Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sábado, 31 de agosto de 2013

O Jongo de Zé Camilo

   José Camilo da Silva, 1993.

     José Camilo da Silva, um ícone da cultura popular são-joanense, entre dez.1993-jan.1994, passou-me algumas cantorias de mutirão de capina de lavoura (chamado jongo de roça), cantos de trabalho ritmando as batidas da enxada. 

     Morador da Rua Bárbara Eliodora, Bairro São Dimas, São João del-Rei/MG, o informante era capitão de congado, folião de Reis e São Sebastião, jongueiro. De grande vivência rural, foi carreiro e fabricante de adobe. Faleceu em 1994, aos noventa anos, embora os comentários populares indicassem idade mais avançada. 

     Seu jongo está recheado de palavras de línguas banto, em corruptelas que dão um sabor africanizado ao seu canto: ngana (senhor), mirissungo ou vissungo (canto de trabalho), tata (grande espírito), candimba (coelho silvestre), etc. A expressão “candimba vai embora” se refere ao fim do mato na plantação: não tem mais onde o bicho se esconder. As três cantigas e um recitativo a seguir, peças de jongo de roça, são originárias da localidade de Cubango, zona rural da vizinha Resende Costa, onde o informante participou de mutirões.

*  *  *

Canto de capina:
(Mestre Jongueiro, tirador de cantos:)
(coro, em resposta, em escala de 5 a 7 vozes:)
_ Ô cumiêêê... cumiê, cumiê, cumiê!
_ Ôh... ôôô...!
Oi, orô,

Cano’ virô, qu’imbarca

Mai’ ô-erêrêrê!

Oi, erêrêrê... norungandá,

Enderêrê, qui puê!



_ Ô qui puê! Ô qui puê!
_ Ôh... ôôô...!
Candimba, arruma, va’imbora,

Candimba, arruma, va’imbora,

Candimba, arruma, va’imbora!



_Ô, imband’auê-iê!
_ Ôh... ôôô...!
Ô...

Ô, tata mu’ é tipo,

Tata mundo tubiangueni

Mirissungo Mariaziha!

Ô Mariazinha, ai, eu não...



_ Êh... êh! É tipo! Tata mundo
_Ôh... ôôô...!
Tiangueno, mirissungo, Mariazinha.

Ô Mariazinha... ai, eu não!



_ Oi, imband’auê, divera!
_Ôh... ôôô...!
Ei, divera,

Candimba, va’imbora,

Candimba, va’imbora,

Candimba, vai e vai vortá.



_ Ô cumiêêê... cumiê, cumiê, cumiê!
_Ôh... ôôô...!
Oi, orô! Cambarca mai’ôê carárauê!

Ê... nosugorá!

Imbarca Maria Catissá,

Mirissungo, êh!



_Ô... ô...
_Ôh... ôôô...!
Inband’auê, divera.

Oiôrôrô,

Ô diboroquê,

Dibambarêrê,

Imbarca Maria Catissá,

Mirissungo, êh!


Recitativo (no intervalo entre os cantos)
(Mestre Jongueiro, tirador de cantos:)
(Jongueiro desafiante:)
_ Chega a barca, barqueiro,
_ Êh...
Quero m’embarcar;
Saravá, dono de roça,
Passar pro lado de lá,
Sarava, dono de roça...
Subi no arto de montanha!

Subi no arto de montanha...

Saravá, quem é?


Término de Mutirão:
_ Ôh, candimba!
Chorei... mamãe!
Arruma a mala,
Chorei... papai!
Va’imbora,
Candimba, vai!
Ô candimba!
Candimba, vai!

Entrega da bandeira (uma planta de milho ou cana, arrancada na plantação)  ao patrão ou patroa (donos do terreno de lavoura), batendo ritmadamente uma pedra na lâmina da enxada trazida ao ombro, para efeito idiofônico, ou dançando e percutindo uma enxada na outra:
Ô, patroa!
_ Êh... ingan’auê, iê,
Toma sua bandeira, ô patroa!
_ Ôôô...
Toma sua bandeira, ô patroa!
_ Ô, carangomá, como é?
Toma sua bandeira, ô patroa!
_ Ôôô...


Ô, patrão!
_ Êh... vem de arto de montanha,
Toma sua bandeira, ô patrão!
_ Ôôô...
Toma sua bandeira, ô patrão!
_ Vem trazê requerimento pra patroa!
Toma sua bandeira, ô patrão!
_ Ôôô...

Após a entrega dos ramos ("bandeira") era servido comida e cachaça, retribuição do sitiante à benesse recebida. E no seu terreiro, então, o resto do dia, corria solto a festa, com calangos, cana-verde, catira e outras danças rurais.

*  Foto, texto e pesquisa: Ulisses Passarelli
** Para saber mais a respeito leia também:




quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Festa da Imaculada Conceição de 1923

Matosinhos é berço de muitos festejos religiosos. Bairro singular no contexto histórico da cidade de São João del-Rei é em seu santuário que acontecem os dois únicos jubileus do município. No passado houve dentre tantas festas a dedicada à Imaculada Conceição, devoção mariana comemorada em dezembro. Segue abaixo o recorte jornalístico correspondente e sua transcrição, respeitando-se a grafia da época, 1923. 


Mattozinhos
Festa de Nossa Senhora

Durante os dias 7 – 16 de Dezembro Mattozinhos celebrou, na Capella do Senhor Bom Jesus, a festa imponente da Immaculada. Uma novena, que agradou a todos, precedeu esta data gloriosa. No dia 16 grande numero de fieis e devotos a Nossa Senhora receberam a Communhão, monstrando d’ esta maneira, o grande amor á Immaculada.
Ás 11 horas teve inicio a Missa solemne, cantada pelo Revmo. Padre frei Leopoldo, acolythado pelos Padres frei Optato e frei Osmundo.
Ás 5 horas da tarde percorreu as ruas d’este pittoresco logar uma lindíssima procissão com magníficos andores e no maior respeito e silencio. Após um ligeiro descanso subiu ao púlpito Padre frei Leopoldo, que com grande eloquência, cantou as glorias sublimes, com que a figura sacrossanta de Maria avulta nas galerias da historia. Encerraram-se as festividades com o Te-Deum e a bênção com o Santíssimo.
Nossos profusos parabéns e agradecimentos ao bom povo de Mattozinhos, cujas festas sempre commovem e também nossa gratidão ao infatigaveis procuradores, os senhores Francisco Chaves e Pedro Pereira, que alcançaram um resultado belíssimo: nossos profusos parabéns ao Côro, que durante toda a novena agradou imensamente, graças á sua incansável Directora, Da. Amanda Telve de Faria Pereira; nosso parabéns a Senhorita Amanda de Faria Pereira, que com sua voz maviosa e soberba commoveu a multidão; nossos parabéns ao povo festeiro, que deu um exemplo eloquente de amor e gratidão para com Maria.
Os leilões durante o dia estiveram animadíssimos. A banda do 11 Regimento acompanhou a procissão, durante a qual executou varias peças lindíssimas.
Mais de 300 pessoas receberam a Sagrada Communhão durante a novena.
Que Nossa Senhora abençoe o bom povo de Mattozinhos.

A assinatura da nota é devida ao Capelão, Frei Optato. Segue-se com uma lista de festeiros eleitos para o evento do ano seguinte, que, embora expressamente citado como para a Festa de Nossa Senhora da Conceição, a lista principia com os cargos de imperador e imperatriz - sr. Marçal e Souza Oliveira e sra. Maria Carlota Rios - uma influência da Festa do Divino, ou quiçá, os Imperadores do Divino teriam também assento cativo nesta mesa festeira?
A listagem segue com os juízes: Custódio Maximiano de Souza, Francisco Chaves, Arnóbio Caldeira Franco, João Evangelista Silva Rios, Durval de Oliveira, Gabriel Pompeu de Campos, Drogero Guimarães, Raul Chaves, Justino José da Silva, Olympio Augusto Oliveira, João Baptista Oliveira, Floriano Peixoto, Antonio Santos, Onofre Archanjo Souza.
As juízas eleitas foram: Amanda Telve de Faria Pereira, Custodia Clara Pinto, Eneida Sette Resende Campos, Anna Simões, Maria Leandra, Mariana Diogenes Silveira, Luiza Balbina Souza, Maria da Conceição Pereira Melo, Maria Antonia Lourdes, Maria Theodora Gonçalves, Emilia Augusta Sousa, Francisca Carolina Fonseca.
Os cargos de procuradores foram ocupados pelos srs. João Evangelista Ferreira e Adolpho Ferreira Silva.
A tesouraria coube a Pedro Ferreira Sousa.
A extensa nota é datada de 10 de dezembro de 1923.

Notas e Créditos 

* Fonte de pesquisa: jornal Acção Social, São João del-Rei, n.448, 20 de dezembro de 1923. Acervo digital da Biblioteca Municipal Baptista Caetano d'Almeida.
** Texto e fotomontagem: Ulisses Passarelli

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Munho Assombrado: o folclore dos moinhos de fubá

Fubá é uma farinha crua de milho. Um moinho artesanal montado no interior de uma pequena casa é o responsável por moer os grãos de milho, graças à , uma grande pedra circular giratória. A força motriz é gerada pela água e daí o povo insistentemente chamar o moinho de fubá de “munho d’água”. É matéria-prima da cozinha tradicional mineira para produção de mingau, maneco-sem-jaleco, angu, pastel de angu, bolos, broas, biscoitos. Fubá é comida muito abençoada, dizem sempre na zona rural.

Seu mecanismo é muito rude e ainda assim bastante engenhoso. A mó é presa a um eixo vertical, que a atravessa ao centro numa perfuração e se prende a ela por uma trava de ferro (segurelha). No outro extremo do eixo está preso a roda d'água, que transmite-lhe o movimento. Acima da pedra está uma caixa de madeira que contém o milho in natura (moega) e abaixo, outra caixa para colher o fubá (caixão). Uma haste vibratória em madeira, presa à moega age como uma válvula: a vibração do giro da pedra passa por ela e trepida a moega, que por uma canaleta deixa escorrer aos poucos os grãos ao centro da mó, caindo em sua abertura e sendo por ela triturados.

"Arriei o meu cavalo,
fui no munho buscar fubá, 
cheguei na porta do munho
balancei pra lá, pra cá. 

cheguei na porta do munho
balancei pra lá, pra cá;
na moega não tem milho,
no caixão não tem fubá..."
(Calango, Barbacena/MG, fev./1996)

A construção e a regulagem do moinho é uma ciência para poucos carapinas. Há os mestres em construí-los, que sabem escolher as madeiras adequadas, a forma de talha-las corretamente, fazer os encaixes. Nas roças há também artesãos que sabem escolher e picar a pedra corretamente para produzir a mó _ pedra circular usada para moer _ um trabalho tão meticuloso quanto difícil, lasca a lasca, manejando o "picão" (ferramenta de ferro com duas pontas), perfeitamente equilibrado o peso de todos os lados e definido o centro. Em São João del-Rei, no povoado do Caxambu havia uma família especialista nesta arte. Há ainda o trabalho braçal de abrir um valo que desvie parte da água de um córrego até a roda motriz, com inclinação tal que gere pressão suficiente para movê-la com velocidade e isto exige um justo cálculo de natureza prática. A água após o moinho corre de volta ao córrego sem poluição alguma. É um mecanismo não agressivo ao ambiente.

O moinho tem seu folclore. Vez por outra, quando a demanda entre congadeiros esquenta porque uma guarda de moçambique, um terno de catupé, um corte de vilão, um batalhão de congo, uma banda de marujos ou seja qual for a guarda está demorando muito no pé do mastro, sem dar lugar a outra que também quer chegar para a louvação; quando o capitão avista o outro junto ao mastro atravessando a bengala ou o tamborim de um lado a outro ou jogando algo por ali, logo cismado e alertando canta:

"_ O tatu tá no munho...
_ tá moendo fubá!"

O canto é dividido: o capitão canta o primeiro verso e o coro repete o segundo, repetindo-se indefinidamente. Na gíria congadeira "fubá" é sinônimo ou símbolo de feitiço, mandinga, magia. "Tatu" é alcunha pejorativa aplicada a um capitão rival. Assim já ouvimos em vários congados de São João del-Rei.

Muitas vezes ouvi dizer nas roças, que o munho é assombrado. Não se deve entrar nele de noite, de jeito nenhum. Meu avô, Aluísio dos Santos, dizia-me que é a morada do “pemba” (demônio).

Contou-me, que, certa vez, uma mulher foi à noite ao munho buscar um punhado de fubá para a janta, que o de dentro de casa tinha acabado. Com uma lamparina na mão, com sua chama tênue, bruxuleante, abriu o pequeno trinco e batendo o pé na porta a fez abrir. Entrou e sentiu o corpo arrepiar. Teve muito medo ao ouvir um estranho barulho. Chegou a rústica lamparina para ver o que era e qual não foi sua terrível surpresa ao ver um diabinho anão, dando cabeçadas num saco de fubá que estava recostado num canto, já todo furado por causa dos chifrinhos de garrote do capetinha. A infeliz correu desesperada, quase em estado de choque, chorando e gritando e nunca mais voltou a um moinho.

Outro grande informante aqui de São João del-Rei, sr. Luís Santana, falou-me de um sujeito que numa fazenda, indo “fora de hora” (tarde da noite) no munho, ao abrir a porta e botar a luz no pequeno cômodo, viu um demônio com corpo de moleque e cara de bode, de pé em cima de uma travessa sob o telhado velho.

Perguntei-lhe porque o munho era assombrado e “seu” Luís saiu-se com uma curiosa lenda que passo a narrar a seguir.

*  *  *

O munho d’água é assombrado de noite porque é uma invenção do satanás. O tal, “coisa ruim”, cheio de inveja dos poderes de Jesus, queria provar ao Divino Mestre que também era capaz, inteligente. Então criou a interessante engenhoca do moinho de fubá. Tudo pronto, funcionando, chamou Cristo para gabar-se de sua capacidade inventiva e mostrou-lhe como o mecanismo funcionava. Jesus olhou, gostou e aprovou, mas com uma restrição que fez, dizendo ao diabo: “_ só falta benzer: Pai, Filho e Espírito Santo!” E numa explosão fedorenta o demônio sumiu, mas toda noite ele volta para observar sua invenção.


Casinhola onde funciona um moinho de fubá ("munho d'água").
Brumado de Baixo (São João del-Rei/MG). As fotografias a seguir
mostram seus componentes. 

Detalhe da bica que traz o milho, abertura da mó, braço de vibração. 


Caixão com sua tampa. 

Interior da moega. 

Moega e mó montadas nos respectivos suportes

Parte inferior do moinho vendo-se o acabamento
do eixo com cintas metálicas. 


Roda d'água ("rodízio"), eixo ("mastro") e a bica ejetora ("sitía"), 
no fosso do moinho. 

Segurelha feita de ferro: acima, vista superior; ao centro, vista inferior;
em baixo, encaixe entalhado na face inferior da mó para encaixe de
uma segurelha.  

Mó - vista superior (acima) e vista inferior (abaixo).
Medidas: circunferência, 73 cm; abertura central, 10 cm; espessura na borda,
6 cm; espessura central, 11 cm.   

Mó - vista superior (acima) e vista inferior (abaixo).
Medidas: circunferência, 95 cm; abertura central, 10 cm; espessura na borda,
7cm; espessura central, 13,5 cm. 

Pedra-base de suporte de uma mó. Medidas: 160 cm de diâmetro geral;
abertura central, 15 cm de diâmetro; espessura, 18 cm; altura da borda (parcialmente quebrada), 14 cm.
Desenho esquemático da mó em vista superior, inferior e lateral;
vista da pedra base da mó. (pelo autor)

Notas e Créditos

* Texto e fotografias (26/07/2009): Ulisses Passarelli.
** Por uma grande gentileza do amigo César Reis, incluo neste postagem em 28/03/2021 uma foto poética de sua autoria, que retrata uma cena rural: o momento que o trabalhador vai ao munho à cavalo buscar fubá ensacado. A imagem foi captada na Caixa d'Água da Esperança (Tiradentes / MG), no moinho dos Silveira, em 2014. A ele manifestamos nossa gratidão e parabéns pela sensibilidade fotográfica. 




domingo, 25 de agosto de 2013

A Rezinga dos Mouros

Mouros brincam com as crianças no campo de futebol de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, 
enquanto o congo marcha pela rua fronteiriça. 

Mouro e Cercadores em luta pela coroa real. 

No distrito são-joanense de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, ainda se conserva uma antiga tradição de rezinga entre dois personagens: mouros e cercadores, evocação de uma velha peleja religiosa. Os personagens acompanham o congo daquela vila e em geral os mouros cuidam de brincar com as crianças do lugar, que os perseguem espontaneamente e com muita alegria pelas ruas com uma série de insultos, até que o mouro corra atrás delas, que saem em polvorosa e aos risos. A brincadeira porém não é agressiva aos pequenos, que em grande algazarra sempre tomam a iniciativa de reiniciá-la.

Mas na hora do reinado a função do mouro é outra: tirar a coroa da rainha. Mas os cercadores, trajados de azul a defendem. 

A luta singular já existiu também no distrito de São Gonçalo do Amarante, onde o congo sobrevive mas os mouros não.

Da forma como acontece na vila são-joanense não encontrei registro na literatura sobre folclore. Mas o tema da tomada de coroas ou de rainhas nos congados foi referenciado para outros locais. No sul mineiro, na cidade de São Sebastião do Paraíso, Maria José de Souza recolheu uma informação de pesquisa, da qual transcrevo abaixo um fragmento:

"Antigamente eles protegiam as Rainhas, porque senão outros ternos podiam roubar as Rainhas. Todo fardado, com espada, eles trançavam a espada quando agente puxava o Rei Congo e a Rainha" (etc., p.118)

No século XIX Melo Morais Filho viu as animadas festas de São Benedito no sertão sergipano, cidade de Lagarto, onde o congo em procissão, dividido em duas alas, vinha em luta de espadas pelos dançantes, no afã de tomar a coroa real:

"Em trânsito , seguindo o andor , uma luta travava-se entre as duas alas de negros, que disputavam, batendo-se, a coroa da que ocupava o centro, e a quem chamavam a Rainha Perpétua. E, degladiando-se com espadas de ferro, dando viravoltas e cadenciando os flancos, os Congos adiantavam-se no préstito, cantando, ao calor da peleja, no renhido combate". (etc)

A tradição dos mouros é bastante conhecida no folclore, com muitos exemplos desde o nordeste ao sul brasileiro, mas em Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno se apresentam de forma singular e felizmente, bem preservada.

Para saber mais a respeito leia:  Mouros & Cercadores


Referências Bibliográficas

MORAIS FILHO, Melo. Festas e Tradições Populares do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, A Procissão de S.Benedito no Lagarto, p.121-131.

SOUZA, Maria José de, Professora Tita. O Reinado dos Congos: religiosidade popular, tradição e sobrevivência do Sul de Minas. Revista da Comissão Mineira de Folclore, Belo Horizonte, n.23, ag.2002, p.97-123.

Notas e Créditos

Texto e fotos (1998): Ulisses Passarelli

sábado, 24 de agosto de 2013

Pentecostes explode em alegria

Festa do Divino de São João del-Rei/MG, no momento da saída da procissão solene de Pentecostes da Igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, vendo-se o congado da cidade de Coronel Xavier Chaves escoltando o Imperador, sob a acolhida dos fiéis que acenam bandeirolas. Foto: João Hipólito, maio/1998. 

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Folk-lore: tributo a William John Thoms

Exatamente a 167 anos, o inglês William John Thoms, usando do pseudônimo de Ambrose Merton, publicava no jornal londrino O Athenaeum, uma carta na qual aparece pela primeira vez a palavra FOLCLORE. Sugerindo diretrizes de pesquisa, não é sem razão considerado o patrono da Folclorística. Esta postagem, é uma modesta homenagem a este mentor.Abaixo segue transcrito a referida publicação que deu origem ao termo folclore. 

Cenas ao acaso de integrantes da Folia "Embaixada Santa", de Reis, Divino e São Sebastião, do Bairro Araçá, São João del-Rei/MG. 


     As suas páginas mostraram amiúde o interesse que toma por tudo quanto chamamos na  Inglaterra, “Antiguidades Populares”, “Literatura Popular” (embora seja mais precisamente um saber popular do que uma literatura e poderia ser com mais propriedade designado com uma boa palavra anglo-saxônica, Folk-lore, o saber tradicional do povo), que não perdi a esperança de conseguir a sua colaboração na tarefa de recolher as poucas espigas que ainda restem espalhadas no campo no qual os nossos antepassados poderiam ter obtido uma boa colheita.

      Quem quer que tenha estudado os usos, costumes, cerimônias, crenças, romances, refrãos, superstições, etc., dos tempos antigos deve ter chegado a duas conclusões: a primeira, quanto existe de curioso e de interessante nesses assuntos, agora inteiramente perdidos; a segunda quanto se poderia ainda salvar, com esforços oportunos o que Hone procurou fazer com o seu ‘Every-Day Book’, etc. e Athenaeum - com sua larga circulação pode conseguir com eficácia dez vezes maior – reunir um número  infinito de fatos minuciosos, que ilustram a matéria mencionada, que vivem esparsos na memória dos seus milhares de leitores, e conservá-los em suas páginas até que surja um James Grimm e preste à mitologia das Ilhas Britânicas o bom serviço que o profundo tradicionalista e filólogo prestou à Mitologia da Alemanha. Este século dificilmente terá produzido livro mais notável, imperfeito como seu próprio autor confessa na segunda edição de ‘Deutshe Mythologie’: o que é isso? – Uma soma de pequenos fatos, muitos dos quais, tomados separadamente, parecem triviais e insignificantes – mas, quando considerados em conjunto com o sistema no qual os entrelaçou sua grande mentalidade, adquirem então um valor, que jamais sonhou atribuir-lhes o que primeiro os recolheu.

      Quantos fatos semelhantes uma só palavra evocaria, do Norte e do Sul, de John O’Grot à Ponta da Terra! Quantos leitores ficariam contentes em manifestar-lhe seu reconhecimento pelas notícias que lhes transmite todas as semanas, enviando a algumas recordações dos tempos antigos, uma lembrança de qualquer uso atualmente esquecido, de alguma lenda em desaparecimento, de alguma tradição regional, de algum fragmento de balada.

      Tal serviço não seria apenas para o tradicionalista inglês. A conexão entre o Folk-lore da Inglaterra (lembre-se que reclamo a honra de haver introduzido a denominação Folk-lore, como Disraeli introduziu ‘Father-land’, na literatura deste país) e o da Alemanha é tão íntima que essas comunicações servirão provavelmente para enriquecer uma futura edição da Mitologia de Grimm. Deixe-me dar-lhe um exemplo dessas relações: num dos capítulos de Grimm, que trata largamente do papel do cuco na mitologia popular – do caráter profético que lhe deu a voz do povo – e cita muitos casos de derivar predições do número de vezes que seu canto é ouvido. E menciona também a versão popular “ que o cuco nunca canta antes de se ter fartado, três vezes, de cerejas”. Agora, fui recentemente informado de um costume que existia em Yorkshire, que ilustra o fato da conexão entre o cuco e a cereja. E isso, também, em seus atributos proféticos. Um amigo me comunicou que crianças em Yorkshire estavam acostumadas antigamente (e talvez ainda estejam) a cantar uma roda em torno da cerejeira com a seguinte invocação:

Cuco, cerejeira,
Venham cá e nos digam
Quantos anos nós teremos de vida.

Cada menino sacudia a árvore – e o número de cerejas derrubadas indicava o número de anos de vida futura.

     Eu sei que o verso infantil que citei se conhece bem; a maneira porém de aplica-lo não foi anotada por Hone, Brade ou Ellis: - é um desses fatos que, insignificantes em si mesmos, tem grande importância quando formam elos de uma grande cadeia  - um desses fatos que uma palavra do Athenaeum recolheria em abundância para o uso de futuros investigadores no interessante ramo das antiguidades literárias – nosso Folk-lore.

(a)    Ambrose Merton



                (Extraído do Documento da Comissão Nacional de Folclore, n.46, jul./1948. Separata. Ed.Comemorativa do sesquicentenário da criação da palavra FOLK-LORE por William John Thoms (Ambrose Merton) em sua carta publicada em The Athenaeum, Londres, n.982, de 22 de agosto de 1846. Rio de Janeiro: Comissão Nacional de Folclore / IBECC/ UNESCO, 1996.)
          
* * *      

Catarina. Boneca em tecido, de cerca de 60cm, representando uma noiva negra. Vitoriano Veloso ("Bichinho"), distrito de Prados / MG, 1996. Todos os anos uma Catarina era leiloada na tradicional festa de Nossa Senhora da Penha naquela vila colonial mineira. Artesã: Mariana Figueiredo (carinhosamente conhecida por "Dona Mariinha"), vista na foto abaixo, ao lado do esposo, sr.Antônio. A saudosa memória de ambos rendo simples e grata homenagem.



Leia também: 


* Fotos e texto: Ulisses Passarelli.
As ilustrações desta postagem foram inseridas em caráter ilustrativo e não fazem  parte da publicação citada. 

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Adeus, Dezinho...

Dezinho em 15/11/1998.
É com grande consternação que tivemos ontem a perda de um ícone da cultura são-joanense: José Pedro Sobrinho, conhecido carinhosamente por "Dezinho". Grande capitão de congo, nascido em 13/11/1931, era lavrador e carpinteiro, além de hábil artesão nos trançados de bambu e taquara, confeccionando cestos, balaios e jacás. Morava na localidade da Caieira e dirigiu por muitos anos a "Congada Nossa Senhora do Rosário", do distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, herança de seu pai, de seu avô, bisavô... A família "dos Cristóvão" a longo tempo dirige o Reinado na Terra de Nhá Chica, com grande maestria e fé. Com a saúde abalada, Dezinho já transferira o comando do respeitado grupo folclórico para o irmão Pedro Noberto da Silva, igualmente competente na difícil tarefa. O falecimento do Mestre Dezinho abriu uma grande lacuna na cultura de São João del-Rei e deixa uma nota de imensa saudade nos amigos, familiares, parentes e congadeiros. Este blog registra esta nota de pesar e condolências à família. 

"Ô Santo Antônio!
Eu vim pra chorá saudade..."

* Foto e texto: Ulisses Passarelli

domingo, 18 de agosto de 2013

Praça Pedro Paulo antigamente

Parte do corrimão da ponte de piso abaulado que existiu onde hoje é a Ponte Presidente João Pinheiro. Notar: adiante, vacas pastando onde hoje é a Praça Pedro Paulo; na extrema esquerda o barranco da via férrea e ao seu sopé a Estrada da Tabatinga, que ligava a cidade a Matosinhos; na extrema direita a extinta Ponte do Curtume, com seus arcos característicos, dando sequência de Matosinhos para Rua Cristóvão Colombo, já no Bairro das Fábricas, repleta de casario. Foto de autor e ano não identificados, gentilmente cedida por Silvério Parada. 


Recorte jornalístico de 1901 que noticia a denominação de Praça Pedro Paulo dada ao logradouro em questão.

Esta área da urbe foi popularmente muito conhecida como "Fábrica de Louça", 
em razão do estabelecimento que ali existia. 


Notas e Créditos

* Texto e fotomontagem de jornal: Ulisses Passarelli

Você sabe o que é folclore?

Nesta semana comemora-se o DIA DO FOLCLORE, a 22 de agosto. Foi nessa data, a mais de um século e meio, que o termo anglo-saxônico foi criado pelo inglês William John Thoms para denominar as manifestações populares tradicionais que começavam lentamente a ser alvo das atenções.

Marungos de Folia de Reis.

Outras palavras já foram propostas com objetivos similares mas nenhuma atingiu seu patamar. Naquela época os conceitos sobre o que seria ou não folclórico eram bem mais restritos. O entendimento atual ampliou em muito o campo das possibilidades para o folclorista, assim chamado o estudioso do folclore, aceitando também formas escritas, criações recentes e urbanas dentro do universo cultural folclórico. 

Ocorre sobre o termo "folclore" um desgaste de significação, desviando o seu sentido para o pejorativo, num campo de rejeição, culturalmente inferior, o que é um equívoco desastroso. Algumas vezes, quando alguém conta um fato duvidoso já outrem afirma: isso é folclore! Quando o noticiário revela um fato estapafúrdio de um homem público, já se diz que faz parte do folclore da política; ou que fulano é um tipo folclórico, denotando exotismo, excrescência. 

A análise dessa situação demanda uma pesquisa própria para elencar os elementos que confluíram para gerar tal situação. Já se pode antever que terão plausivelmente o seu peso no processo, mas não exclusividade, as falhas governamentais na gestão dessa importante parcela da cultura ao longo dos anos e o distanciamento do ensino de elementos do folclore nas escolas, ou quando há, o método é por vezes questionável.

Em razão desse processo de distorções muitos estudiosos preferem o termo CULTURA POPULAR em vez de folclore, de certa forma sinonimizando-os, quando de fato, o ponto de vista pode levar ao entendimento de cultura popular num sentido bem mais amplo que o do folclore em si. 

Seja como for é uma tendência e sem polemizar ou confrontar as correntes teóricas, que não é objetivo desse blog, as postagem dessa página eletrônica usam ambos os termos de forma equivalente, mas nunca entendendo a cultura de massa como parte do folclore. Ainda que reconhecida sua popularidade, ela anda por outros caminhos que não os do folclore, evocador da chamada cultura de raiz.

Quantas faces tem o folclore?

Voltando à questão da distorção de conceitos, temos visto de maneira recorrente como as imagens remetem às lendas e mitos como definição do folclore. Não que não sejam, mas de tal forma polarizam atenções que induzem ou pressupõe um quase absolutismo. Pouco atrás seguem os grupos de danças, os folguedos, como elementos típicos do folclore. E pronto, quase que só... Quando se pensa então em folclore e se vai investigar suas imagens vem as figuras de sacis, iaras, mula-sem-cabeça, lobisomem e do bumba-meu-boi. É como se as outras manifestações não fosse parte do folclore, tão apagadas passam diante das acima mencionadas. 

Por isto este blog tem insistido em variar os temas para mostrar a amplitude do folclore, quantos raios tem seu leque. Muitas vezes tem também abordado entre os nomes de informantes o de elementos familiares, tais como pai, mãe, avós, esposa, propositalmente mostrando que todos nós de alguma forma somos portadores do folclore e que gente muito próxima é parte deste contexto. 

Conhecemos, ou nossos semelhantes conhecem: uma receita típica, um modo de fazer (sabão de bola, farinha de mandioca, um telhado, montar um carroção de rodas raiadas, um moinho, um tapete de rua, o gibão de couro de um vaqueiro...), como fazer uma renda de bilro, ou o chá adequado para uma má digestão; uma crendice, um tabu, um causo, uma velha cantiga, uma frase de para-choque de caminhão vista ainda ontem, uma reza ouvida hoje cedo de um benzedor, uma narrativa de assombração da avó da minha bisavó, a promessa para Santos Reis da vizinha, versos inúmeros de um folheto de cordel, a superstição em torno do parto, a maneira correta de dobrar e cortar papel colorido para fazer flores que enfeitarão o chapéu de congadeiros, uma fórmula escrita para não vender fiado afixada na parede do bar da esquina, um desafio de viola, uma embolada ao pandeiro, a linguagem sineira, a do apito do trem ou a do toque do berrante; a moda de viola no rancho tropeiro, a nomenclatura das peças do carro de bois, o nome das reses, as cores de pelagem do cavalo, o anedotário, os apelidos, as réplicas dos xingamentos, o mundo das adivinhas, a solidariedade dos mutirões, os cantos de trabalho, as sentinelas de defunto, cantos mortuários, o brinquedo verbal dos trava-língua, ou de rodar o pião, de soltar pipa, de rondas infantis... cirandinhas, etc, etc, etc... 

Poderia listar à exaustão. Desnecessário. É preciso entender que o folclore é a essência da vida comunitária, reflexo do saber espontâneo, cultura vital vivenciada no dia a dia do aprendizado informal, que brota feito semente molhada pela chuva. Ele não está distante de nós; nós é que nos distanciamos dele, por desconhecimento, conveniência ou preconceito. 

Os elementos teóricos do folclore são muitos e merecem melhor contemplação. Talvez possa ajudar aos interessados um olhar pelo texto FUNDAMENTOS DO FOLCLORE

* Fotos e texto: Ulisses Passarelli

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Encontros Folieiros

(Atenciosamente oferecido a Alzira Agostini Haddad)

Houve uma vez um sonho... um sonho folieiro, que aconteceu por oito noites seguidas! E todas as noites foram 6 de janeiro, desde 2003 até 2010. Quem nos acalentou foi uma lutadora da cultura, "Alzirinha", como carinhosamente a chamamos. Agindo com uma cultural atitude, ela mostrou a transparência de São João del-Rei, inclusive através de um velho costume natalino, daqueles homens de fé, irmãos de bandeira, que todos os anos visitam os lares levando alegria, a boa nova, uma santa bênção. Por oito anos as folias de reis vinham ao palco, ou melhor, coreto, armado nos velhos largos coloniais, São Francisco e Rosário, deliciar um público fiel, considerável, saudoso. Cantoria de viola! Bandeiras de fitas esvoaçantes! Foliões tratados com respeito, grupos valorizados, ganhando visibilidade, coesão. 

De São João del-Rei, Barroso, Elvas, São Gonçalo do Amarante, César de Pina e até de Santana dos Montes os grupos vinham chegando. O largo ficava em festa e se a chuva não chegasse, o povo ficava até o final, obstinadamente esperando a última requinta: "ai, aaaiiiiiii...!"

Mas a dois anos os encontros de folias natalinas e das humildes pastorinhas não tem acontecido... A lacuna se abriu como ferida, a continuidade foi rompida. O clamor é grande: que voltem os seus encontros de folia, que esta estrela não perca o brilho. Que no largo ecoe a prece: 

Chegou a estrela d' alva
lá do lado do oriente
que abençoa esta devota
e abençoa toda gente.

 Bolo ofertado aos folieiros no encontro.

 O ilustre violeiro de São João del-Rei, Chico Lobo, com o mestre da folia de Santana dos Montes.

 Coreto armado no Rosário para apresentação das folias. 

 Apresentação da folia do distrito de São Gonçalo do Amarante, do folião "Vavá". 

O largo aguarda o início do encontro. 

Para saber mais a respeito veja em:
 http://saojoaodelreitransparente.com.br/projects/view/64

* Fotos e texto: Ulisses Passarelli. Imagens referentes ao encontro de 2010. 

Coração de Jesus: mais uma festa do Matosinhos antigo

Mais notícias de festas religiosas em Matosinhos vem à tona neste blog, trazidas das velhas páginas jornalísticas da cidade de São João del-Rei. Desta vez honrando ao Sagrado Coração de Jesus, devoção que ganhava força com o processo de romanização implantado pela Igreja. Mesmo antes de acontecer já se previa o grande número de comunhões, clara tônica do discurso romanizador. A procissão seria pomposa, cheia de andores e estandartes. Velhos hábitos de uma antiga cidade barroca. Vejamos o que nos diz o jornal Acção Social, edição nº423, de 28 de junho de 1928:



Transcrição (respeitando a grafia da época):

Mattozinhos
Iniciar-se-ão hoje as festividades em honra ao Sagr. Coração de Jesus. Esperamos muitas comunhões e o maior respeito do povo religioso de Mattozinhos durante estes dias.
Na procissão de Domingo próximo serão conduzidos 5 lindissimos e riquíssimos andores e vários estandartes.
Agradecemos de antemão aos dois incansáveis Zeladores, os srs. Pedro Ferreira e João Pedro de Oliveira, que não pouparam esforços pelo melhor exito das festividades.
O coro está em efetivas condições e executará seu repertório com brilho e capricho, graças a infatigavel Directora Dª Amanda Telve de Faria Pereira. Que o sagrado Coração abençoe estes dias festivos.
O correspondente.

Notas e Crédito

* Texto e fotomontagem: Ulisses Passarelli.
** Fonte: acervo digital da Biblioteca Municipal Baptista Caetano d'Almeida

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Grutas religiosas em São João del-Rei - parte 2

A tradição das grutas religiosas é muito arraigada em nossa região. Em São João del-Rei essas construções de pedra são especialmente abundantes e queridas. Em torno delas se aglomeram os fiéis das pequenas comunidades para a reza dos terços, para festejos do orago, coroações de Nossa Senhora e por vezes, para recepcionar as Folias de Reis que de passagem por sua área as visitam.

A imagem posta em seu interior é tratada com veneração. Amiúde recebe flores e velas.

Procuram via de regra dar um tratamento urbanístico ao redor, com calçadas de pedras ou concreto magro, instalação de bancos e mesas, jardins, iluminação, grades e lixeiras. Tudo é instalado e mantido pelos devotos da comunidade que assim convertem o aspecto de praças, largos, cantos de rua fora do alinhamento geral. O fato motivado a princípio pelo elemento religioso, termina por ultrapassá-lo pois este espaço se torna uma área de socialização comunitária, uma referência: as crianças para iniciar uma brincadeira marcam de se encontrar na gruta, tal hora; senhoras sentam-se nos bancos na fresca da manhã para fazer um crochê; alguns homens se aproveitam do banco largo ou da mesinha para uma partida de damas ou de xadrez, dominós, dados ou purrinha. Demonstra também o desejo da população pela melhoria do espaço urbano, tomando a atitude de fazê-lo da sua forma e por seu meio, onde o poder executivo municipal deixa a desejar.

A edificação das grutas não raro obedece a regime de mutirão.

Embora existam noutras regiões, aqui são abundantes e sua construção é um fenômeno crescente nas duas últimas décadas. São numerosas na zona urbana de São João del-Rei e começam também a se expandir para a zona rural.

É um fenômeno a ser devidamente estudado. O ponto de partida da investigação talvez seja o caminho inverso ao êxodo rural, que traz a cultura das roças à cidade. As populações distritais, com dificuldades de acesso a vários serviços ou tendo de se deslocar com muita frequência à cidade para acudir às suas necessidades mensais, tem contato na cidade com essas construções singelas e não tarda a instalá-las também nas vilas. Por outro lado existe a questão da própria liberdade religiosa. Nas igrejas existe um sistema hierárquico vigente a ser respeitado e os agentes eclesiásticos controlam as atividades conforme as normas católicas. Ali se congregam irmandades, pastorais, movimentos, cada qual delimitando sua função, espaço, prestígio e influência. Já as grutas não tem isto definido. Seus zeladores podem agir livremente, o que não significa que o façam de forma desenfreada, pois se obedece a uma norma social, e existe coerência com a doutrina religiosa. Contudo, é inegável que estejam mais soltos. O agente leigo trata mais perto de sua comunidade do elemento religioso e busca integrar as atividades da gruta à programação religiosa do lugar. Não é raro que convidem um padre para celebrar uma missa campal nas grutas.

Além da motivação propriamente de pesquisa antropológica, as grutas bem serviriam para desenvolvimento de um roteiro turístico-religioso, demarcadas em mapa, com georeferenciamento, etc. E o estímulo ou incremento criterioso e dialogado com a comunidade seria uma ação a se pensar.

Em São Gonçalo do Amarante (ex Caburu) a gruta foi construída com recursos angariados pela folia do Divino local, em jornada de visita às casas da própria comunidade. Ainda hoje serve também de local onde se concentra o reinado na Festa do Rosário. Os congados vem até ela recolher os reis, rainhas, príncipes e princesas para escoltá-los até a igreja.



Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, 29/05/2013.
São Sebastião da Vitória (São João del-Rei). 

Gruta do Divino Espírito Santo, 10/06/2010.
São Gonçalo do Amarante (São João del-Rei).  

Gruta de São Pedro, 24/10/2016.
Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno (São João del-Rei).

Para saber mais sobre este assunto acesse o link abaixo e leia a seguinte postagem, ora revista, ampliada e acrescida de fotografias: Grutas Religiosas em São João del-Rei.

Notas e Créditos

* Texto e fotografias: Ulisses Passarelli