Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Infra-estrutura em Matosinhos


            O século XX trouxe profundas mudanças a Matosinhos, trazendo-lhe de um lado o progresso e de outro tomando seu primitivo ar pitoresco, tão decantado. Problemas com iluminação, saneamento, pavimentação e abastecimento de água perpassaram as décadas aquém da necessidade real.
Logo à sua chegada o novo século traz a eletricidade ao bairro [1]

“Hoje inaugura-se em Mathosinhos, a luz electrica, nos constando que haverá na occasião da installação de mais este melhoramento no populoso, alegre e pittoresco arrabalde desta cidade, fogos, musica e outras manifestações de regosijo”.

            Não obstante o avanço a qualidade do serviço de iluminação era ruim. Sua precariedade gerava protestos nas letras jornalísticas são-joanenses. Veja-se o exemplo desta pitoresca e bem humorada reclamação [2]:

Bem humoradas reclamações sobre as falhas de fornecimento de energia elétrica

 Transcrição:

“RECLAMAÇÕES: a abaixo assignada, a bem da decência da cidade, requer a substituição da luz electrica por outra qualquer. D.VELA. Havendo a deposição da luz electrica, sou eleito com certeza. Dr.KEROSENE. O povo indignado com a luz electrica, é capaz de fazer greve e mandar cortal-a e eu fico na ponta, nos quartos das senhoritas, de que tenho tantas saudades. Dr. AZEITE. Se a luz electrica não concertar a Camara é capaz de illuminar a cidade como eu desejo. Dr. GAZ.”

            Persistiu por muitos anos o apelido pejorativo de Morro do Querosene à parte alta e entre o Pio XII e o Bom Pastor de Cima, nas cabeceiras do Córrego das Galinhas, lembrança anterior à eletricidade pública, quando as fumegantes lamparinas eram dominantes.
Mas a luz trouxe consigo um novo aspecto para as festas do bairro. O largo iluminado era um atrativo à parte [3]: “A Praça Chagas Doria se conservará grandiosamente ornamentada, ostentando abundante iluminação completamente augmentada e modificada”.
            Quanto ao saneamento, sua falta assim se configurava [4]: “Insistimos no pedido que já uma vez fizemos á Camara para que o seu digno presidente mande esgotar umas aguas estagnadas que existem no becco do Porto, além de Mattosinhos e proximo á ponte”.
            Essas águas parecem ser as do Córrego do Porto, minúsculo fluxo d’água, em parte aterrado e outro tanto manilhado, hoje seco, que descia rumo ao rio, numa vala, beirando a Rua Tomé Portes del-Rei. A nascente era na região do atual Conjunto INOCOOP.
Um interessante panorama do bairro no começo do século XX, nos dá esta página jornalística [5]:

"Este pittoresco arrabalde, cujo desenvolvimento é crescente dia á dia, já tendo localisados dous estabelecimentos industriaes, magnificas vivendas, com uma população bastante numerosa, com estabelecimentos de ensino, agencia postal, cortado pela estrada de ferro, com trens especiaes de communicação com a cidade, bem podia merecer mais a attenção dos poderes publicos. (...) Os habitantes de Mattosinhos queixam-se da falta d’agua, clamam contra o serviço de limpeza que é nullo, anceiam por se verem livres da mattaria que cresce com um viço admiravel, reclamam contra a lama e as poças d’agua apodrecida e gritam contra a cansuada que vagueia impunemente pelo largo, tolhendo a liberdade das familias." (etc.)

Os jornais de época revelam os descuidos de infra-estrutura da cidade como um todo e Matosinhos se encaixava neste contexto:


Transcrição:

"O dr.F.Catão realmente precisa de tomar um destes trens, mas para se ir de vez, mas para voltar o mais breve possivel, e trazer em sua companhia gente que nos ajude a fazer reclamações contra a agua suja, a praia suja, o matadouro sujo, as ruas sujas, que temos nesta hospitaleira,e salubre cidade." (O Grypho, n.10, 24/11/1907)"


Transcrição: 

Chuva Providencial

"Parece que alguém  lá das alturas, attendendo ás reclamações do povo, delle condoeu-se e mandou, no segundo dia de festas em Mattosinhos, uma chuvinha miuda incumbida de applacar o pó que era bárbaro e inclemente.
Ninguem lá de cima tem obrigação de mitigar os sofrimentos dos que estão cá em baixo, competi somente á Camara mandar irrigar o largo de Mattosinhos em fazer-lhe uma capina em regra, porque só ela tira proveitos do povo com pesados impostos e taxas absurdas. 
Os negocios de nossa Camara vão de mal a pior.
É o povo a queixar-se ao bispo. (A Nota, n.24, 30/05/1917)

            Um dos maiores problemas enfrentados pelo grande bairro no século XX  foi o da água potável e no seu rastro o do esgoto. Além disto, havia uma situação complicada nas áreas menos centrais, como a Vila Santa Terezinha. As chácaras de outrora eram auto-suficientes, com suas bicas, cisternas, poços e fossas. Mas com o seu fim e o grande número de casas, o abastecimento público e o saneamento básico não cresceram proporcionalmente. O jornal A Tribuna, ainda no remoto 1931, admoestava ao poder público para que atentasse para a água [6]:

É necessário, que a Prefeitura lance suas vistas para o mais precioso líquido, absolutamente indispensável a nossa existencia, que tanto o exige puro. Alguns habitantes daquelle importante bairro [Matosinhos] de nossa cidade, pedem-nos levemos ao conhecimento do sr. Prefeito a notavel falta de água d’ali, que elles vêm de há muito reclamando, sem ser ouvidos.

Clamores jornalísticos de 1934 sobre a necessidade 
de rede de esgotos em Matosinhos.

             Havia também um  problema com falta de capina. O mato excessivo gerou pedidos na imprensa de 1937:



            Algumas obras visando ao abastecimento começaram na década de cinqüenta, mas a seguir foram paralisadas. O Correio noticiou o reinício das ditas obras em Matosinhos e Vila Santa Terezinha [7].
            A falta de urbanização dessa última era notória no fim dos anos sessenta [8].
Idealizava-se uma sub-prefeitura para o bairro (até hoje esta idéia é comentada, mas sem efetivação à vista), visando a uma administração regional. Eis o triste panorama de então [9]:

Chega a ser incrível que os moradores ainda paguem os seus impostos. A Vila Santa Terezinha, a Vila Santo Antônio, a Vila Alberto Magalhães e outras, tanto no centro do bairro quanto nas extremidades, revelam à primeira vista a falta de atenção do poder público municipal (...) não há água suficiente, não há rêde de esgôtos, não há meios-fios, a iluminação é deficiente (...) Desde as medidas mais elementares da higiene e da segurança, tudo em Matozinhos está por fazer.

            Também A Comunidade fala sobre a necessidade de melhorias na rede de esgotos do bairro [10].
            Os apelos fortes da imprensa, tornando-se a voz popular, alavancaram as obras. O Prefeito Mário Lombardi inicia os melhoramentos na questão da água, ocasião que o Ponte da Cadeia comenta: “afirma-se que há mais de 20 anos os moradores não tem água com regularidade”. O mesmo jornal, noutra ocasião, informa que construíram dois poços artesianos (um deles o que está na Praça Pedro Paulo e outro na Avenida Santos Dumont, com estação de bombeamento), asfaltou algumas ruas e instalou bueiros [11].


Estação de água da Santos Dumont. 11/08/2013. 

            O Prefeito Otávio Neves fez obras importantes para melhorar o abastecimento [12]. Reativou o poço artesiano da Praça Pedro Paulo, abandonado a 7 anos e trouxe água para o grande bairro, canalizando-a desde a Cachoeira do Urubu. A travessia da adutora pela rodovia BR-265 foi um episódio à parte, onde rompendo a burocracia que travava a obra, o dito prefeito instalou os encanamentos assim mesmo.
No Pio XII a água também era problema e na caixa d’água de abastecimento desta parte de Matosinhos tinha até ratazana, denunciava a imprensa [13]. O padre de Matosinhos naquele tempo, Delçon de Oliveira, comentou na imprensa o grande número de problemas sociais e de infra-estrutura que por ali havia [14]. A seguir começam algumas obras prometendo jorrar água abundante sobre Matosinhos, a partir de captação no Água Limpa, próximo ao local chamado Capivara [15].
Em 1996 houve uma reforma da estação de bombeamento da Avenida Santos Dumont, datada de 1972.
Três anos depois outras obras visavam a ampliar a rede de esgotos no INOCCOP e construir um posto policial no bairro [16]

Esgoto a céu aberto corre livremente para o Rio das Mortes
atrás do Conjunto INOCOP , sob a linha da  Maria Fumaça. 2009.

Notas e Créditos

* Texto, fotografias e fotomontagens de recortes jornalísticos: Ulisses Passarelli.
** Jornais antigos de São João del-Rei: acervo da Biblioteca Pública Municipal Baptista Caetano de Almeida, acesso pelo site. 




[1] - O Combate, n. 209, 26/10/1902. A iluminação a querosene em São João del-Rei foi inaugurada a 01/11/1866, segundo CINTRA (1982). Funcionava precariamente e não podia ficar acesa a noite inteira por falta de verba da Câmara para manter o combustível madrugada a dentro, de tal sorte que usavam o estratagema de desligar os lampiões a uma hora ou apagar vários, deixando apenas alguns acesos. O apoio de uma verba estadual foi motivo de alegria pois “folgamos em annunciar que a illuminação publica é agora feita durante a noite inteira”, noticiou a Gazeta Mineira, n.1, 01/01/1884. Fábio Nelson Guimarães no seu estudo sobre as ruas da cidade escreveu: “No decorrer do ano de 1874, 40 lampiões guarneciam os recantos centrais de São João del-Rei, onde mais se fazia sentir a necessidade de iluminação. Serviço arrematado em hasta pública, substituiu-se, na desejada combustão, o azeite pelo querosene, (...) Já em 1882, a série de luminárias ascendeu para 100, fora os 8 da cadeia, onde permaneciam ‘grande número de criminosos de importância’.” A luz elétrica veio mais tarde, possibilitada pela instalação da usina hidrelétrica no Rio Carandaí. A luz foi instalada em tempos desiguais: no centro da cidade em 06/07/1900, segundo O Combate (n.1, 11/07/1900); em Matosinhos a 26/10/1902; na Colônia só em 1937, motivo para grande festividade, sendo que o sr. Deodoro Briguenti recepcionou as autoridades em sua residência e serviu-lhes lauto almoço. Houve vários discursos empolgados, informa O Correio (n. 554, 22/05/1937). Inauguração de luz era sempre motivo de grande festa para uma comunidade, tal como assisti no arraial de Januário, neste município, na década de 1980. Vale conferir o jornal O S. João d’El-Rey (n. 101, de 19/02/1922) comentando sobre tal regozijo na vizinha Resende Costa, com a presença de uma orquestra local, do maestro Joaquim Pinto Lara. Houve baile animado e nele tocou uma orquestra de cordas. A banda de música também deu uma nota de alegria. Em Tiradentes se negociava a instalação da rede elétrica para fins de iluminação em 1923 (A Tribuna, n. 467, 08/04/1923).
[2]The Smart, n.11, 24/01/1909.
[3] - A Tribuna, n. 471, 06/05/1923.
[4]- O Repórter, n. 88, 13/01/1910.
[5]- O Repórter, n. 89, 16/01/1910.
[6]- A Tribuna, n. 1.066, 29/03/1931 e n. 1.070, 03/05/1931
[7]- O Correio, n. 2.999, 03/04/1960.
[8]- Ponte da Cadeia, n. 103, 08/06/1969.
[9]- Ponte da Cadeia, n. 197, de 09/05/1971.
[10]- A Comunidade, n. 30, jan./ 1971.
[11]- Ponte da Cadeia, n. 241, 10/05/1972 e n. 244, 28/05/1972.
[12]- Tribuna Sanjoanense, n. 190, 09/09/1977 e  n. 205, 14/02/1978.
[13]- Jornal de S. João del Rey, n. 48, 6-12/09/1986.
[14]- Jornal de S. João del Rey, n. 138, 09/09/1989.
[15]- Nossa Terra, n. 2 e 3, nov./1989.
[16] - Tribuna Sanjoanense, n. 980, 18/05/1999 e n. 983, 15/06/1999. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário