mastro de Nossa Senhora do Rosário,
diante do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. 

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotos: Iago C.S. Passarelli
*** Assista ao vídeo: MASTROS VOTIVOS  

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Programação da Festa do Divino 2015

Iniciou ontem a festa jubilar em honra ao Divino Espírito Santo Paráclito, centrada no Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em São João del-Rei, com o tradicional anúncio da Quinta-feira da Ascensão do Senhor, incluindo a visita protocolar ao Imperador Eleito e entronização da imagem do Divino. 

Acompanhe a programação dos próximos dias de maio: 

- de 15 a 23: 19 horas Santa Missa, seguida da novena ao Espírito Santo, no Santuário. Participação das comunidades, movimentos paroquiais, pastorais e convidados. A cada dia a celebração será por um sacerdote diferente, com reflexões sobre o tema "O Espírito Santo na vida da Igreja", e sermões sobre os dons do Espírito Santo. Todos os dias após as celebrações haverá shows ou som mecânico e movimento tradicional de barraquinhas.  
- dia 15: levantamento de mastros a partir das 18 horas, na Gruta do Divino e na sequência, no Salão de Santa Clara e no adro da Igreja de Santa Terezinha. Ao término da novena levantamento dos mastros principais no adro do santuário. Presença de congados. 
- dia 17: Cavalgada do Divino, saindo às 9 horas do Campo do Siderúrgico na Avenida Santos Dumont e após percorrer vários bairros retorna ao mesmo local. Na missa da noite merece destaque a presença do Coral Coroinhas de Dom Bosco.
- dia 23: Procissão do Imperador Perpétuo, Santo Antônio, saindo às 17 horas da Igreja de São Francisco de Assis pelo Centro Histórico rumo ao Santuário de Matosinhos. Presença de banda de música e das folias do Divino. As folias cantarão durante a celebração e após a novena se apresentação em encontro no coreto da festa. 

Dia Maior, Domingo de Pentecostes, 24 de maio: 

- 6 h: alvorada festiva;
- 8 h: missa festiva no Santuário e acolhida dos congados;
- 9 h 40min: recolhimento do reinado na Salão de Santo Antônio;
- 10 h: missa na Igreja de Santa Terezinha;
- 10 h e 30 min: chamada dos reis, rainhas, príncipes e princesas no santuário;
- 12 h: almoço dos congadeiros;
- 13 h: saudação a Nossa Senhora do Rosário na Igreja de Santa Terezinha;
- 14 h: cortejo imperial, com todos os congados trazendo o Imperador para a Missa Solene, da Igreja de Santa Terezinha ao Santuário;
- 16 h: Missa Solene no santuário celebrada pelo Revmo. Bispo Diocesano, Dom Célio de Oliveira Goulart, seguida de coroação do novo imperador; 
- 18 h: solene Procissão do Divino
- 20 h: descida dos mastros e despedida dos congados. Na sequência, show de encerramento com Márcio e Heleno. 
Capitão de Congado Luthero Castorino tocando berrante. 2014.
Foi o segundo Imperador coroado desde o resgate da festa e 
é um baluarte das tradições folclóricas são-joanenses.  

O Imperador do Divino, Sr.Dácio Sebastião de Carvalho, 
durante os festejos de 2014 em São João del-Rei. 

Folias do Divino no centro histórico de São João del-Rei, na
Rua Getúlio Vargas, durante a Procissão do Imperador Perpétuo. 2014. 

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotos: Iago C.S. Passarelli
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