Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 17 de julho de 2024

A tradicional quadrilha junina de Coronel Xavier Chaves

O município de Coronel Xavier Chaves está localizado no centro-sul do estado de Minas Gerais, na Mesorregião Campo das Vertentes, Microrregião e Região Imediata de São João del-Rei, Região Intermediária de Barbacena. Área territorial de 140.954 km2, população 3.486 habitantes (senso IBGE/2022). Seus primórdios remontam à primeira metade do século XVIII, com histórico de mineração aurífera e atividades de fazendas. 

Nos dias atuais a sede municipal se destaca pelo patrimônio edificado bem cuidado, ruas extremamente limpas, boa arborização, tradição consolidada na produção de esculturas em pedras ("Cidade das Pedras"), notável artesanato de bordados e rendas de abrolhos, eventos culturais concorridos e bem organizados, grupos da cultura popular bem ativos e genuínos (Boi de Caiado, Folia de Reis, Congado, Quadrilha), além de Banda de Música em plena atividade e um grupo de trabalhos de inculturação com valores afro, que trabalha fortemente na conscientização contra o racismo e a discriminação. Afamados são os torresmos dessa terra e a produção de cachaça tem muita relevância, com destaque para a existência de um engenho que remonta ao século XVIII (considerado como o mais antigo em funcionamento no país).

Nesta postagem o Blog Tradições Populares das Vertentes focará suas atenções no grupo de quadrilha junina local, batizado "Arraiá dos Fundos", sediado no bairro Vila Mendes, abordando um pouco da história oral de seu surgimento. 

Os grupos de quadrilha junina na região se rarefizeram com os anos, diluídos diante de novas influências aportadas nas festas de inverno, onde habitualmente ocorrem (junho-agosto). Neste sentido, os grupos independentes, de organização com base comunitária são poucos nesta região atualmente. Entretanto são mantidas as danças de quadrilhas juninas no contexto das escolas e feiras, mais ou menos improvisadas e sujeitas aos modismos impostos pela cultura massiva, muitas vezes se aproveitando dos ritmos em voga a cada época (sertanejo, country, funk, etc), com estilizações acentuadas de figurino e coreografia, que as distanciam imensamente de suas raízes. 

No entanto, o Arraiá dos Fundos se comporta como uma exceção neste cenário regional, pois se mantém como uma quadrilha independente de outra instituição, algo que até quarenta anos passados era relativamente comum. Tanto mais, conserva o figurino típico, marcação e coreografias tradicionais. Para falar deste grupo cultural irremediavelmente é preciso mencionar que, de um modo geral, o povo xavierense participa de seus aspectos culturais com muita autenticidade e afinco. Destaca-se no campo cultural por cultivar diversas manifestações populares em plena autenticidade.  

Num segundo aspecto é preciso referenciar com louvores o papel do marcador da dança de quadrilha aqui abordada: Rosnei José Silva, mestre de obra de profissão. Natural de Coronel Xavier Chaves, nascido na Canoa de Cima, em 1966. Sua sensibilidade para os movimentos culturais e sociais o torna muito ativo na participação na banda (tocando pratos) ou na folia (pandeiro). Já organizou um time de futebol infantil, batizado Ypiranga, entre 1993 e 1996. Mas é na quadrilha que expande suas potencialidades, na qual, de fato tornou-se um mestre. 

Narrou que em sua infância (aos 12 anos de idade) havia uma antiga quadrilha de adultos na sua cidade. Ele ia com a irmã para dançar. O organizador da época não consentia a participação de crianças, mas a irmã podia dançar, pois já era maior um pouco. Rosnei nutria grande desejo de ingressar nas fileiras de dançadores, mas ante a proibição, sentava-se nos degraus do salão paroquial a observar a dança, gostando do que via, mas, decepcionado por não poder fazer parte, jurava a si mesmo que um dia ainda marcaria uma quadrilha. Desta passagem inicial que reflete o sonho de uma criança, o vislumbre de planejamento do futuro, Rosnei fez um desenho, muito representativo, aqui exposto: 


Segundo sua narrativa, certa ocasião faltou um par na dança e o marcador o chamou a participar. Foi quando começou. Uma vez, numa quadrilha da escola estadual, o marcador não foi ensaiar e Rosnei se candidatou, dizendo à professora que marcaria a quadrilha. Continuou marcando na escola desde os 13 anos e seguiu. Aos 18 anos intensificou a atividade já fora da escola, em quadrilhas improvisadas. Até que um dia, no povoado da Água Limpa, o convidaram a marcar e foi então a primeira vez que marcou uma quadrilha oficial de adultos, e desde então continuou. Desta quadrilha marcada na Água Limpa, em 1991, é que  Rosnei conheceu Maria Aparecida  Silva (conhecida Cida), que se tornou sua esposa e ela é a atual Presidente do grupo, nos seus dizeres, seu braço direito em tudo, no sentido do protagonismo. Destacou também o papel do sr. Benedito  Trindade da Silva,  conhecido Bené, Vice Presidente. 

Mais tarde, porém, resolveu fundar um outro grupo. Isto foi nos idos de 1993. Os ensaios aconteciam na rua, diante da sua residência, como organizador, à Rua Geraldo Passarini, nº267, no bairro Vila Mendes. Inicialmente ele marcava um pouco da quadrilha, e um senhor idoso, José Catarino, marcava outro tanto, intercalando ambos para cumprir as quatro partes. Nos ensaios não havia sanfoneiro, dançavam ao som mecânico (disco de vinil), mas no dia da apresentação iam com sanfoneiros. A ausência de cobertura levou-os num segundo momento a transferir os ensaios para a sede do salão comunitário do bairro, onde ainda permanecem. Rosnei informou, que ao contrário do antigo marcador de quadrilhas que não consentia a participação das crianças ele incentiva sua presença, como aposta na semente da continuidade da tradição pela força do aprendizado e prática, sem excluir ou menosprezar os adultos e idosos. Desta disposição decorre que em 2018 o grupo tinha participantes na faixa etária dos 10 aos 84 anos. Sua paixão pela quadrilha se revela também pela afirmação que, a serviço, residiu por dez anos na capital mineira, donde vinha aos finais de semana para ensaios e apresentações da quadrilha. Ao longo dos anos muitas pessoas passaram pelo Arraiá dos Fundos como participantes, que se tornou um grupo de convívio, prática cultural e aprendizado. 

Com o passar dos anos o grupo adotou uma bandeira e um hino, em 2014. A primeira bandeira  foi pintada por Romulo, irmão de Rosnei, a atual foi pintada pelo próprio Rosnei. 

Rosnei e o autor deste texto segurando a bandeira da quadrilha Arraiá dos Fundos. 
Foto: Betânia Nascimento Resende, 12/09/2022. 

Trajes da quadrilha, no salão onde ensaiam, fotografados durante a pandemia de COVID-19. 


O hino foi uma criação conjunta de Rosnei, sua esposa Maria Aparecida; Rosiana - irmã do marcador, Tamara e Márcio Natal.  É cantado na mesma melodia da conhecida música sertaneja "Moreninha linda!" (canção da dupla Tonico e Tinoco). 

Rosnei também desenha e corta parte dos figurinos dos vestidos. 



Conjunto de bonecas vestidas com manequins da quadrilha. 

O grupo ensaia alguns meses antes do período de apresentações (junho a agosto). Formado por voluntários e sem fins lucrativos, atende aos convites do poder público e da iniciativa privada para suas exibições coreográficas, bastante variadas e bem ensaiadas, caracterizadas por movimentos bem sincronizados e marcação irreverente. O grupo sobrevive de doações para custeio geral das despesas, sobretudo do figurino. Faz se acompanhar por músicos populares, tocando acordeon, violão, pandeiro e caixa, com grande animação.

Desde o ano de 2017 o grupo ocupa o restante do ano que não há apresentações e ensaios da quadrilha com práticas de teatro amador, promovendo ensaios e apresentações.


Desenhos de Rosnei, alusivos à tradição da quadrilha junina. 

Ao comentar sobre esta quadrilha, quando de uma participação em festa junina acontecida na cidade de São João del-Rei, Sacramento (1999) afirmou: "Aquela quadrilha, com seus trajes típicos representou, com a maior autenticidade e valor folclórico, o Casamento Caipira e, em meu modesto entendimento, está apta a animar qualquer Festa Junina que tenha o desejo de ser eminentemente autêntica."

Recorte de jornal contendo matéria de autoria de SACRAMENTO (1999), colada em caderno, conservada pelo Marcador e Coordenador da Quadrilha Junina, Rosnei. 


O grupo de Quadrilha Arraiá dos Fundos, da Vila Mendes, foi formalmente constituído em cartório no ano de 2002, contando com diretoria e é um bem inventariado (ano 2019) e por este mecanismo reconhecido formalmente como patrimônio cultural do município de Coronel Xavier Chaves.



Fotografias da Quadrilha Arraiá dos Fundos, apresentando-se na festa de Santo Antônio,
no povoado do Sumidouro (Coronel Xavier Chaves). Fotos: Ulisses Passarelli, 15/06/2024. 


Referências:

Coronel Xavier Chaves. Portal do IBGE - panorama.  (Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/coronel-xavier-chaves/panorama - acessado em 23/06/2024) 

Prefeitura Municipal de Coronel Xavier Chaves / Prefeitura / Patrimônio Cultural / Lista de Bens Protegidos. (Disponível em: https://coronelxavierchaves.mg.gov.br/prefeitura/wp-content/uploads/2021/12/CXC_Divulgacao-1.pdf  - acessado em 11/07/2024) 

SACRAMENTO, José Antônio de. Festas Juninas: tradições ainda vivem! Gazeta de São João del-Rei, 03/07/1999; Tribuna Sanjoanense, n.986, 06/07/1999. São João del-Rei. (Disponível em: https://patriamineira.com.br/wp-content/uploads/2023/10/Tradicoes-das-Festas-Juninas-Sao-Joao-del-Rei-1.pdf - acessado em 11/07/2024) 

Rosnei José Silva: informações pessoais e via aplicativo Whats App - a quem agradecemos inclusive por ceder para esta postagem, as fotos das bonecas e de seus desenhos. 


Sobre esta quadrilha ver: 

Quadrilha Arraiá dos Fundos, Lei Aldir Blanc, 2020  

Quadrilha Arraiá dos Fundos na Festa do Sumidouro, 2023 

Grupo de Quadrilha Arraiá dos Fundos da Vila Mendes - Coronel Xavier Chaves/MG  


Sobre a música instrumental de quadrilha ver: 

A música para quadrilhas no arquivo musicográfico da Orquestra Lira Sanjoanense 


sábado, 8 de junho de 2024

14º Encontro da Cultura Popular do Caquende

No extremo sudoeste do município de São João del-Rei, junto à represa de Camargos, que armazena as águas do Rio Grande, está o povoado do Caquende, junto ao antigo ponto de travessia do atalho do Caminho Velho, por onde passaram sertanistas e povoadores no início do século XVIII, em pleno Ciclo do Ouro. 

Caquende celebra sua identidade cultural e o valor do homem do campo através do Encontro da Cultura Popular. O evento como em geral toda área cultural, foi impactado pela pandemia de COVID 19, estando sua ocorrência comprometida por algum tempo. Ora retomada a sua plenitude, já está na décima quarta edição, acontecida de 25 a 28 de abril de 2024. Como de costume, a cada ano homenageia um renomado escritor (a). Desta vez a escolhida foi a escritora Conceição Evaristo. A programação foi bastante diversificada e digna de atenção. 

                                       

                                        

                                       

                                       

                                       

Como novidade as apresentações das danças rurais foram transferidas para o sábado, deixando o domingo mais livre para as congadas e folias.

O café da manhã comunitário contou como de costume com as quitandas tradicionais, um café muito saboroso e de fartura, seguido a partir das 10 horas pelas atividades do grupo Artes das Gerais, vindo de São João del-Rei, que trouxeram exímias apresentações de capoeira e maculelê. 

Também notável foi a participação do grupo de jomba de roça local, centrado nos lavradores, fazendo a percussão de suas ferramentas, quais sejam enxadas, machado, serra, em movimentos coreográficos e cantorias até a roça de milho, onde transcorreu a representação da colheita do milho. Como sempre, à colheita e quebra do milho se segue a típica distribuição de alimentos: angu doce, na panela de ferro, e as broas, nas peneiras de taquara. O almoço traz o sabor da comida mineira e a união ao redor do alimento, como momento de convívio social, congraçamento, reencontro de amigos e troca de experiências. 

As congadas e folias participaram do cortejo no largo do povoado e na sequência fizeram apresentações individuais na tenda armada ao centro. Fechando a tarde, houve o concerto de encerramento com a Banda de Música Aquiles Rios, de São Sebastião da Vitória. 

O Encontro da Cultura Popular continua sendo um evento da maior significação por valorizar fortemente o homem do campo, ao revelar as manifestações culturais de alguma forma vinculadas à vida do lavrador tradicional. Seja pelas danças, pelo uso de artefatos típicos da agricultura familiar de raiz como carro de bois, monjolo, serra, engenhoca, seja pela própria ambientação e figuração das atividades. Está nítido que se enaltece a cultura caipira, tantas vezes tratada com opróbrio, mas nesse encontro elevada ao patamar de protagonista. Ao mesmo tempo, o Encontro traz um releitura do mundo rural em sua tipicidade, hoje de espaço muito restrito em razão das mudanças da sociedade,  com o êxodo do campo e o crescimento do agronegócio, dando uma nova configuração ao trabalho e espaço rurais. 

É um evento de grande significação, que merece um alto nível de atenção, apoio, suporte, para que possa continuar acontecendo da melhor forma possível, com toda autenticidade que lhe é característica.  Funciona como se fosse um mutirão de cultura, onde os grupos não são apenas meras atrações, mas de fato partícipes inseridos numa ambiência de tradição. O Encontro da Cultura Popular do Caquende oportuniza uma vivência do patrimônio cultural imaterial em sua essência. 

Bandeira da Folia de Reis de Carrancas - pintura dos Reis Magos do Oriente.

Catirina segura a bandeira da folia de Carrancas. 

Folia de São Sebastião "Cláudio Bento", Lagoa Dourada. 

Os tradicionais bonecos do grupo Pilão de Nhá, Caquende. 

Pilão, Caquende. 


Mastro usado para a dança das fitas, pelo grupo cultural de Brasilinha (Madre de Deus de Minas). 

Monjolo, Caquende. 

Maculelê, pelo grupo Artes das Gerais, São João del-Rei. 

Jomba de roça, pelos lavradores, Caquende. 

Colheita do milho, Caquende. 

Folia de São Sebastião, de Coqueiros (Nazareno). 

 Represa de Camargos, Caquende. 

Placa de Sinalização Turística próximo à margem da represa. 

Engenhoca Quebra-peito, Caquende. 

A importância de uma árvore: espaço para convívio social no largo do povoado. 

Capela de Nossa Senhora do Carmo, Caquende. 

Cruzeiro no largo do Caquende. 

Congo de Carrancas. 

Marujos de Dores de Campos. 

Demonstração de manejo da serra de desdobrar. 

Folia das Mulheres, Jardim São José, Bairro Tijuco, São João del-Rei

Folia do Divino "Embaixada Santa", Bairro Araçá, São João del-Rei.

Créditos: 

Texto e fotos - Ulisses Passarelli

terça-feira, 7 de maio de 2024

A Festa de Ogum e o Boi de Ronda: um breve relato

(Ofereço à memória do Ogã e Capitão de Congado Hélio Eliseu de Sousa, inestimável colaborador, que infelizmente veio a falecer, deixando nos participantes em geral um clima de saudade, tristeza e gratidão)


Em São João del-Rei / MG, a Tenda de Umbanda Ogum de Ronda, realizou em abril de 2024, mais uma vez, a festa de seu patrono, o orixá Ogum. Entretanto, este ano, teve por novidade a realização de atividades externas, abertas ao público. 

Cuidadosamente preparada, conforme a doutrina desta Casa, no sábado, dia 20, transcorreram as atividades internas propriamente religiosas do rito, com saudações ao orixá, oferendas e trabalho com as linhas da umbanda. 

No domingo, dia 21 de abril, a abertura a partir das 14 horas teve uma atividade específica voltada à linha dos boiadeiros, para bênção geral, seguida de apresentação da Folia Embaixada Santa, desta cidade, apresentando-se no espaço do abassá com as cantorias consagradas ao Espírito Santo (Folia do Divino). Seguindo a programação, com este enfoque cultural, deu-se início pela primeira vez à saída do Boi de Ronda, assim batizada a manifestação do bumba-meu-boi em razão do nome da Tenda organizadora. O Boi de Ronda saiu à rua no bojo de um cortejo cultural de umbandistas, na maioria trajados com as roupas rituais e fios de contas sagrados usados no terreiro, contando com a participação de diversos outros terreiros convidados. O cortejo destinou-se até outro terreiro no mesmo bairro (São Judas Tadeu, antiga Caieira): a Tenda Espírita Pai Joaquim de Angola, estimada em geral como um terreiro de raiz, ou casa-mãe, que formou uma quantidade de médiuns que ainda hoje atuam em outros terreiros da cidade, ou, se não isto, muitos médiuns atuais tiveram seus pai e mães de terreiro oriundos da Tenda de Pai Joaquim. No mais, tal visita se reveste de imenso simbolismo porque o referido terreiro esteve fechado por longos anos, gerando nos adeptos um clima de tristeza e anseio pela reabertura. Ocorre, que desde o final de 2023 e início de 2024, a Tenda passou por uma intensa e cuidadosa obra de reforma, que trouxe de volta a beleza da edificação sede e tanto mais, melhorou imensamente seu quadro de conservação, graças às obras emergenciais. Isto trouxe de volta a expectativa de reinauguração e reabertura, ainda aguardada ansiosamente. O cortejo do boi foi tão somente uma visita protocolar, mas revestida de plenitude de alegria, união e devoção. 

O boi foi construído artesanalmente por membros da Tenda de Umbanda Ogum de Ronda, utilizando-se de bambus de vara, formando seu arcabouço (balaio ou costela), devidamente revestido de tecido chitado, bem à moda da cultura popular. Do portão, o toque do berrante convocou a saída do boi; o estandarte fez o abre-alas, os folieiros acompanharam, além de caixeiros que reforçaram o conjunto. O boi dançou aos corrupios, em movimentos de ir e vir, fazendo escaramuças com os "boiadeiros" munidos de vara de ferrão e laço de couro trançado. 

Atrás do boi, seguiu o andor com duas imagens adornadas, sendo uma de São Jorge e outra de Ogum. 

Ao descer a Rua Henrique Benfenatti, a principal do bairro, o cortejo foi até a margem da via férrea, onde estacionou brevemente para saudações ao grande orixá. De retorno, parou à frente da Tenda Espírita de Pai Joaquim de Angola, onde após os cantos de licença, adentrou com muito respeito. No interior e com ampla participação, além das saudações ao preto velho patrono, foi representado o rito do boi, com a cantoria de sua marcha, marcada pelo refrão "Êh, boi!", além da cena da morte e ressurreição do Boi de Ronda. 

Antes da saída de retorno algumas palavras breves foram ouvidas, no sentido de agradecimentos e esclarecimentos, por parte do Dirigente Espiritual da Tenda de Ogum e do Zelador do Terreiro de Pai Joaquim. 

Voltando ao terreiro de Ogum de Ronda, os participantes do cortejo foram recepcionados com comida típica: feijão tropeiro e arroz boiadeiro, concluindo-se as atividades. 

Na terça-feira, 23 de abril, dia de São Jorge, houve uma palestra sobre as festas religiosas e sua relação com terreiros de umbanda e a devoção a Ogum. Esta atividade concluiu as festas de 2024 e transcorreu no solar conhecido como Casa do Barão de São João del-Rei, no Centro Histórico, atividade esta apoiada pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. 

A Festa de Ogum foi possível graças à participação e colaboração de muitas pessoas, terreiros e sobretudo, da forma como transcorreu, tendo como ponto alto a visita do cortejo cultural, com a sensibilidade, ajuda e abertura concedida pela direção da Tenda Espírita Pai Joaquim de Angola. O evento demonstrou que a partir da união dos participantes a umbanda se autoafirma no orgulho de ser umbandista, no que pese tantos atos de intolerância religiosa que sofre, Brasil afora. Para além, deixa claro que terreiros são ou podem ser geradores e mantenedores de cultura e de processos educativos, além do valor social. 

01- Tenda de Umbanda Ogum de Ronda durante o primeiro dia de Festa de Ogum. 

02- Tenda de Umbanda Ogum de Ronda durante o primeiro dia de Festa de Ogum. 

03- Vista parcial da Folia Embaixada Santa. 


04- Diversidade de umbandistas de vários terreiros congregados em celebração a Ogum.  
                                     
05- O toque do berrante convoca a saída do Boi de Ronda. 





06- O Boi de Ronda e a Folia do Divino.


07- Descida do cortejo cultural com estandarte do Boi e bandeira da Folia na dianteira. 


08- Andor de São Jorge e de Ogum durante o cortejo.


09- O Boi de Ronda adentra o espaço da Tenda Espírita Pai Joaquim de Angola, 
sob as varas de ferrão cruzadas. 


10- No interior da Tenda, o ritual da morte do boi colhe na bacia esmaltada
o "sangue" do boi (vinho tinto).


11- Distribuição de alimentação ritual.


12- Palestra sobre Ogum e as festas de umbanda. 

13- Convite e programação da festa. 

14- Um dos ensaios do boi, com a presença de experientes participantes. 


 15- Hélio Eliseu de Sousa, durante um dos ensaios do Boi de Ronda, 
tocando um urucungo, berimbau de fricção ou cuíca de arco. 


* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotografias: 01 e 02 - Luciano Nascimento; 03 - Aryane Fonseca; 10 e 15: Iago C.S. Passarelli; 12- Rogério L. Ramos; 14- Ulisses Passarelli; demais fotos - Arlon Cândido Ferreira.