Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sexta-feira, 25 de setembro de 2015

A Festa das Mercês e o barroquismo são-joanense

A fé e a cultura são como uma janela que se abre para o mundo ... Na força do barroquismo a devoção católica são-joanense se construiu. Foi consolidada de pouco em pouco, em cada repetição anual.  Foi assim que as festas religiosas ganharam prestígio e solidez. 

É nas festas que vemos claramente a delicadíssima inter-relação de todo o patrimônio: material e imaterial, que se traduzem num só, como obra humana. É nestas ocasiões que se percebe como a ocupação do espaço urbano foi em certa medida sacralizada pela disposição estratégica de igrejas, cruzeiros e passinhos. Quando passa uma procissão serpenteia pela rua é como se uma linha imaginária unisse esses pontos, tal como aqueles jogos de traçar desenhos unindo pontinhos entre riscos. Uma vez unidos, a conexão do profano cotidiano com o sagrado festivo se firma em aliança. Então o povo de Deus se sente rejubilado e com energia para voltar à labuta que a vida impõe na aurora seguinte. 

A alma da cidade é barroca, pelo menos a do Centro Histórico... São João del-Rei ainda é do ouro. Seu reflexo ainda reluz do passado ao presente apontando que o futuro deve preservar essas tradições. A identidade do Centro Histórico é esta, plenamente funcional. 

Para entender é preciso vivenciar. De longe só se imagina. De perto, só se vê. Necessita entrar de fato e sentir com todos os sentidos. Ver a habilidade dos sineiros e ouvir o eco do bronze lá na torre; é mister observar os gestos dos devotos estendendo mãos, persignando-se, fechando os olhos na hora da prece; o cheiro de incenso no ar; fogos de artifício; opas e hábitos de irmãos de vários sodalícios; música de banda e orquestra; velas acesas; multidão conglomerada por um objetivo comum: a fé motriz. 

Numa festa do porte dessa das Mercês todos os elementos constitutivos se somam e mesclam exacerbando com muita beleza a tradição religiosa da cidade. 

1- Andor de Nossa Senhora das Mercês em São João del-Rei:
uma cascata de flores cai de seu buquê.

2- Na primitiva Rua Direita, tendo a majestosa Igreja do Carmo como
plano de fundo, o andor marcha entre lanternas perfiladas.

3- Na chegada ao templo mercedário, um chuva de papel picado
saúda o andor que traz a imagem da Mãe querida. 

4- O andor de São Pedro Nolasco galga a escadaria. 

5- Um espetáculo pirotécnico rico e muito bem sincronizado ilumina
o céu são-joanense e impressiona os devotos. 

6- A multidão de fiéis acorre à festividade e lota o largo.

7- O incenso rescende; velas bruxuleam; lábios balbuciam preces.

8- São Raimundo Nonato em seu andor. 

9- A fé e a cultura são como uma janela que se abre para o mundo. 

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotos: 1, 2, 8 - Ulisses Passarelli; 3, 4, 5, 6, 7, 9 - Iago C.S. Passarelli 

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Moçambique de Ribeirão Vermelho


Moçambique "São Benedito" (jomba), de Ribeirão Vermelho/MG,
durante a Festa do Rosário em Ibituruna/MG. 30/06/2013.

Notas e Créditos

* Texto, vídeo e acervo: Ulisses Passarelli


terça-feira, 22 de setembro de 2015

Moçambique de Santana do Garambéu

Moçambique bate-paus de Santana do Garambéu, no
interior do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos.
Jubileu do Divino, 19/05/2013.

Notas e Créditos

* Texto e acervo: Ulisses Passarelli
** Vídeo: Iago C.S. Passarelli

sábado, 19 de setembro de 2015

A Festa de São Januário

São Januário é o advogado contra a violência, festejado a 19 de setembro. Nascido na Itália, em Nápoles, no ano de 270, batizado Prócolo e era da família Ianuarii, consagrada ao deus Jano. Sua ordenação aconteceu em 302 e foi virtuoso bispo de Benevento, preso e martirizado pelo Imperador Romano Diocleciano, em 305. Narra-se que junto com outros cristãos sobreviveu incólume ao martírio pelo fogo e depois, na arena, não foi molestado por leões famintos. Morreu degolado. Um cristão teria armazenado uma amostra de seu sangue em ampolas, até hoje existentes, junto à sua imagem napolitana, que se liquefaz milagrosamente no dia de sua festa. É considerado por católicos e ortodoxos. Sua canonização veio somente em 1586, pelo Papa Sixto V. Santo querido dos italianos e descendentes – o célebre San Gennaro, como dizem em sua língua. 

Tem igreja própria no arraial de Januário (São João del-Rei), no distrito de São Sebastião da Vitória, construída por volta de 1999. A festividade acontece em torno do dia do santo, tendo neste domingo seu dia maior. A programação religiosa inclui novena, missas, procissões, coroação do Sagrado Coração de Jesus, bênção do Santíssimo Sacramento. Acontece também uma missa sertaneja. Existe movimento de barraquinhas, víspora, shows, torneio de truco e cavalgada, vinda de São Miguel do Cajuru. Até alguns anos a procissão era musicada pela banda local. Esta corporação está por oras desativada, de tal sorte que Januário contará com a presença da Banda Municipal Santa Cecília, vinda de São João del-Rei.

Outra comemoração deste santo acontece na Matriz da Imaculada Conceição, Bairro Colônia do Marçal, em São João del-Rei, iniciativa do pároco, Padre Antônio Claret Albino. Em 2004 foi realizada sua primeira festa naquela igreja, com renda revertida para as obras da torre, então em fase de fundação. Em situação estratégica, ao centro da antiga colônia italiana da cidade, contou esta festa com tríduo preparatório e no seu dia consagrado, missa com cantos italianos e almoço farto com cardápio à italiana. Incluiu ainda procissão, adoração e bênção do Santíssimo, missa para enfermos, bênção da água e venda de comes e bebes no galpão sito no adro. Neste ano de 2015 a festa está programada para ter o dia maior no primeiro domingo de outubro, dia 4.

Imagem de São Januário esculpida pelo artista sacro são-joanense
Osni Paiva, venerada na Igreja Matriz da Imaculada Conceição,
Colônia do Marçal, São João del-Rei. Ilustração extraída do cartaz
da sua festa, ano de 2004. 

Referências na Web

Januário de Benevento. Wikipédia, https://pt.wikipedia.org/wiki/Janu%C3%A1rio_de_Benevento (acesso em 20/09/2013 e 16/09/2015, 07:17h)

19 de setembro: São Januário ou Gennaro. Portal Paulinas, https://www.paulinas.org.br/diafeliz/?system=santo&id=448 (acesso em 16/09/2015, 07:16h)

História de São Januário. Cruz Terra Santa, http://www.cruzterrasanta.com.br/historia/sao-januario (acesso em 16/09/2015, 07:20h)


Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Festa do Rosário no Bairro São Geraldo, em São João del-Rei

Iniciou-se ontem, no Bairro São Geraldo, em São João del-Rei, mais uma festa congadeira dedicada a Nossa Senhora do Rosário, a se concluir no próximo domingo dia vinte do corrente. 

Por volta das 19 h, duas guardas de congado da cidade se apresentaram no Salão Comunitário: o "Santa Efigênia" (moçambique, do próprio bairro), sob a direção do Capitão Tadeu Nascimento de Sousa e o "São Benedito e Nossa Senhora do Rosário" (catupé), capitaneado por Moacir Santana. 

Quatro mastros, pintados em azul claro e branco, cores estas dispostas em largas faixas, com a base pintada em preto, aguardavam deitados no fundo do salão o momento do levantamento. Diante de cada um, zeladoras seguravam os respectivos quadros emoldurados, enfeitados de fitas multicores: Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia e Santo Antônio Catigeró, os dois primeiros erguidos pelo Capitão Moacir e os dois últimos pelo Capitão Tadeu. A disposição dos mastros forma um amplo quadrilátero no largo, delimitando simbolicamente o espaço sacralizado onde dançarão os demais congados no dia maior. 

Cumpridos todos os rituais da cultura popular, os dois grupos se encaminharam à capela, onde, diante do altar, congadeiros, festeiros, comunidade e membros do Terço dos Homens deram início ao primeiro dia do tríduo preparatório, com a reza de um terço em favor da paz. Aliás, segundo o programa, os terços serão todos por esta intensão, na comunidade, na família e no mundo. 

Finda a oração, foram homenageados alguns membros de destaque na preparação da festividade, recebendo certificados mediante o rufar das caixas e chocalhar das gungas. 

Na sequência foi servido um lanche para os congadeiros no salão, despedindo-se em clima de confraternização até domingo, se Deus quiser, que terá animada programação a partir da alvorada, até a descida dos mastros 18 horas, que encerra as comemorações. 

"Olha que mastro bonito!  - bis
Quem levantar esse mastro,
ôh, mamãe ...
vai para Angola comigo!"
(jomba cantada pelo Capitão Tadeu)


Cartaz da Festa do Rosário no Bairro São Geraldo,
São João del-Rei. Papel couché, 29,5 x 42cm.
 

Notas e Créditos

* Texto e foto: Ulisses Passarelli

domingo, 13 de setembro de 2015

Festa do Rosário do Bairro São Dimas, São João del-Rei

Acontece neste momento no Bairro São Dimas, em São João del-Rei, mais uma festa dos congadeiros em honra a Nossa Senhora do Rosário. Os grupos do bairro recepcionam vários visitantes que de praxe cumpre os rituais de visita aos mastros, ao cruzeiro e à capela, bem como à casa da festeira. Como de costume é garantido aos grupos a alimentação e eles se confraternizam em torno da mesa. 

O reinado não falta e para escoltá-los, os congadeiros, com grande devoção, entoam seus cantares e toques instrumentais, dançando alegremente rumo à capela. 

O bairro é um dos pontos mais tradicionais na prática do congado na cidade e ainda hoje conserva dois grupos. Grandes nomes da força congadeira no município viveram ou trabalharam seus congados no São Dimas, tais como os capitães José Camilo e seu filho Raimundo Camilo, Waldemar Fagundes e Luís Santana, além da célebre Rainha, Dona Maria da Glória, saudosa mãe da Capitua Maria Auxiliadora Mártir. 

A todos rendemos nossa sincera homenagem. 

Rosário no interior da Capela do Rosário do Bairro São Dimas. 

Cartaz da festa. 42 x 30cm, papel couché. 

Congado de Barroso. 

Congado do próprio bairro, do Capitão Moacir Santana.

Congo de Itaguara. 

Congo de Itatiaiuçu. 

Aspecto parcial do interior da Capela do Rosário do Bairro São Dimas,
vendo-se os andores de São Benedito e de Nossa Senhora do Rosário
prontos para a procissão. 

Congados de fora visitam e prestigiam a festeira, Maria Auxiliadora Mártir,
como estes Marujos de Carandaí. 

Mastros diante da capela em festa. 

Mensagem pintada no asfalto ao lado da Capela do Rosário. 

Notas e Créditos

* Texto e fotos: Ulisses Passarelli


quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Brincadeiras infantis - parte 1: parlendas

Não digo sobre todas, mas sobre a maioria: as crianças de hoje não imaginam uma das grandes diversões da molecada de trinta, quarenta, cinquenta anos atrás... Cantigas, enunciados, danças de roda, parlendas, fórmulas de escolha, eram mecanismos versificados memorizados que alegravam suas brincadeiras e ajudavam na socialização. 

Nesta postagem as parlendas vem à baila. São versificações simples para a memorização, enunciados com temas pueris, aparentemente disparatados, que tanto as crianças brincam entre si quanto os adultos com elas, em momentos que deveríamos ter mais amiúde, para não deixar morrer a criança que existe dentro de nós. 

Os exemplares aqui expostos procedem de São João del-Rei e Santa Cruz de Minas mas extrapolam em muito esta área. Por toda parte houve dessas cantilenas e nos lugares mais recônditos elas ainda sobrevivem. Ainda de memória lembro de uma conhecidíssima parlenda, que aqui, nos anos setenta era assim: 

"_ Cadê o toicinho que tava aqui?
 _ O gato comeu.
 _ Cadê o gato?
_ Tá no mato.
_ Cadê o mato?
_ O fogo pegou.
_ Cadê o fogo?
_ A água apagou,
_ Cadê a água?
_ O boi bebeu.
_ Cadê o boi?
_ Tá amassando trigo.
_ Cadê o trigo?
_ A galinha espalhou.
_ Cadê a galinha?
_ Tá botando ovo. 
_ Cadê o ovo?
_ O frade bebeu. 
_ Cadê o frade?
_ Tá rezando missa.
_ Cadê a missa?
_ Já acabou..."

Essa parlenda de que existem algumas pequenas variantes, as mães brincavam com as crianças, dialogando em sistema de pergunta e resposta e "procurando o caminho da missa": o enunciado se fazia com a palma da mão da criança estendida para cima e a mãe, pondo o indicador no centro da palma, fazia a pergunta e obtinha a resposta... está no mato, está botando ovo... sempre batendo o dedo a cada pergunta. Quando diz "a missa acabou", o dedo corria repentino pelo braço acima para fazer cócegas na axila da criança. Daí que algumas versões, como uma de Santa Cruz de Minas, da década de 1990, terminam com uma última pergunta: "_ Cadê o caminho da missa?" e a própria pessoa responde: "_ Tá aqui!" e corre para fazer as cosquinhas. 

Uma outra são-joanense mas assaz conhecida também noutros lugares é a seguinte: 

"Hoje é domingo, 
pede cachimbo!
Cachimbo é de ouro,
pega no touro!
O touro é valente, 
pega a gente!
A gente é fraco,
cai no buraco!
O buraco é fundo,
tá no fim do mundo!"

A versão correspondente na vizinha Santa Cruz de Minas se traça idêntica, exceto por trocar a palavra "fraco" por "bobo" e "tá no fim do mundo" por "arrasa o mundo".

Os enunciados não se desfiam mecanicamente. Tem uma rítmica na pronúncia, como um esboço musical: 

"Fui passar na pinguelinha, (*)
chinelinho escorregou do pé;
os peixinhos reclamaram,
que cheirinho de chulé!"

E quem não conhece...

"Um, dois, feijão com arroz!
Três, quatro, feijão no prato!
Cinco, seis, feijão inglês!
Sete, oito, comer biscoito!
Nove, dez, comer pastéis!"

A pronúncia acelerada ritma até o final que se abre ou rompe, "pastéisss..."

Era muito comum os vendedores de picolé com caixa de isopor pendente no ombro à tiracolo, ou empurrando carrinhos próprios, oferecerem seu produto apregoando assim: 

"Ao picôooo...lééé!"

A palavra "picolé" era esticada na pronúncia, começando quase gutural, depois em tom de baixo, para finalmente se abrir aguda. Uma forma de anúncio que já não se vê. Pois bem. A criançada, motejando tais vendedores, ou os parodiando, saía com essa parlenda em São João del-Rei: 

"Ao picolé, lélé!
Tem de coco e de chulé,
quem quiser levanta o pé,
na careca do sô Zé!" (**)

Ou com esta, em Santa Cruz de Minas:

"Ao picolé,
tem de coco e de chulé,
só não compra
quem não quer."

Bastante conhecida e divulgada é esta:

"Chuva choveu,
goteira pingou,
pergunta os papudo (***)
se o papo molhou..."

As meninas gostavam muito desta:

"A casinha da vovó,
cercadinha de cipó,
o café tá demorando,
com certeza não tem pó..."

Uma variante diz "trançadinha de cipó".

Um tanto irônica é esta, de Santa Cruz:

"A cana é minha, o boi é seu;
a garapa é minha, o bagaço é seu..."

A garapa é a parte boa, doce; o bagaço é o resto, sem serventia. Em São João del-Rei o saudoso capitão de congado Raimundo Camilo adaptara essa parlenda aos pontos de seu catupé. 

Ainda colhida em Santa Cruz, uma parlenda de sentido chulo (****):

"Dona Mariquinha, 
fez xixi na canequinha,
foi falar pra todo mundo
que era caldo de galinha ...

Dona Mariquinha,
foi tomar banho na gamela,
a água 'tava quente 
sapecou a bunda dela ...

Dona Mariquinha,
foi tomar banho no tacho,
a água 'tava quente
sapecou ela por baixo ...

Dona Mariquinha,
não tinha o que fazê,
pôs o galo com a galinha
no terreiro pra metê ..."


Outras da mesma fonte: 

"Sô do morro 
da bananeira,
olho pra sua cara,
me dá caganeira ..."

"Comi pepino,
rotei jiló;
a bunda da véia
é muxiba só!"

Já em São João del-Rei (*****): 

"A Mariquinha
comeu tripa de galinha,
foi contar pro namorado
que comeu macarronada."


E por fim, mais duas da mesma fonte, sendo a primeira conhecidíssima: 

"Menina bonita,
não come jiló,
jiló é veneno,
matou sua avó!"

"Compadre Zacarias,
que mora lá no sul,
barba de sapé,
do olho azul."

Dentre tantas outras essas parlendas revelam a alegria do folclore infantil, brinquedos da oralidade, expressão imaterial da lúdica da criançada, que não depende só de objetos para se divertir. 


Notas e Créditos

* Pinguelinha, pinguela: pequena ponte improvisada sobre valos e córregos, formada só por um tronco, uma tábua grossa (pranchão) ou um feixe de bambus, que possibilita a passagem de uma só pessoa por vez.
** Sô: senhor, sinhô, inhô. Zé: José. 
*** Papudo: falador, caluniador, prolixo, aquele que conta vantagens próprias, aumentando ou inventando suas próprias qualidades. Esta parlenda ouvi-a em 1997 convertida em canto de congado, na guarda de congo do Capitão Antônio da Cidoca, em Passos/MG. 
**** Informante: Maria Aparecida de Salles, 1998.
***** Informante: Aluísio dos Santos, 1994.
****** Texto: Ulisses Passarelli  

sábado, 5 de setembro de 2015

Congado de Bias Fortes: vinte cantos

1-      _ Mestre Domingos, 
10-   Vamos com o rei rondar!
Que veio fazer aqui?
Oi, vamos com o rei rondar!
Vim buscar a sinhazinha,
Vamos com o rei rondar, sinhá,
Sinhazinha para mim!
Vamos com o rei rondar ...


_ Mestre Domingos,
11- A coroa do rei
Quê que você quer?
Não é de ouro e nem de prata;
_ Eu quero a sinhazinha
Eu também já usei
Para ser minha mulher!
E eu sei que é de lata ...


_ Mestre Domingos,
12- _ ô pilão de moçambique!
Quê que você ganhou?
_ É de moçambicar!
_ Eu ganhei uma bengalinha,

Quem me deu foi meu sinhô!
Variante: _ É pra moçambicar!


2-      Quem manda no mundo é Deus,
13- Meu boi-macuco
Quem fica no mundo é eu;
Está no curral,
Resolvendo os problemas
É dia, gente,
Que Jesus me ofereceu ...
Vamos, sinhá!


3-      Menina bonita,
14- Ô beija-flor,
Balão de fulô,
Que beija o mel,
Chega pra cá
Ô que beija Maria,
Tá fazendo calor!
Se Deus quiser!


4-      Vou matar o meu carneiro
15- O rola candí morreu;
Vou cortar os quatro pés,
O saco do boi é teu ...
Depois do carneiro morto,

Quero o meu carneiro em pé.



5-      No passar da ponte,
16- Eu matei meu boi-laranjo,
Meu corpo tremeu!
Pra partir com a freguesia,
Água tem veneno,
Levantei de manhã cedo,
Quem beber, morreu...
Boi-laranjo está na guia ...


6-      Na Bahia tem,
17- Lá no fundo d’Amazonas tem areia ...
Eu mandei buscar,
Me alumeia! Me alumeia! Me alumeia!
Lampião de ouro,

Ferro de engomar.



7-      Na Bahia tem,
18- Eu vi, eu vi,
Eu mandei trazer,
Neném chorar ...
Lampião de ouro,
É dia gente,
Máquina de coser.
Vamos, sinhá!


8-      Lá no céu tem um vela,
19- Dói, dói, coração!
Que alumeia São João,         BIS
Deixa doer!
Alumeia esses devotos
Devagarzinho ...
Que nos deu um café bão.   BIS
Até morrer!


9-      Lá no céu tem uma vela,
20- Ô lua nova,
Que alumeia São João Bosco,    BIS
Ô Estrela do Norte,
Alumeia esses devoto
Vou pedir Nossa Senhora,
Que nos deu um bom almoço.   BIS
Que te dá uma boa sorte!


* * *

O município de Bias Fortes está situado oficialmente fora da Mesorregião Campos das Vertentes, alvo deste blog. Está na da Zona da Mata, Microrregião de Juiz de Fora, mas em seu limite extremo com as Vertentes, com a qual culturalmente é contígua e ao mesmo tempo fazendo intercâmbio e ponte cultural com os elementos da Zona da Mata. Daí sua importância estratégica no estudo da região e o motivo concreto de sua reiterada inclusão nesta página eletrônica. Situação idêntica aliás acontece com o município de Bom Sucesso, no lado oposto, já na Mesorregião Oeste de Minas, Microrregião de Oliveira, que tem papel igual no cenário da cultura popular, como área de transição do folclore do oeste e do centro-sul mineiro. Estes municípios limítrofes são sempre aqui considerados em igualdade. 

Na área de Bias Fortes e municípios limítrofes surgem especialmente os congados do tipo bate-paus, uma modalidade de moçambique. Surgem também em localidades rurais. 


Alguns breves comentários são cabíveis sobre estas cantigas. Foram coligidas de memória, diretamente com a informante, em diferentes ocasiões e portanto não estão em ordem de execução numa ocasião festiva. 



A primeira reveste-se de especial interesse. A citação à figura de Mestre Domingos remete à similitude com cantigas muito antigas, registradas no nordeste brasileiro. A informante dizia que era um canto de buscar princesa, daí a referência "vim buscar a sinhazinha".



O canto nº2 é um ponto, um tanto irônico, referindo-se à prepotência de quem se impõe como mandatário e senhor dos destinos alheios. Em versão simplificada é conhecido este canto em São João del-Rei e cidades próximas. 


Do canto 4 registro uma variante dentro do mesmo tema coligida em Barbacena, 1996: "Eu matei carneiro, / mandei enterrar, / cheguei no rosário, / carneiro tá lá..." (canto de trabalho, capina de roça).

Cantos 5 e 6 são extremamente conhecidos na região das Vertentes e tem diversas variantes, por vezes muito próximas. São considerados pelos congadeiros como cantos muito antigos. 

Do 8 e 9 registra-se em São João del-Rei a seguinte variante, cantada tanto por congados quanto por folias: "Lá no céu uma estrela (ou: uma vela) / que ilumina São José, / ela há de iluminar / quem nos deu o bom café."

O número 12 tem variações, uma das quais anotada em São João del-Rei: "É no pilão de moçambique, / no pilão de moçambique, / moçambique, auê, auá! / Sol vai e lua vem / pra com Deus alumiá!" BIS  É um canto conhecido mesmo em cidades distantes, como Passos/MG, onde é cantado por grupos de moçambique. 

As expressões "boi-macuco" e "boi-laranjo" referem-se à pelagem do animal, cinza-ardósia (como a das penas do macuco) ou cambiante ao alaranjado. A expressão "vamos, sinhá" é corriqueiramente pronunciada contraída, "vamos'inhá!" ou até mesmo transformada em "bamos'inhá". 

O enigmático canto 17 faz ponte com um ponto de congado são-joanense, que o Capitão Luís Santana sempre cantava: "Lá no fundo do mar tem areia... / xique-xique, balanceia!"


O canto 19 era cantado assim pelo Capitão José Camilo, em São João del-Rei, repetido ainda hoje por outros grupos: "Dói, dói, dói, / deixa doer... / dói, coração, / vai doendo até morrer!"

Por fim o canto 20 é entoado com letra idêntica pelo tradicional congo de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, como agradecimento por alguma oferta ao grupo. 


Notas e Créditos 

* Texto: Ulisses Passarelli
** Informante dos cantos: sra. Elvira Andrade de Salles, 1995-1997, in memoriam.