Pastorinhas do Menino Jesus [1]
As representações pastoris do natal
brasileiro vieram da Europa, via Portugal, onde existem desde o século XIV.
Suas raízes formadoras estão nos evangelhos, especialmente o de São Lucas.
No
Brasil assumiram diferentes formas, ora mais, ora menos folclóricas, algumas
quase esquecidas (baile pastoril), outras em franco desuso (lapinha) e outras
sobrevivendo com dificuldades (pastoril nordestino e pastorinhas do Sudeste).
Em
São João del-Rei / MG, ainda persistem dois grupos: um no Bairro das Fábricas e
outro no Bairro Tijuco, no lugar chamado Águas Férreas. Informaremos sobre este
segundo conjunto, organizado por Júlia Maria de Lacerda e Geraldo Elói de
Lacerda, desde os anos 1977-8, aproximadamente.
O
casal é muito ligado aos folguedos do povo: assistindo ao grupo de pastorinhas
do distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, hoje desativado, fundaram um
grupo nos mesmos moldes nas Águas Férreas, continuando a tradição daquela vila.
Acrescentaram por conta própria outros cantos e personagens, destacando também
suas capacidades criativas.
Conjunto
modesto está formado por meninas de 7 a 10 anos em média, dispostas em duas
alas de pastoras, trajadas de blusa e lenço no cabelo brancos, saia e lenço no
pescoço de tecido enxadrezado vermelho claro e escuro, e um aventalzinho
azul-escuro ou vermelho, conforme a fila. Calçam preferencialmente tamancos ou
sandálias. Cada uma traz um bastão, possível imitação de cajado. É feito em
madeira aproveitada de cabos de vassouras, tendo um extremo chapinhas metálicas
presas, trespassadas por um prego. (No geral são tampinhas de refrigerante
batidas até achatar.).
As
pastoras, cinco em cada cordão, batem os bastões no chão marcando o ritmo da
música com a percussão e ainda conseguem um efeito idiofônico com a vibração
das chapinhas.
Três
crianças se destacam à frente do grupo. Um menino de túnica parda, cruzada em
diagonal por uma faixa marrom, representa São José. Calça sandálias e traz nas
mãos lírios e uma sacolinha de pano vermelho (embornal), onde depositam as
esmolas angariadas. É ladeado por uma garotinha vestida de anjo, segurando nas
mãos um globo – representação da Terra – recoberto de papel dourado e prateado,
com uma cruz em cima. E a seu lado uma menina representa a Virgem Maria, com
vestido branco, manto azul-celeste, longo, pano branco cobrindo os cabelos.
Traz um cesto preso ao pescoço por uma faixa, contendo uma imagem do Menino
Jesus, entre rendas e flores.
Apresentações
mais antigas traziam também três meninos, representando os Magos do Oriente, e ainda
outro garoto no papel do Velho Simeão, com trajes de semita e cajado à mão.
Foram personagens introduzidos, ausentes no modelo original, informam os
organizadores.
Nas
primeiras apresentações carregavam à frente uma bandeira de folia de Reis,
prática logo abandonada.
Os
instrumentistas vem atrás, vestidos de branco, com um colete e uma boina cor de
vinho. Na lapela vem a inscrição “PMJ”, bordada em linha amarela, sigla do
grupo: “Pastorinhas do Menino Jesus”. São quatro homens, tocando sanfona,
violão, pandeiro e surdo. Sr. Geraldo cuida do surdo, “Juca”, irmão de D.
Júlia, vem com o violão, e esta senhora vai ao lado das pastoras tocando
triângulo, “puxando” o canto e mantendo a ordem. Os outros músicos variam com o
ano. A maior dificuldade do grupo é conseguir sanfoneiro.
O
conjunto é de louvor e peditório. Caminham pelas ruas, sem cantar, e param em
várias casas, cantando nas salas. O período é o do Natal ao dia de São
Sebastião (20 de janeiro).
Chegando
numa casa cantam as pastoras:
Chegamos
nesta casa
|
Nesta
data tão querida
|
com amor
e alegria,
|
viemos te
visitar,
|
trazendo
o Menino Deus - BIS
|
pedindo
ao Menino Deus - BIS
|
sempre em
nossa companhia!
|
para seu
lar abençoar!
|
Entre
cada quadra há um solo instrumental.
Solicitam
óbolos:
A Estrela
do Oriente
|
(Refrão - bisado:)
|
e a
chegada dos três Reis,
|
Vinde,
vinde,
|
onde está
o Menino Deus? ,
|
todas
pastorinhas;
|
filho de
Nossa Senhora...
|
pede uma
esmola
|
visitando
sua casa
|
para o
Deus Menino!
|
e pedindo
uma esmola!
|
|
Esta
parte é repetida até ganharem o donativo.
A música
interrompe. Fala o Velho Simeão: “Foi ali naquela gruta, aonde os anjos
cantavam: Glória a Deus nas alturas! E paz na Terra aos homens de boa vontade...
Maria, eis aí o teu Filho!”
Volta
a música. Agradecem a esmola:
Deus lhe
pague a boa esmola,
Dada de boa
vontade,
Lá no céu
terás o pago -
BIS
Da
Santíssima Trindade!
Antes ou depois do pedido de esmola
podem inserir este louvor:
Pastorinhas são contentes,
Com amor e alegria,
Festeja o Menino Deus, - BIS
Filho da Virgem Maria.
Vimos
também uma cena curiosa: chegando diante de um presépio, interromperam a música
de pastorinhas e tocaram música de folia de Reis. Os adultos do grupo cantaram,
em toada folieira, versos em louvor ao presépio. Disseram que é obrigação
cantar pelos três versos de louvor.
Pode
haver um intervalo, ocasião que os donos da casa ofertam doces, balas,
confeitos, refrigerantes. Após servirem agradecem o agrado e vão se retirando:
Obrigada,
boa gente,
|
Pastorinhas pede a Deus
|
pela sua
cortesia;
|
a
Santíssima Trindade,
|
Deus que
fique com vocês - BIS
|
que lhe
dê muita saúde, - BIS
|
e vá em
nossa companhia.
|
muita
paz, felicidade!
|
Sendo
muito bom o benefício recebido, carinhosa a receptividade e nas casas dos
conhecidos, cantam ainda:
Dona da
casa será abençoada,
Porque o
Senhor vai derramar o seu amor!
Derrama, óh
Senhor! (três
vezes)
Derrama
sobre nós o seu amor!
É aproveitamento de uma conhecida
música religiosa de igreja e rezas. Vão substituindo as bênçãos: as pastorinhas
serão abençoadas, os tocadores, fulano, etc.
Havendo
espaço desenvolvem uma coreografia simples, cruzando as duas filas e voltando
em seguida aos mesmos lugares. Sempre percutindo os bastões no chão.
E
partem rumo a outro lar, para louvar o Natal e colher espórtulas[2].
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O grupo se apresentando na Estalagem (Praça N.S.de Fátima), no Bairro Tijuco, 25/12/1992. |
Notas e Créditos
* Texto, acervo e fotografias: Ulisses Passarelli
** Obs.: estas fotos não faziam parte da publicação original [1]
[1] - In: Carranca, Belo Horizonte, Comissão Mineira de Folclore, n.23,
jul./1997, p.8.
[2] - Após a publicação deste texto o
grupo paralisou as atividades por um tempo só a retomando no ano 2000 e desde
então se mantém, exceto por eventuais questões de saúde que impediram algumas
saídas, mas prossegue, graças aos esforços da sra. Júlia e do auxílio de seu
esposo sr. Geraldo e algumas poucas pessoas abnegadas. Tem ainda as mesmas
características ressalvando-se estes detalhes: o Velho Simeão não é mais
representado. Os Reis Magos ressurgiram mas apenas na apresentação do dia 6 de
janeiro (Dia de Santos Reis). Juca (José Leonardo de Paula), exímio
instrumentista, ora no violão, ora no banjo, infelizmente faleceu em
05/12/2005, deixando uma saudade inapagável no grupo dada sua extrema dedicação
e pelo parentesco. Passaram a se apresentar também no meio do ano durante a
Festa do Divino do bairro de Matosinhos, ocasião na qual as pastorinhas
carregam numa das mãos uma bandeirola com a efígie do Espírito Santo. O citado
grupo que havia no Bairro das Fábricas está desativado a muito. Resta dizer as
ofertas angariadas pelo grupo são tratadas com muita honestidade por parte dos
organizadores e são destinadas a obras de caridade, motivo inicial da sua
fundação.
Meu prezado Ulisses,
ResponderExcluirAqui, http://diretodesaojoaodelrei.blogspot.com.br/2012/12/em-sao-joao-del-rei-estrela-guia-no-ceu.html , neste humilde registro da presença e participação das expressões populares do Natal na cultura de nossa São João del-Rei, uma singela reverência ao seu grandioso trabalho.
Grande abraço.
Emilio.