Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




terça-feira, 2 de junho de 2020

Cultura & Paisagem

Algumas reflexões sobre a preservação do patrimônio cultural


Desde que tomaram corpo, as medidas de preservação do patrimônio cultural brasileiro, tem evoluído ostensivamente, acompanhando a dinâmica dos conceitos que regem esta matéria.

Desta sorte, o conteúdo tradicional, profundamente arraigado, nos remete de imediato, à ideia de preservação dos velhos casarios, dos antigos templos e seu acervo, das vetustas pontes e logradouros, como se de forma intuitiva e eloquente, esses bens edificados nos falassem sobre a necessidade de preservação inquestionável. Como sinais deixados pela cultura das gerações que nos antecederam, o patrimônio material fala por si e salta aos olhos por sua importância cênica. Preserva-lo é algo óbvio. Não restam dúvidas acerca de sua real contribuição para a formação da brasilidade, sendo ao mesmo tempo um reflexo dela. Os modelos e matrizes trazidas pelos povos formadores, amalgamados e transformados sob a técnica do brasileiro, materializaram-se em peças e construções ora admiradas por sua magnitude.

Eis a semente da preservação, impulsionada pelos participantes da Semana de Arte Moderna de 1922, cujos esforços frutificaram pelos anos seguintes, amplificando o clamor dos estudiosos daquele tempo e se coroando de vitória com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN).

Mais tarde, décadas depois, crescia a premissa de que, muito para além deste patrimônio construído (material), também era patrimônio o conjunto de saberes, os modos de fazer, os locais de cultura, as práticas tradicionais, as festividades. Tal herança cultural foi entendida, que é tão digna de preservação quanto as edificações e objetos. Ela reflete o modo de viver tradicional em comunidade e é neste espírito de sociedade que se reveste de significação e funcionalidade. Portanto, foi necessário também ser abarcada pelos mecanismos preservacionistas. A descaracterização de tais valores implica na perda de referências simbólicas da população que os criou e mantém. Devidamente salvaguardada acompanha a própria evolução cultural desta sociedade.

A nível internacional as discussões se sintonizavam com a abertura do leque preservacionista ao patrimônio não construído, imaterial ou intangível, se consolidou via UNESCO, com as “Recomendação sobre a salvaguarda da cultura tradicional e popular” (Conferência Geral da UNESCO - 25ª Reunião, Paris, 15 de novembro de 1989) e a “Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial” (Paris, 17 de outubro de 2003). A nível de Brasil, a “Carta do Folclore Brasileiro” (I Congresso Brasileiro de Folclore, Rio de Janeiro, 22-31/08/1951, atualizada e revisada no VIII Congresso Brasileiro de Folclore, Salvador, 12-16/12/1995), foi um marco muito significativo desta tendência.  A própria Constituição Federal Brasileira (1988) bebendo na fonte das discussões coetâneas, foi muito além das suas predecessoras na amplitude de proposições de guarda do patrimônio como um todo.

Em paralelo se consolidava o entendimento e mecanismos de preservação do patrimônio de forma ainda mais ampla, abarcando as paisagens, por sua significação para além do lado apenas ecológico. A nova visão perpassava pela cultura e sua simbologia implícita, na valoração e peso para a formação da sociedade brasileira, desde tempos pretéritos. Embora o conceito e primeiras medidas já existissem, é em data bem mais recente que se aprimorou a significação amplificada dos chamados “conjuntos paisagísticos”. Eles se somaram ao conceito já sólido de “núcleo histórico”, para envolver o que estava escondido sob as camadas do tempo. Assim, o material arqueológico, móvel e imóvel, igualmente o paleontológico e o espeleológico, foram envolvidos como partes igualmente inalienáveis do patrimônio brasileiro. 

A paisagem passa a ser vista e compreendida como um todo: nela está a natureza em sua plenitude! Outrossim, tal ambiente contém os elementos antropológicos e remanescentes arqueológicos, desde os paleoindígenas até os caboclos, referências de povos originários que antecederam à civilização hodierna ou que estão inseridos nela. Na paisagem estão os abrigos e cavernas de interesse para pesquisa da vida destas populações anteriores. Nas cavidades naturais há uma fauna troglóbia, depósitos fossilíferos, vestígios de práticas rituais de outras épocas, matérias do interesse da geologia. Enfim, a visão holística da paisagem só é possível se submetida à multidisciplinaridade. Há uma cultura envolvida e desenvolvida sobre toda esta paisagem, bem como, um sentido sobre aquilo que ela representa para a população local, em sua carga simbólica e identitária ...

Tudo isto estrutura um conjunto paisagístico, seja ele natural, arqueológico, espeleológico ou paleontológico. Na mesma lógica, um núcleo histórico, por exemplo, se vivifica com o patrimônio imaterial ali desenvolvido: uma banda de música em ensaio, dá vida às paredes de pedra e cal de sua sede. Sem a cultura, todo o cenário, por mais belo que seja é mera vitrine de admiração e não ambiente de vivência. 

Adensando ainda mais toda esta questão, ganha intensidade no momento o interesse à geodiversidade, como um eco à biodiversidade. Uma e outra demonstrando a complexidade do meio no qual vivemos, contribuindo para dar mais lume aos processos evolutivos da crosta terrestre e consequentemente ao próprio ambiente onde habitamos e desenvolvemos nossas cidades e civilização.

A prática plena dos mecanismos de preservação e salvaguarda de todo este patrimônio cultural é no fundo a conservação do próprio patrimônio humano, que de fato é o que mais importa. O patrimônio é impregnado de memórias e eivado de saberes. É pela dignidade de viver em tão rico ambiente, em equilíbrio e bem estar, que se justifica a causa preservacionista e o desenvolvimento de ferramentas jurídicas para concretizá-la. Cuidar das urbes e sua ambiência é cuidar de nós mesmos. Para além de obrigação, deve ser missão.

A atitude educacional é sempre a via primeira a se trilhar. Constituir a consciência coletiva, que valorize e conserve tudo isto é uma ação permanente e deve ter o alcance tanto mais amplo quanto possível. A vigilância, contudo, por prudência, caminha de parelha, e quando o vaticínio acena ameaçador contra alguma expressão destes valores patrimoniais, entra em cena as medidas legais. O planejamento administrativo, de par com a lei estruturante das medidas cabíveis para cada caso é garantia e complemento ao êxito da educação e da vigilância. A fruição do patrimônio pela geração atual e futuras, como direito legal, se interliga a este conjunto de medidas garantidoras: educação, vigilância, planejamento e legislação.

Para além da punição, as medidas preventivas são sempre as melhores, podendo e devendo o poder público, a propósito, cumprir medidas de reconhecimento do valor do patrimônio e adotar garantias de acautelamento apropriadas. 

O patrimônio está em nossas mãos. Serra do Lenheiro, São João del-Rei/MG, Brasil.
O patrimônio está em nossas mãos!
Serra do Lenheiro, São João del-Rei/MG, Brasil. 

* Texto e fotografia (23/04/2020): Ulisses Passarelli

** Revisão e melhoramentos: 11/01/2024.  

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

São Gonçalo do Amarante: detalhes e peculiaridade do lugar em Festa do Rosário

Ainda sobre a festa congadeira em São Gonçalo do Amarante (ex Caburu) é mister destacar algumas peculiaridades do lugar. Assim, por exemplo, que nos dias atuais, as mudanças sociais e novos rumos que o dia a dia aponta, fizeram incluir na véspera do dia maior, ou seja, no sábado, um momento amplo dedicado às crianças. Uma série de atividades, como uma gincana, lhes proporciona diversão momentânea, sentido de coesão social, oportunidade ímpar para rever as tradições locais da cultura popular e o que é muito importante, aproxima as crianças da maior festa local e por conseguinte do congado, mais significativo ícone da cultura popular local. 

Diversas brincadeiras tradicionais são realizadas sob a tenda armada no largo. Há o balanço, a gangorra, pernas de pau, pichorra, torta na cara e muitas outras. Até bolo confeitado é distribuído livremente. A atividade toma a tarde toda e termina no começo da noite. 

O escuro cai sobre as montanhas e no gramado da vila, alguns sapos aparecem à cata de insetos. Por vezes adentram a rua e terminam infelizmente atropelados... 

A barraquinha funciona com comes e bebes.

Então é a vez do congo vir à rua, em seu último ensaio. Circula a área central e depois se recolhe. Não dançam na véspera de uniforme, mas de roupa rotineira do dia a dia. O uniforme é reservado ao dia maior. A passagem do congo anima a comunidade. O povo chega na janela e de fora das casas para vê-los; aplaudem, prestigiam.

Madrugadinha, bem cedo mesmo, 4 horas, os caixeiros vem à rua. Batem os tambores em um ritmo único, só instrumental. Não há cantoria. Somente uma marcha acelerada. O toque muito típico é conhecido por Vamos embora, Vitalina! ("Vão s'imbora, Vitalina!", dizem...). O sino toca. Foguetes estouram. Todos acordam, ninguém reclama. Se não tiver alvorada lamentam, porque será sinal de descaracterização da festa. 

Depois reina o silêncio. Hora boa de rever o lugar. O romper do dia na Pedra Ramalhuda vale a pena ser contemplado. É um mirante que está reconhecido e protegido pelo município por mecanismo de inventário de patrimônio cultural, na categoria Conjunto Paisagístico Natural (2018). A fauna se evidencia e muitos pássaros cantam em derredor. Dá para perceber com clareza o relevo montanhoso e o vale do Rio das Mortes, enevoado. 

Dá tempo também de visitar a Gruta de São Judas Tadeu, pequena construção em pedra, de cunho devocional, onde uma imagem deste santo foi colocada para acolher as preces devotas. Fica numa grota próxima ao Córrego da Passagem, após a Ponte do Quinzola, saída para a comunidade do Caxambu. É bem cuidada em sua simplicidade e singeleza. 

De volta ao povoado, se vai notando as belezas cênicas. Nas casas o povo toma café. Congadeiros se fardam para o festejo. Pelas nove horas reúnem na rua adiante da casa do Capitão. Logo virão tocando ao largo. Alguns detalhes dos preparativos finais se ajustam neste momento. Vai chegando gente da cidade e das vizinhanças, vindos dos sítios e povoados próximos. Logo há movimentação. 

Por fim o grande atrativo acontece. O congo surge com seus toques: marchas, sambas e desdobrados. O colorido toma conta do lugar. Cumprem o rito religioso de visitar a igreja, o mastro e o cruzeiro e depois vem ao café. É comum a presença de congados visitantes também. Em 2019 vieram de Ritápolis, Barroso e Resende Costa. A sequência festiva acontece. Os atos religiosos na igreja são muito prestigiados e a nave do templo se acha lotada. O amor à religião é chave desta coesão. 

O congado em São Gonçalo do Amarante é a coroação da cultura local. A Festa do Rosário tem a fisionomia do congo e este a identidade da festa. São de tal forma integrados, que não dá para imaginar um sem o outro. A devoção ao Rosário é muito forte e toda a sua expressão transcorre por uma motivação coletiva espontânea, com ações conjuntas realizadas com empolgação e carinho. A tradição vinda com a cultura afro, ora se enraizou. Toda a programação atende aos anseios comunitários, daquela parcela da comunidade envolvida com esta tradição. O formato, como acontece, é o formato que é, que deve ser. Sua modernização exógena implicaria não em evolução, mas em involução, descaracterização. Tudo na festa tem o seu sentido, a sua lógica. É preciso mergulhar em seu sentido mais intrínseco para perceber suas raízes, desde o tempo do cativeiro, até hoje. Com o congo, a evangelização na festa se torna mais eficiente. O fiel dançante se revela na totalidade como povo de Deus. 

A vontade, crianças brincam de bola no largo. 

Crianças se divertem num balanço, na véspera do dia maior. 

Criança experimenta a emoção de uma gangorra, atada a uma árvore no largo.
 
Pernas de pau, brincadeira para a criançada. 

Poente, visto de São Gonçalo do Amarante. 

Grande sapo cururu - no gramado do largo,
no período chuvoso é frequente vê-los à noite. 

Uma das barracas montadas no largo. 


Caixeiros pela madrugada em alvorada, em torno do cruzeiro. 
Não há plateia. Senhora do Rosário os vê e isto lhes basta. 
 
Momento da alvorada festiva. 

Escaravelho na Pedra Ramalhuda. 

Um calango (Tropidurus), na Pedra Ramalhuda. 

Nascer do sol, visto da Pedra Ramalhuda. 

Cruz de via sacra, na estrada do Mestre Ventura, que vai para a Pedra Ramalhuda.


Gruta de São Judas Tadeu - localizada numa grota, junto a uma
nascente, bem próxima do distrito, a caminho do povoado do Caxambu. 

Cruz de fachada, na entrada de uma das casas: tradição muito arraigada. 

Parte do telhado da igreja.

Mastro do Rosário, refletido numa vidraça. 

Final da montagem da barraca de alimentação. 

Bandeirinhas afixadas no cruzeiro. 

Pela manhã... no largo. 

Café da manhã.
 
Café da manhã.  

Congadeiros da comunidades e congado visitante de Barroso
adentram a igreja para louvação. 

Breve descanso do jovem congadeiro. 

Beijando a bandeira do congado visitante, de Ritápolis. 

Bate-papo. 

Congadeiros visitantes de Resende Costa:
desde muito cedo se aprende a tradição. 

Saída da procissão: momento maior!

Da janela frontal do coro, populares lançam papel
picado sobre os andores: "Lá do céu tá caindo fulô!"

Reflexos da tradição: ecos do passado sobrevivendo no contexto cultural. 

Procissão em marcha: cortejo de devoção e tradição. 

O Capitão se ajoelha: rosário é expressão de fé!

Papel picado: gratidão ao santo; homenagem ao sagrado. 

Notas e créditos:

- Texto e acervo: Ulisses Passarelli
- Fotografias: Iago Christino Salles Passarelli, 12 e 13/10/2019

* Revisão: 15/01/2024

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Festa do Rosário em São Gonçalo do Amarante: tradição, união, cultura!

Para participar ou tão somente assistir uma Festa do Rosário é preciso entender a lógica da mesma, segundo a tradição que abarca os congadeiros. Quem não o puder fazer estará perdendo seu precioso tempo... Ou quando muito sentir-se-á atraído por algo supostamente exótico, curioso.

A festa do reinado de Nossa Senhora do Rosário é sobretudo um momento de coesão social, de repartimento das benesses recebidas no decurso do ano. Festejo de gratidão. Festa quebra cotidiano, rompe com o normal, conflitua com o padrão, entra em rota de colisão com o cotidiano. Por isto seu ambiente é outro: clima de festa! É isto que faz a festa ser uma festa e não um momento comum. Se na festa tudo for igual ou no padrão urbano do dia a dia ela não é festa. Seria um arremedo. O evento se destaca pelos atrativos e programação diversificada, no caso, sobretudo de natureza religiosa, pareada com manifestações da cultura popular.

Tal se dá no distrito de São Gonçalo do Amarante, em São João del-Rei, cerca de 18 km a noroeste da sede municipal. Pequena vila do período colonial, chamada primitivamente São Gonçalo do Brumado, mais tarde renomeada para Caburu. De vida rural típica, calma, tradicionalista, pautada na atividade agropecuária de subsistência, o distrito pratica tradições as mais variadas, a maioria já em ocaso, mas de quantas existem, a prática do congado é a mais forte, atingindo seu máximo na Festa do Rosário.

O congado local é do tipo congo(*), e segundo a tradição oral persiste já a mais de um século. Sua festa é feita via de regra em outubro, há muito fixada no segundo domingo do mês, como dia maior consagrado a Nossa Senhora do Rosário. A preparação da festa envolve vários momentos. O congo como protagonista do evento sagrado, através de suas lideranças, cuida de um sem fim de detalhes. 

Em outras postagens deste blog já constam informações da estrutura festiva, razão pela qual, ora o foco será na questão alimentar, deixando o restante apenas para o registro fotográfico. 

Alguns dias antes, o festeiro e sua equipe de ajudantes, se resguarda da preocupação de garantir o alimento necessário à fartura festiva. A arrecadação / compra de mantimentos deve contemplar para além dos grupos (ternos de congado) visitantes confirmados, porque não é raro um congado não confirmar mas vir, e é preciso estar pronto para alimentar os congadeiros. 

Um dos tópicos pertinentes é a produção caseira de quitandas (biscoitos e broinhas), a nível familiar, acondicionados corretamente e com higiene até o dia maior da festa. Tanto mais, o café da manhã se completa com pães trazidos da cidade. O café transcorre com muita tranquilidade, até porque os grupos participantes são relativamente poucos e vão recebendo a alimentação à medida que vão chegando à festa. Mas o espírito de confraternização é o mesmo, forte, evidente. 

Para a alimentação é montado na lateral direita da igreja, sob a perspectiva do observador, um pequeno barraco de bambu e cobertura de lona plástica. Tem segurança em seus amarrios e encaixes, até porque é leve. Sob ela postadas em pequenas mesas, o alimento a servir. A fila se forma, os congadeiros vão passando e recebendo o alimento. 

No almoço o esquema é idêntico, mas a fila se faz maior, porquanto, todos os grupos já chegaram, também vários visitantes e até alguns moradores, que acabam comendo junto também, pois a ideia é congregar e não deixar desperdício do alimento feito. Ao pegar seu alimento a pessoa se posta livremente na lateral externa ao adro, gramada, sob sombra de árvores e o costume é mesmo sentar-se ao chão, sobre a grama limpa, livremente, dentro daquilo que já se frisou de quebrar a rotina. Aparenta um grande pique-nique e nisto reside uma peculiaridade local, aceita, praticada há muito, e bastante singular por fazer parte da tradição são-gonçalense. 

Por vezes ao público externo pode causar estranheza tamanho bucolismo, mas ele é perfeitamente aceito e praticado pelos locais e congadeiros em geral, que não se queixam ou sofrem com desconforto ou falta de higiene, que de fato não há. Experiências de anos anteriores de posicionar o alimento na área escolar ou outra foram frustrantes, em razão da exiguidade do espaço, aí sim gerando o efeito do desconforto. 

É preciso - essencial em verdade - se transportar ao âmago da tradição congadeira para a entendê-la de fato e dela participar. E mais que isto: se contextualizar à realidade estrutural e possibilidades práticas de cada lugar, sem desvirtuar o costume local, desde que não fira a segurança das pessoas. A alegria do compartilhamento na Festa do Rosário remete ao costume herdado da tradição cultural afro, base estruturante da cultura popular pertinente a esta festa. Conservá-la e prestigiá-la é salvaguardar esta raiz cultural e identitária. 

Vista posterior da Igreja de São Gonçalo do Amarante. 

Pichorra: bexiga cheia de guloseimas aguardando ser rompida
para alegria da criançada - tradição ibérica.
Na véspera, a gincana toma conta do largo para alegria da criançada.
É parte das comemorações do dia das crianças.  
Balanço - tradicional brinquedo infantil.
Após as gincanas da véspera, distribuição gratuita de bolo. 

Último ensaio dos congadeiros, na véspera do dia maior. 

Logo cedo, pessoas se juntam para limpeza do largo. 

Na cozinha o alimento é preparado com esmero:
lavagem das verduras. 

Além de tempero e higiene, muito carinho é o ingrediente fundamental. 

Montando a barraca de alimento. 

Preparando a cobertura. 
O congo na porta da igreja.

Notas e Créditos

* Congo: ao iniciar minhas pesquisas naquele distrito, em 1992, ouvia sempre as pessoas chamarem o congo de reinado. Dançar o reinado; tocar no reinado. Sobretudo as pessoas mais idosas usavam esta palavra neste contexto. Em paralelo corria o nome "congo-cacique" e ouvia dizer que tinha influência de índios, vinha "do começo do mundo"... Para tempos mais recentes é corrente a designação popular "congo-vilão", inclusive inscrito na bandeira. Os demais nomes estão em crescente desuso. É preciso frisar que o congado local absolutamente nada possui de mínimas características de um vilão típico, como os ocorrentes no centro-oeste e oeste mineiro.
** Texto, fotografias (12 e 13 de outubro de 2019) e acervo: Ulisses Passarelli