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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Um passeio histórico pelo Bairro de Matosinhos

Esboço Histórico Básico 

Toda esta vastidão territorial era dominada pelos aborígenes. Alargando suas velhas trilhas de caçada e migração e abrindo sobre elas e ao seu redor novas picadas, vieram as bandeiras, armadas até aos dentes, de bacamartes e arcabuzes, trabucos, pistolas, facas, facões, espadas, machados, foices, adentrando o imenso e ermo sertão, numa avidez assaz doentia por preciosidades minerais e pela preação de índios.

Os bandeirantes vinham sobretudo de São Paulo. O posto avançado de partida era Taubaté, no vale do Rio Paraíba do Sul. De São Paulo, passavam pelo Rio Tietê (rumo à montante), ganhando um afluente do Paraíba, que era subido de barco até as cachoeiras (Cachoeira Paulista). Daí, por terra, em curta marcha, se chegava a Taubaté. Aí também vinha dar um caminho, procedente de Parati, via Serra do Mar. Por navegação marítima se atingia o Rio de Janeiro a partir de Parati. De Taubaté o caminho se direcionava ao imenso paredão da Serra da Mantiqueira, divisa natural de Minas e São Paulo, qual uma muralha. Transpunham-na por uma bocaina, a Garganta do Embaú. Subindo pelo ermo sem fim, adentravam o continente, cruzavam as cabeceiras do Rio Verde (afluente do Grande, no sul de Minas Gerais) e chegavam ao Rio das Mortes, margem esquerda. Aí foi fundada a primeira feitoria, Ibituruna [1].

Rumando para o leste, ao longo do rio, subiam até um ponto de travessia a cerca de 12 léguas, justamente situada nos arredores do atual Bairro de Matosinhos, local chamado mais tarde Porto Real da Passagem [2]. Do outro lado do rio, seguia o velhíssimo caminho rumo ao vale do Rio das Velhas e mais além, ao Jequitinhonha. Foi trilhadíssimo, com as descobertas auríferas. Tal estrada primitiva era chamada “Caminho Geral do Sertão”, sertão esse chamado “dos Cataguases”, “País dos Cataguases” e “Minas dos Cataguases”, primeiros nomes de nosso estado.

A primeira expedição que percorreu esse itinerário, foi a liderada por Fernão Dias Paes, em 1674, chamada “Bandeira das Esmeraldas”, pois buscava uma mina dessas pedras, encontrada no vale do Jequitinhonha, na segunda década do século XVII, por Marcos de Azeredo Coutinho, que a descobriu vindo do litoral, acompanhando o vale do Rio Doce, rumo leste, na altura do Rio São Mateus (que corta o norte do estado do Espírito Santo)  [3].

As tribos dispostas em seus caminhos eram no geral destruídas, saqueadas, muitos e muitos amerabas eram assassinados, outros levados prisioneiros e feitos escravos; mulheres estupradas; aldeias incendiadas. A aproximação quando era pacífica destruía-os de outra forma – pela aculturação gradativa. Assim, essas expedições de paulistas vinham sempre com muitos indíos em estado de servidão, acompanhando-os. Os paulistas em maioria eram mestiços, mamelucos no geral.

Desde então, outros grupos de aventureiros fizeram tais viagens, que se acentuaram com a descoberta das minas, situadas na região das atuais cidades de Sabará, Ouro Preto e Mariana.

Ao longo dos caminhos estabeleceram-se feitorias e arraiais.

Vários autores aceitam que nos últimos anos do século XVII, em data incerta, estabeleceu-se um paulista taubateano de nome Tomé Portes del-Rei [4]nas margens do Rio das Mortes, no ponto onde se fazia sua travessia, local conhecido como Porto. Por ali passavam obrigatoriamente todos que iam e vinham das minas das cabeceiras do Rio das Velhas. Fundou uma espécie de estalagem, que era também fonte de abastecimento de víveres, para a longa e inóspita viagem. A história não registrou, mas foi certamente também nesse lugar, o centro de informações dos mais importantes para os viajantes sobre as condições da trilhada para diante.

Conquistada a confiança, firmado o respeito por seu nome, em 1701 [5]foi nomeado guarda-mor, a primeira autoridade local. Como tal era responsável pela cobrança do pedágio para travessia do rio por meio de canoas, que estavam sob sua responsabilidade. Essa taxa era em parte tributada à coroa portuguesa, donde o nome do lugar ter sido Porto Realda Passagem, situado na área do atual Matosinhos a apenas 1 km de onde seria mais tarde construída a igreja. O Porto foi indubitavelmente o primeiro núcleo de povoação.

Cabia ainda ao guarda-mor a tarefa de repartir as datas, isto é, lotes nos terrenos de mineração, controlando assim a exploração desordenada daquela riqueza mineral. Eis que se deduz, tal função estratégica não seria conferida a um estranho qualquer, forasteiro recém-chegado. Naturalmente precisou primeiro tornar-se confiável no lugar. Exceção feita à possibilidade ainda não registrada de já ter vindo de Taubaté com a função de guarda-mor, ou seja, nomeado e transferido para seu posto avançado de trabalho. Tomé Portes foi portanto o primeiro morador fixo, o primeiro comerciante e a primeira autoridade.

Em 1702, o minerador taubateano João de Siqueira Afonso, descobriu nas areias ribeirinhas sinais da presença de ouro no Ribeirão Santo Antônio, distante uma légua e pouco a leste do Porto, do outro lado do rio. A notícia espalhou-se rapidamente e para lá acorreram muitos, na esperança de enriquecer. Logo surgiu um arraial e coube a Tomé Portes como autoridade, fundá-lo e dividir as datas. Foi chamado Arraial de Santo Antônio, origem da atual cidade de Tiradentes.

Pouco depois, Tomé Portes foi assassinado por alguns escravos. Seus demais escravos vingaram-lhe a morte, matando os assassinos. Assume a guarda-moria o seu genro, Antônio Garcia da Cunha. A viúva retorna para Taubaté, vindo a falecer em 1728.

No ano de 1703, começaram a edificar no Porto Real da Passagem uma igreja, que se consagraria a Nossa Senhora do Pilar e serviria de matriz.

Em 1704 é a vez de dois descobertos auríferos: um no Ribeirão São Francisco Xavier (a cerca de uma légua ou pouco mais a oeste do Porto) e outro na vertente de um morro, na encosta de uma serra. Descobriram-lhes, respectivamente, o paulista Lourenço da Costa e o português Manuel João de Barcelos. O primeiro era negro forro e escrivão de datas do referido Antônio Garcia da Cunha. Foi o fundador da Irmandade do Rosário (1708), nosso mais antigo sodalício religioso. Também rapidamente se reuniram mineradores. Ali fundou-se um terceiro povoamento, o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar. Dito “novo” em confrontação ao de Santo Antônio, que ficou desde então cognominado “Arraial Velho. 

Com esses descobertos, um grande fluxo de aventureiros era visto em deslocamento para a região, no sonho de enriquecer. Os três arraiais desse eldorado cresceram rapidamente: o Porto, o Velho e o Novo.

Nesse novo arraial, logo erigiram uma ermida rústica de pau-a-pique, coberta de sapé, consagrada à Virgem do Pilar, cuja imagem primitiva, até hoje existe, como se pode ver na sua atual catedral basílica. A dita ermida, feita de improviso, substituiu o projeto daquela outra de 1703, que se estava fazendo no Porto e assim ficou inacabada.

Os paulistas dominavam as maiores e melhores minas, com uma certa violência. Os não-paulistas, coletivamente chamados Emboabas (portugueses, baianos, fluminenses, etc.), também defendendo seu quinhão, logo entraram em atrito, resultando numa desavença armada, chamada “Guerra dos Emboabas”, entre os anos de 1707 e 1709 [6].

Os Emboabas estavam arranchados junto às minas (situadas no atual Alto das Mercês, em São João del-Rei). Os paulistas ergueram moradas mais distantes.

Durante um dos episódios tensos da contenda, a capelinha do Alto das Mercês foi queimada. Finalizada a refrega, afastados os paulistas, nova capela foi erguida, com a mesma devoção, dessa vez, ao que parece, onde era o acampamento dos paulistas, que levaram a pior na peleja. Presumivelmente ficava no Bonfim. Há quem afirme que esta outra capela já existia mesmo antes da guerra, mas parece pouco provável.

Após a guerra foi edificada uma fortificação pentagonal no Porto Real da Passagem com o temor de qualquer recidiva e naturalmente melhor defesa contra o tráfico mineral.

O Arraial Novo de N.S. do Pilar foi elevado a vila em 1713, com o nome de São João del-Rei, por ato de Dom Brás Baltasar da Silveira. O nome escolhido homenageava o Rei Dom João V, de Portugal. No ano seguinte uma ordem obriga os moradores do Porto a se mudarem para essa nova vila. O Porto cai então no abandono.

O século XVIII prossegue na febre do ouro. Tudo gira em torno do minério nobilíssimo. Novas jazidas são descobertas, mais caminhos abertos e ao seu comprimento surgem fazendas e tantas povoações. Os índios rareando; os negros aumentando, trazidos em sucessivas levas para a escravidão. Só na Mina do Barro Vermelho (atual Rua Cel. Tamarindo) foram cerca de mil, ocupados na dura servidão.  

O último quartel desse século sentiu fortemente a decadência da exploração aurífera. Muitas vilas e arraiais desse período se estagnaram. São João del-Rei porém enveredou pela pecuária e agricultura de subsistência, mas sobretudo no comércio. Foi nessa época que se ergueu num platô, a apenas um quilômetro do velho Porto, uma capela sob a invocação do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, devoção de procedência portuguesa. Ali surgiu animada festa em Pentecostes, já numa economia urbana, embora guardasse em si, muitos elementos rurais. Desse festejo se ocupará este livro.

A centúria seguinte, esgotado o ouro, foi a vez do comércio ganhar vigor. São João tornou-se grande entreposto comercial da rota Rio de Janeiro – Sertão (centro-oeste e oeste de Minas), além de outras regiões mais longínquas.

Em 1838 a vila de São João del-Rei foi elevada à cidade. Por esse tempo Matosinhos firmou-se como um arraial pitoresco, aprazível, bucólico, cheio de chácaras grandiosas, com pomares afamados. Muitos procuravam esse lugar para cuidar da saúde, graças a sua tranqüilidade e pureza ambiental.

Terminando o século XIX, chega a estrada de ferro e também as primeiras indústrias, que caracterizariam o século XX até seus meados. O fim da escravidão tenebrosa nos traz o italiano, tantas e tantas famílias, estabelecidas em colônias nas vargens beira-rio: Marçal, Briguenthi, Bengo, Recondengo, José Teodoro, Felizardo e ainda, o Fé, mais retirado e o povoado do Barreiro. Dedicaram-se à agricultura. A seguir diversos italianos se estabelecem também na cidade.

Depois chegam migrantes libaneses, sírios, turcos, árabes, entregando-se ao comércio.

Em meados do século XX, Matosinhos muda de cara: as chácaras desaparecem, sendo loteadas. Crescem moradas e indústrias. No fim do século o bairro já é o maior da cidade, em verdadeira explosão demográfica nos últimos vinte anos. A indústria fraquejou. O comércio cresceu e com ele a prestação de serviços. Os velhos casarões foram derrubados. A igrejinha bicentenária também. O bairro se agigantou. BARREIROS (1976) teve essa impressão: “já na margem esquerda, um pouco distante do rio, floresceu um famoso bairro de São João del-Rei e que se denomina Matozinhos”.

O século XXI chega com a bússola apontando para a atividade turística, que não se desenvolverá por milagre, mas só com muito trabalho em seu favor.

Em resumo e finalizando o tópico, pode-se assim organizar nossa cronologia básica, numa sinopse didática, tantas vezes confundida e polemizada:

-      1701: Tomé Portes del-Rei, já previamente estabelecido no Porto Real da Passagem desde data incerta é nomeado guarda-mor. Fundou ali o primeiro núcleo populacional;
-         1702: morte de Tomé Portes del-Rei;
-         1704: descoberta de ouro no ribeiro chamado São Francisco Xavier e no atual Alto das Mercês;
-          1705: fundação do Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar, por Antônio Garcia da Cunha;
-          1713: elevação do arraial à vila, ocasião que recebe o nome de São João del-Rei;
-          1838: a Vila de São João del-Rei é elevada à cidade.

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli



[1] - A fundação de Ibituruna nessa época é contestada por certos estudiosos, dentre os quais, Geraldo Guimarães.
[2] - Esse itinerário também é contestado por alguns historiadores, que consideram que o rio teria sido transposto em Ibituruna e só na volta do Tripuí (região de Ouro Preto-Mariana), onde foi descoberto farto ouro, é que teriam passado pelo Porto Real da Passagem e por conseguinte, então sim, fundado aquele primitivo núcleo habitacional, gérmen de São João del-Rei, no território do atual Matosinhos. A respeito dessa interpretação ver HENRIQUES (2003).
[3] - A Bandeira das Esmeraldas não foi a primeira a entrar em Minas, mas a primeira que trilhou todo o chamado Caminho Geral do Sertão. Não seria absurdo afirmar que esse caminho foi aberto ou inaugurado pela gente de Fernão Dias. Antes dela, houve: em 1601 a bandeira de André de Leão, que atingindo o Rio Verde no sul de Minas, tomou rumo noroeste, passando pelos rios Grande e Jacaré, até um rio das cabeceiras do São Francisco; em 1611, Diogo Gonçalo Laço, pelo sul de Minas; em 1646, Felix Jaques, que também explorou o sul mineiro.
[4] - Filho do português João Portes del-Rei e da Sra. Juliana Antunes. Casou-se com Juliana de Oliveira.  Para maiores dados sobre a família de Tomé e sua participação na história local ver: Origens históricas de São João del-Rei. Org. André Dangelo. Belo Horizonte: BDMG Cultural, 2006.
[5] - Por se tratar de assunto complexo, friso, que essa data, 1701, é confirmada ou repetida, por vários autores, todos referenciados na bibliografia: Geraldo Guimarães, José Cláudio Henriques, José Bellini dos Santos, Paulo Cristófaro & Gentil Palhares, Luís de Melo Alvarenga, Osvaldo Santiago Lobosque, Altivo Lemos Sette Câmara (apoiado em Basílio de Magalhães – Manual de História do Brasil), José Bernardo Ortiz, Eduardo Canabrava Barreiros. A mesma data também surge na Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1959. V.27, Minas Gerais, R-Z. Verbete: São João del Rei.
[6]  - Um estudo notório dessa contenda foi efetuado por Eduardo Canabrava Barreiros, Episódios da Guerra dos Emboabas e sua Geografia, Ed. Itatiaia (BH) / USP (S.P), 1984. 

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