Bem vindo!

Bem vindo!Esta página foi criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas, tampouco acadêmicas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Algumas antigas curiosidades sobre Matosinhos

O Bairro Matosinhos, em São João del-Rei / MG, em sua longa caminhada histórica, foi palco da ocorrência de muitos fatos, alguns dos quais com características de certa peculiaridade. Nesta postagem estão resumidas algumas delas, recolhidas sobretudo de antigas fontes jornalísticas publicadas nesta cidade, acessadas no acervo da Biblioteca Municipal Baptista Caetano d'Almeida. 


1-      Escola de Laticínio e Enfermaria Militar
Em 1909 houve uma escola de laticínio no bairro. Veja-se um anúncio a este respeito [1]“sôro de leite. Vende-se em Mattosinhos, a 100 réis o balde de 10 litros e a 40 réis o sôro grosso de manteiga, na Leiteria S. Raphael.”

Em 1915 essa leiteria foi transferida para a atual cidade de Antônio Carlos, antiga Sítio, logo abaixo da estação férrea, próximo à descida da Serra da Mantiqueira [2]A perda do laticínio gerou protestos locais e seu prédio ficou devoluto até que no ano seguinte, correu a notícia da criação de um posto zootécnico  [3]

"Esteve nesta cidade, em dias da semana passada, o sr. dr. Mourthé, engenheiro da Secretaria da Agricultura, que aqui veio fazer o orçamento das obras necessarias á instalação de um posto zootechnico. O posto será installado no terreno que pertenceu à extinta Escola de Lacticinios, em Mattosinhos."

O projeto fracassou. No local foi se estabelecer uma polêmica enfermaria militar, destinada a cuidar de casos de beribéri[4]. Sob crítica, um hebdomadário noticiava [5]:

"Por acto do governo estadual, foi doado ao Exercito Nacional o proprio onde funcionou a Escola de Lacticinios em Mattosinhos (...) ao fim humanitario é verdade, mas incongruente de servir como hospital de beribericos do Exercito."

Temia-se que do dito estabelecimento de saúde espalhasse infecções aos moradores, o que não só os afetaria diretamente, como também atrapalharia a fama de pureza ambiental do lugar. Tal proporção alcançou a polêmica, que o governador do estado, na época, Delfim Moreira, encaminhou a propósito um telegrama ao deputado estadual Odilon Andrade, representante regional na assembleia, visando acalmar a população, com garantias que a unidade de tratamento em nada afetaria o lugar e ali estaria em caráter provisório [6]. E de fato a enfermaria se estabeleceu e dela, certa feita, a imprensa descreveu uma trágica “scena de sangue” [7]:

"Na tarde de terça-feira na Enfermaria Militar do 51º de Caçadores, situada em Mattosinhos, o soldado José de Sousa, por motivos futeis, assassinou á faccadas o cabo Motta, crivando-lhe o corpo de golpes. São ambos do 51º de Caçadores e o cabo Motta era estimado o gosava de bom conceito. O assassino está preso."

2-  Transporte
Em data anterior à construção do ramal ferroviário das Águas Santas, lá naquele balneário, no município de Tiradentes, havia o Petit Hotel e Restaurant, propriedade do sr. Francisco Augusto de Ulhôa Cintra. Para a condução até seu estabelecimento, dispunha de carruagem tipo trole, puxada por uma parelha de bestas, que carreava hóspedes e turistas, das Águas Santas até Matosinhos, Centro e Tijuco. Ele foi também precursor das exibições cinematográficas na cidade [8].

3-      Avião
Consta que em 1913, pela primeira vez se viu um avião nesta cidade. Chegou desmontado num vagão-prancha, da estrada de ferro e o aviador, Ernesto Darioli, o montou na Praça Pedro Paulo. A população acorreu em peso, alvoroçada pela novidade. Contudo, as condições atmosféricas estavam inadequadas para se alçar voo e enquanto aguardavam o momento certo, muitas horas se foram passando e o povo ficou insatisfeito. Insuflados os ânimos, o responsável, sentindo a forte pressão popular, decolou a aeronave assim mesmo e pouco voou: caiu de bico no bambuzal do campo de futebol do Athletic Club [9].

4-      Foras da lei
Ladrões já agiam no bairro em 1939, não poupando nem a igreja [10]: “um audacioso larapio assaltou o cofre de esmolas e surrupiou o seu conteúdo. A policia precisa dar um passeio por lá, é o que esperam os moradores do populoso bairro”.

Em 1976 os moradores estiveram às voltas com um assediador sexual. As páginas jornalísticas denunciavam [11]:

"Recebemos reclamações de moradores do bairro do Matozinhos que anda solto nas ruas e ninguém tem a coragem de dizer que existe no bairro um homem que abusa da inocência das crianças, com promessas de doação de pássaros e outras bobagens mais, para atrair garotos menores para dentro de sua casa." (Etc.).

5-      Descendente de Tomé
A imprensa local destacou em 1945 o nascimento nesta cidade de Tânia Mara, descendente do primeiro morador da área do atual Matosinhos, Tomé Portes del-Rei. Era filha do casal João Crysostomo de Campos (1º Tenente) e Carmelita Macedo Campos. A menina era ligada aos Bueno, através de sua avó paterna, até Bartolomeu Bueno Gago e deste ao povo de Tomé. A genealogia completa está nos jornais [12].

6- Grupos folclóricos
Apenas pelas informações orais sabe-se que existiu um congado na área da Vila Nossa Senhora de Fátima pelo final dos anos cinquenta e começo da década seguinte. Era uma guarda de moçambique, do capitão “Geraldão”. Uma segunda guarda era de catupé; surgiu pouco depois, no Bom Pastor, sob o comando do Capitão “Zé Tita”. Geraldão era responsável por um terreiro na Vila ao qual se ligava a guarda. Já Zé Tita morava próximo a Horta Velha, no atual Bom Pastor de Baixo. Consta que era também “palhaço”, o personagem mascarado da folia de Reis, salvo engano na do “Chico Zacarias”, das bandas do Tijuco. Após seu falecimento substituiu-o como palhaço o sr. Altamiro Ponciano, conhecido Capitão de congado do Bairro São Dimas (guarda do Zé Camilo), festeiro do Rosário no Bairro São Geraldo e sobrinho de Geraldão. Este congado de Matosinhos esteve presente na primeira festa do Rosário que se realizou no bairro São Geraldo, em 1958, juntamente com o terno do capitão Luís Santana, do Bairro São Dimas. Sugestiva a interligação antiga desses bairros por desses capitães.


Congado do Zé Tita. Foto: autor  e data não identificados. 
Gentilmente ofertada para reprodução por Altamiro Ponciano.

Quanto às folias foi afamada noutros tempos a de João Ramos e mais recentemente cheguei a alcançar a existência das seguintes: do sr. Otávio José Gatti (“seu Juquinha”), no Pio XII, cuja última apresentação sob seu comando se deu em 1998. Tinha por embaixador o afamado sr. Jésus; a do “Nhonhô”, era do Bom Pastor de Cima, que também tinha alguns componentes da Casa da Pedra. Tinha por embaixadores Antônio Marinho e Dimas Lobo; e ainda a folia do sr. José Joaquim Filho (“Zé Moreno”), da Vila Santa Terezinha, que se manteve até 1994 a partir do qual em virtude de problemas de saúde de seu mestre já não encontrou mais condições de permanecer. Zé Moreno foi um dos mais capacitados foliões conhecidos nesta cidade que o adotou, pois era natural de Ribeirão dos Pintos (Resende Costa). Fora discípulo do célebre mestre-folião “Zé Biguá”, de Congonhas / MG [13].
Nem aquele congado nem essas folias adentraram no século XXI. Exceção se faz à Folia "Embaixada do Bom Pastor", que ainda prossegue ativa desde 1999, sob a organização do folião Geraldo Domingos Resende (“Didinho”), um remanescente da folia do sr. Juquinha.

Folia do Divino Embaixada do Bom Pastor, Matosinhos, São João del-Rei/MG.
Folião: Geraldo Domingos Resende.
Foto: Iago C.S.Passarelli, 2012.


Bandeira e viola - Folia do Nhônhô durante uma apresentação.
Foto: Ulisses Passarelli, 1995

Zé Moreno aparece na sanfona, comandando uma saudosa apresentação
de sua folia no antigo auditório da Rádio São João.
Foto: Ulisses Passarelli, 1995.

8- Cinema
Em 1951 instalou-se nesta cidade o Cine Arthur Azevedo, com clube teatral homônimo, no seu mesmo prédio à entrada do bairro Tijuco (Rua General Osório). Mais tarde a empresa abriu uma filial no Matosinhos, situada na Avenida Josué de Queiroz [14]Não existe mais cinema no bairro.

7-      Jocosidade
Em velhos jornais da cidade figuram algumas passagens irônicas acerca do bairro ou como indireta a algum morador seu:

“Diálogo [15]
-          Que tens, Mattosinhos, diz o Fabrino, estás a chorar?
-          Pois tenho razão, respondendo o Mattosinhos, com o violino quebrado debaixo do braço, fui expulso da orchestra pelo maestro, que me disse não ter mais violino para me dar, pois si eu quebro todos com o queixo.
-          Infeliz de quem sendo queixudo e tendo veia de artista se mette a tocar violino. De hoje em diante passe a tocar o bombo com o queixo ou o empregue como castanholas.”

*  *  *

“Telegrammas – Do nosso correspondente – Mattosinhos [16]
23 (retardo devido exercicio bananeiras). Segue grande numero voluntarios, sendo chefe capm. Tonelli; especialidade manejos. Povo Canudo espera chefe voluntarios. Passagem acima gratis.”


8- Esporte
Matosinhos foi também importante polo esportivo. Neste bairro foi sediado o "Sport Club Brasil", conforme notícias do jornal são-joanense A Tribuna, nº1.406, de 05/12/1937. 

Fotomontagem do autor, acervo do site da Biblioteca Municipal
Baptista Caetano d'Almeida, São João del-Rei.

Créditos:  

Ulisses Passarelli

Notas: 

[1] - A Opinião, n. 16, 01/09/1909.
[2] - A Tribuna, n. 45, 23/05/1915.
[3] - O Zuavo, n. 76, 20/02/1916.
[4] - “Doença devida à deficiência de vitamina B1, e que se manifesta pela rigidez espasmódica dos membros inferiores, com atrofia muscular, paralisia, anemia e nevralgias. // F. é palavra do Ceilão (atual Bangla Desh) béri, e significa grande fraqueza”. AULETE, Caldas. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Delta, 1978.
[5] - O Zuavo, n. 85, 18/05/1916.
[6] - Reforma, n. 13, 04/05/1916.
[7] - Reforma, n. 5, 02/05/1914.
[8] - Informação pessoal datada de 23/12/2008 dada pela professora Ana Maria de Oliveira Cintra, filha do historiador e genealogista Sebastião de Oliveira Cintra, que por sua vez é filho do proprietário daquele estabelecimento. Foi verbalmente corroborada pelo pesquisador Silvério Parada, na mesma data.
[9] - LOPES, Antônio Tirado. Relatos interessantes. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, v. 6, 1988.
[10] - Diário do Comércio, n. 360, 20/05/1939.
[11] - O Raio, n. 235, 08/09/1976.
[12] - Diário do Comércio, n. 2.124, 08/04/1945 e O Correio, n. 1.090, 15/04/1945.        
[13] - Informação pessoal do sr. Sebastião Carvalho da Silva (“Tião do Fole”), em 19/01/2007.
[14] - Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, n.6, 1988, p.106.
[15] - The Smart, n.4, 06/12/1908.
[16] - A Gralha, n.3, 30/07/1899. 

Revisão: 01/05/2025. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário