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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




domingo, 27 de agosto de 2017

Nomenclatura das peças de um carro de bois

O carro de bois é uma criação prática do homem, constituída por uma multiplicidade de peças ou partes, justapostas, encaixadas, intertravadas. É ciência do homem rural fazer cada parte do carro e monta-las adequadamente; saber e escolher a madeira ideal, o quanto e como desbastar, onde reforçar, o quanto reforçar... E tais peças tem curiosos nomes de batismo.

Tal nomenclatura é naturalmente variável de uma região para outra (*). Seu estudo deve considerar os detalhes do regionalismo.

O presente texto se desenha como um glossário, simples e regional, acerca das peças constituintes de um carro de bois ao redor de São João del-Rei, que ora se dispõe por ordem alfabética.

* * *

Ajôujo – amarrilho estabelecido entre os dois bois de uma junta, através de uma torcida de tiras de couro ou uma correia, presa nas argolas que trespassam as pontas dos chifres: o chifre direito do boi da esquerda ao chifre esquerdo do boi da direita da junta. O ajôujo não permite que os bois ponham a cabeça em posição divergente um em relação ao outro.

Argola – peça de ferro, circular, vazada, usada para trespassar cordas, correias, ganchos de correntes. É usada tanto nas pontas dos chifres dos bois quanto na parte inferior da mesa do carro. Neste caso, serve para atrelar uma junta nas descidas fortes, frenando o carro muito carregado.

Aro – cinta metálica ao redor da madeira da roda para proteger a madeira. Antigamente era frequente o aro ter vários pinos metálicos (cravos) para impedir deslizamento da roda nas descidas íngremes e escorregadias (“roda cravada”).

Arrêia – travessa de madeira por baixo da mesa, cujos extremos se inserem em orifícios escavados na chêda. As arrêias tem papel estrutural por sua posição transversal às chêdas, mantendo-as equidistantes e suportando as tábuas da mesa.

Braçadeira – corrente estabelecida entre os dois bois de uma mesma junta, pescoço a pescoço, unindo-os através dos canzis.

Brocha – trançado de couro que uni o canzil direito ao esquerdo por baixo do pescoço do boi.

Cabeçalho – peça reta de madeira, longa, que corre pelo centro da mesa até o extremo oposto, ao qual se atrela os bois.

Cabongueira – segmento do eixo entre a face interna do rodado e o cocão.

Cambão – corrente que une uma junta à outra. Substitui a tiradeira.

Cambota – duas peças mais externas do rodado, em forma de meia lua.

Canga – peça em madeira com curvatura para se ajustar à anatomia da nuca dos bois, unindo-os numa mesma junta. Jugo.

Canzil – peça denteada que trespassa verticalmente a canga e se posta em paralelo de cada lado do pescoço do boi.  

Cavilha – trava de madeira trespassada. A pronúncia corriqueira é “cavia”.

Chaveia – pino de madeira na ponta do cabeçalho, usado para atrelar uma junta de bois de coice.

Chaveta – alça de ferro na ponta do cabeçalho.

Chêda – borda da mesa do carro de cada lado. Lateral do carro.

Chumaço – peça entre os dois cocões, que os ajusta ao eixo, contribuindo de maneira significativa para seu som característico. De ordinário se usa uma madeira mais macia que a dos cocões, tais como aroeira fria e sangra d’água, que favorecem o cantar do carro, mas  por outro lado, obrigam substituição mais frequente da peça.

Cocão – peça côncava de posição vertical, que prende o carro ao eixo. Os cocões são postos aos pares, de ambos os lados.

Eixo – peça horizontal maciça que une os rodados, de confecção difícil pela necessidade de equilíbrio das forças e dimensionamento adequado. As madeiras prediletas são a sucupira e a pereira; por vezes se usa canela e garapa.

Esteira – trançado de taquaras passado pelos fueiros sobre as chêdas, rodeando a mesa para delimitar a área de carga. Esteira de segurar a carga.

Fueiro – pau tosco de ponta lavrada a facão, que se finca verticalmente em perfurações da chêda, delimitando a lateral do carro. Os fueiros sustentam a esteira e na ausência desta, a própria carga.

Meião – peça central do rodado, entre as duas cambotas. Habitualmente pronunciam “mião”.

Mesa – a superfície do carro onde vai a carga.

Óculos – duas perfurações paralelas nos rodados, com a função de dar vazão à agua e lama na travessia de atoleiros, ajudando que o carro não agarre.

Orelha – travessa de madeira no extremo do cabeçalho de alguns carros, transversal ao mesmo, ou seja, horizontal. Substitui o pigarro.

Pigarro – peça vertical no extremo do cabeçalho para se atrelar a junta de coice.

Rodado – a roda do carro de bois.

Rosário – conjunto de pinos em disposição circular ao redor do rodado, que dizem fortalecê-lo.

Sôgra – corda estabelecida entre as cabeças dos bois de uma junta, substituindo o ajôujo.

Tamoeiro – trançado de couro que prende o centro da canga à ponta do cabeçalho ou à tiradeira.

Tiradeira – peça reta de madeira com um pino de travamento usada para atrelar uma junta à outra. Substitui o cambão. 











Notas e Créditos

* Anna Bettero Monteiro Lobato descreveu a nomenclatura das peças de carros de bois do sul capixaba (Muqui/ES), em texto publicado num dos números da Revista da Comissão Espírito Santense de Folclore.
** Texto e fotografias: Ulisses Passarelli, (20/08/2017 - durante o 1º Encontro de Carros de Bois de São João del-Rei)
***Informantes: Domingos Gonçalves (Elvas), Jonas Santos (Rio das Mortes), Joaquim Henrique (Prados), José Marcos de Oliveira (Brumado de Cima).
**** Complemento _ orelha em cabeçalho de um carro de carneiros; acervo Ulisses Passarelli, fotografia Iago C.S. Passarelli, 31/03/2018: