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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Período crítico das festas: paralisação

Suspensão das Festas

           
            As festas de Matosinhos foram sempre agigantadas. Mudaram de feição no começo do século XX, em virtude da excessiva infiltração de jogos de azar.

Em 1923 a festa foi precedida pelas santas missões em 3 de maio. Com um novo padrão se distanciou do esquema popular original [1]:

Na quinta feira ultima, dia 3 de maio, consagrado á santa Cruz com grandes festas, terminaram as missões em Mattosinhos. Nesse dia realizou-se linda procissão, na qual tomaram parte, formando em alas e empunhando vistosos estandartes, cerca de mil moças e oitocentos homens, sem falar do grande acompanhamento. A procissão percorreu quasi todos os recantos de Mattosinhos, ora entoando o hymno de Bento Ernesto, para ella escripto especialmente, ora ao som da banda do 11º Regimento, tendo durante o dia, abrilhantado a festa a banda S. Francisco, do Gymnasio Santo Antonio. A capella, fartamente illuminada e completamente reformada, apresentava vistoso aspecto. Foi grande a affluencia de povo alli, principalmente no ultimo dia, em que os trens e autos trafegaram repletos.

No ano seguinte uma ordem a proibiu, alicerçada na justificativa da imoralidade trazida pelos jogos, conforme referido no tópico anterior.

Contudo esta proibição foi efêmera e no mesmo ano a festa acabou sendo realizada, porém a 14 de setembro (dia da Exaltação da Santa Cruz), noticia a imprensa, sob o título de “A Renovação da S. Missão e a Festa de N. S. Bom Jesus de Mattosinhos” [2]. Foi celebrada pelo missionário redentorista Pe. Affonso Theyssen, auxiliado pelos sacerdotes franciscanos. O texto focaliza a liturgia, os discursos eclesiásticos, o poder dos sacramentos e números, muitos números, de fiéis, confissões e comunhões. Não há relato algum de festa popular ou atos extralitúrgicos. O modelo era ainda o mesmo começado no ano anterior.

            Tal texto nos dá uma pista sintomática do novo controle sacerdotal nestes trechos que grifei:

Já se permitte prever a agglomeração de devotos e romeiros que virão vizitar o sanctuario de Nosso Senhor Bom Jesus no proximo anno vindouro quando a bulla, já no poder de S. Excia Snr. Arcebispo Diocesano, for publicada, concedendo ao Sanctuario de Matthosinhos durante oito dias, precedentes a 3 de Maio todos os annos o privilegio de JUBILEU. (...) Tomaram-se providencias consistindo por oras em eleição da Meza, constituida de festeiros, muitos juizes e juizas que opportunamente será convertida em commissão fundadora e executora do primeiro anno do jubileu de Nosso Senhor Bom Jesus de Mattosinhos, chefiada pela propria Auctoridade Ecclesiastica.”

            Observar que já se usava o termo santuário para designar a capela de Matosinhos, que de fato só se tornou um em 2004.

            Não achei nenhuma notícia das festas de 1925 e 1926. Supõe-se que tenham sido sem brilhantismo, razão de não merecerem qualquer atenção da imprensa.

            Em 1927 foi um tanto aristocrática, filtrada de seus elementos folclóricos típicos, seguindo à liturgia romana. Tinha nova fisionomia, com três imperadores e três imperatrizes, a saber: 1º- capitão Avelino Guerra, 2º- coronel Delphino B. Castanheira, 3º- coronel Arnobio Caldeira Franco; 1ª- “Exas.sras.dd.” Flavia Ribeiro de Magalhães, 2ª- Luiza Rosa Vieira de Castro, 3ª- Clarice Castanheira de Almeida Netto. É o que nos dá conta o hebdomadário são-joanense O Correio, com o visto do vigário José Maria Fernandez. Notar que as personagens eram pessoas influentes. Também nos demais cargos aconteceu o mesmo. O alferes da bandeira foi um tenente nesse ano. A lista de pessoas foi tão grande, que o jornal dividiu sua divulgação em três edições. Na de 07/05/27 (n.35), saíram os personagens do primeiro dia festivo: imperadores, imperatrizes, alferes da bandeira, pajens do estoque, caudatários, mordomos, irmãos de mesa, secretários, tesoureiros, procuradores; na de 21/05/27 (n.37), do 2º dia: juízes, juízas, irmãos e irmãs de mesa, secretários, tesoureiros, procurador; na de 28/05/27 (n.38), do 3º dia de festa, com os mesmos cargos do dia anterior, porém com pessoas diferentes.

            Ainda esse jornal publicou a esdrúxula crônica “Mattozinhos: pagina futurista”, assinada por alguém oculto sob o pseudônimo de “Fou-Touriste” [3]. Relata que houve muita gente em idílio nas barraquinhas. Não faltaram fogos de artifício, música, leilão, luzes, bandeirolas, autos, toques de sinos, comes-e-bebes, apresentação de “O Guarani” no coreto, prisões e libertações fraudulentas. Tanta gente veio da cidade para o arrabalde, que, garante o signatário, “Mattozinhos virou São João”. Atesta ainda que houve alguns jogos, “listas, rifas, bilhetinhos, sortes ...”.

            Também surgiu uma notícia de 1929, sob o título de “Festas Religiosas”, provando mais uma vez que a festa não paralisou [4]:

Com grande pompa, preparam-se os festejos de Mattosinhos, os quaes promettem ser muito animados. Para isso, a commissão organizadora não tem poupado esforços e sacrificios percorrendo o commercio com listas devidamente autorizadas pelo vigario da parochia, padre José Maria Fernandez. Publicaremos brevemente, o programma.

            Outro registro apareceu em 1931, intitulado “Festa de Mattosinhos”  [5]

A Bilheteria da Oeste de Minas, vendeu para os trens de suburbio, durante os 3 dias de festas, 9891 passagens. Contando as pessoas que viajaram por auto-omnibus e a pé, pode se affirmar que Mattosinhos teve, este anno, uma frequencia de 15.000 romeiros.

            Mas apesar dos números impressionantes a festa já perdera o esplendor de outros tempos. Havia o anseio de revitalizá-la, tanto que manchetes do jornal Folha Nova deram grande destaque à festa de 1932. Em virtude desta ênfase, num lapso, deduziram alguns pesquisadores, que a festa ‘proibida’ em 1924 reiniciou nesse ano, quando na verdade ela não parou de fato, mas sim, repito, modificou-se [6]:

Teremos neste ano, já marcadas para 16-17-18 de Maio, as tradicionais e queridas festas de Matosinhos. O jubileu do pitoresco arrabalde atrai milhares de visitantes e devotos. Os festeiros já estão providenciando para que em 1932 sejam brilhantes as festividades.
*  *  *
A festa de Matozinhos é uma das nossas tradições mais caras. Neste ano ela será realisada com a pompa dos dias de antanho.

            Apesar dos esforços não conseguiram devolver às festividades seu saudoso aspecto. A romanização alcançara seu objetivo. A partir de 1932 a festa desaparece por completo da imprensa, em parte por ter decaído, outro tanto pelas mudanças dos tempos, deslocando as atenções dos jornalistas para eventos políticos, para casos internacionais e para o desenvolvimento da cidade. Senão isto, tudo indica que a partir de então, a festa esteve de fato um tempo paralisada, pelo menos até 1949, quando um movimento a reativou.

* Texto: Ulisses Passarelli


[1] - A Tribuna, n. 471, 06/05/1923.
[2] - Acção Social, n. 487, 18/09/1924.
[3] - O Correio, n. 39, 04/06/27
[4] - A Tribuna, n. 976, 05/05/29.
[5] - A Tribuna, n. 1.074, 31/05/31.
[6] - Folha Nova, n. 6, 10/04/32 e n. 10, 08/05/32. 

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