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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Pastorinhas das Águas Férreas

Pastorinhas do Menino Jesus [1]

            As representações pastoris do natal brasileiro vieram da Europa, via Portugal, onde existem desde o século XIV. Suas raízes formadoras estão nos evangelhos, especialmente o de São Lucas.
            No Brasil assumiram diferentes formas, ora mais, ora menos folclóricas, algumas quase esquecidas (baile pastoril), outras em franco desuso (lapinha) e outras sobrevivendo com dificuldades (pastoril nordestino e pastorinhas do Sudeste).
            Em São João del-Rei / MG, ainda persistem dois grupos: um no Bairro das Fábricas e outro no Bairro Tijuco, no lugar chamado Águas Férreas. Informaremos sobre este segundo conjunto, organizado por Júlia Maria de Lacerda e Geraldo Elói de Lacerda, desde os anos 1977-8, aproximadamente.
            O casal é muito ligado aos folguedos do povo: assistindo ao grupo de pastorinhas do distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, hoje desativado, fundaram um grupo nos mesmos moldes nas Águas Férreas, continuando a tradição daquela vila. Acrescentaram por conta própria outros cantos e personagens, destacando também suas capacidades criativas.
            Conjunto modesto está formado por meninas de 7 a 10 anos em média, dispostas em duas alas de pastoras, trajadas de blusa e lenço no cabelo brancos, saia e lenço no pescoço de tecido enxadrezado vermelho claro e escuro, e um aventalzinho azul-escuro ou vermelho, conforme a fila. Calçam preferencialmente tamancos ou sandálias. Cada uma traz um bastão, possível imitação de cajado. É feito em madeira aproveitada de cabos de vassouras, tendo um extremo chapinhas metálicas presas, trespassadas por um prego. (No geral são tampinhas de refrigerante batidas até achatar.).
            As pastoras, cinco em cada cordão, batem os bastões no chão marcando o ritmo da música com a percussão e ainda conseguem um efeito idiofônico com a vibração das chapinhas.
            Três crianças se destacam à frente do grupo. Um menino de túnica parda, cruzada em diagonal por uma faixa marrom, representa São José. Calça sandálias e traz nas mãos lírios e uma sacolinha de pano vermelho (embornal), onde depositam as esmolas angariadas. É ladeado por uma garotinha vestida de anjo, segurando nas mãos um globo – representação da Terra – recoberto de papel dourado e prateado, com uma cruz em cima. E a seu lado uma menina representa a Virgem Maria, com vestido branco, manto azul-celeste, longo, pano branco cobrindo os cabelos. Traz um cesto preso ao pescoço por uma faixa, contendo uma imagem do Menino Jesus, entre rendas e flores.
            Apresentações mais antigas traziam também três meninos, representando os Magos do Oriente, e ainda outro garoto no papel do Velho Simeão, com trajes de semita e cajado à mão. Foram personagens introduzidos, ausentes no modelo original, informam os organizadores.
            Nas primeiras apresentações carregavam à frente uma bandeira de folia de Reis, prática logo abandonada.
            Os instrumentistas vem atrás, vestidos de branco, com um colete e uma boina cor de vinho. Na lapela vem a inscrição “PMJ”, bordada em linha amarela, sigla do grupo: “Pastorinhas do Menino Jesus”. São quatro homens, tocando sanfona, violão, pandeiro e surdo. Sr. Geraldo cuida do surdo, “Juca”, irmão de D. Júlia, vem com o violão, e esta senhora vai ao lado das pastoras tocando triângulo, “puxando” o canto e mantendo a ordem. Os outros músicos variam com o ano. A maior dificuldade do grupo é conseguir sanfoneiro.
            O conjunto é de louvor e peditório. Caminham pelas ruas, sem cantar, e param em várias casas, cantando nas salas. O período é o do Natal ao dia de São Sebastião (20 de janeiro).
            Chegando numa casa cantam as pastoras:

Chegamos nesta casa
Nesta data tão querida
com amor e alegria,
viemos te visitar,
trazendo o Menino Deus - BIS
pedindo ao Menino Deus - BIS
sempre em nossa companhia!
para seu lar abençoar!

            Entre cada quadra há um solo instrumental.
            Solicitam óbolos:

A Estrela do Oriente
(Refrão - bisado:)
e a chegada dos três Reis,
Vinde, vinde,
onde está o Menino Deus? ,
todas pastorinhas;
filho de Nossa Senhora...
pede uma esmola
visitando sua casa
para o Deus Menino!
e pedindo uma esmola!


            Esta parte é repetida até ganharem o donativo.
            A música interrompe. Fala o Velho Simeão: “Foi ali naquela gruta, aonde os anjos cantavam: Glória a Deus nas alturas! E paz na Terra aos homens de boa vontade... Maria, eis aí o teu Filho!”
            Volta a música. Agradecem a esmola:

Deus lhe pague a boa esmola,
Dada de boa vontade,
Lá no céu terás o pago - BIS
Da Santíssima Trindade!

            Antes ou depois do pedido de esmola podem inserir este louvor:

Pastorinhas são contentes,
Com amor e alegria,
Festeja o Menino Deus, - BIS
Filho da Virgem Maria.

            Vimos também uma cena curiosa: chegando diante de um presépio, interromperam a música de pastorinhas e tocaram música de folia de Reis. Os adultos do grupo cantaram, em toada folieira, versos em louvor ao presépio. Disseram que é obrigação cantar pelos três versos de louvor.
            Pode haver um intervalo, ocasião que os donos da casa ofertam doces, balas, confeitos, refrigerantes. Após servirem agradecem o agrado e vão se retirando:

Obrigada, boa gente,

Pastorinhas pede a Deus 

pela sua cortesia;
a Santíssima Trindade,
Deus que fique com vocês - BIS
que lhe dê muita saúde, - BIS
e vá em nossa companhia.
muita paz, felicidade!

            Sendo muito bom o benefício recebido, carinhosa a receptividade e nas casas dos conhecidos, cantam ainda:

Dona da casa será abençoada,
Porque o Senhor vai derramar o seu amor!
Derrama, óh Senhor! (três vezes)
Derrama sobre nós o seu amor!

            É aproveitamento de uma conhecida música religiosa de igreja e rezas. Vão substituindo as bênçãos: as pastorinhas serão abençoadas, os tocadores, fulano, etc.
            Havendo espaço desenvolvem uma coreografia simples, cruzando as duas filas e voltando em seguida aos mesmos lugares. Sempre percutindo os bastões no chão.
            E partem rumo a outro lar, para louvar o Natal e colher espórtulas[2].




O grupo se apresentando na Estalagem (Praça N.S.de Fátima), no Bairro Tijuco, 25/12/1992.  
Notas e Créditos

* Texto, acervo e fotografias: Ulisses Passarelli
** Obs.: estas fotos não faziam parte da publicação original [1]



[1] - In: Carranca, Belo Horizonte, Comissão Mineira de Folclore, n.23, jul./1997, p.8.
[2] - Após a publicação deste texto o grupo paralisou as atividades por um tempo só a retomando no ano 2000 e desde então se mantém, exceto por eventuais questões de saúde que impediram algumas saídas, mas prossegue, graças aos esforços da sra. Júlia e do auxílio de seu esposo sr. Geraldo e algumas poucas pessoas abnegadas. Tem ainda as mesmas características ressalvando-se estes detalhes: o Velho Simeão não é mais representado. Os Reis Magos ressurgiram mas apenas na apresentação do dia 6 de janeiro (Dia de Santos Reis). Juca (José Leonardo de Paula), exímio instrumentista, ora no violão, ora no banjo, infelizmente faleceu em 05/12/2005, deixando uma saudade inapagável no grupo dada sua extrema dedicação e pelo parentesco. Passaram a se apresentar também no meio do ano durante a Festa do Divino do bairro de Matosinhos, ocasião na qual as pastorinhas carregam numa das mãos uma bandeirola com a efígie do Espírito Santo. O citado grupo que havia no Bairro das Fábricas está desativado a muito. Resta dizer as ofertas angariadas pelo grupo são tratadas com muita honestidade por parte dos organizadores e são destinadas a obras de caridade, motivo inicial da sua fundação. 



Um comentário:

  1. Meu prezado Ulisses,

    Aqui, http://diretodesaojoaodelrei.blogspot.com.br/2012/12/em-sao-joao-del-rei-estrela-guia-no-ceu.html , neste humilde registro da presença e participação das expressões populares do Natal na cultura de nossa São João del-Rei, uma singela reverência ao seu grandioso trabalho.

    Grande abraço.

    Emilio.

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