Festa
do Divino: 237 anos de caminhada
Foi em 1774 que se iniciaram as comemorações
festivas na primitiva igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, cuja construção
começara só quatro anos antes. Ou pelo menos esta é a data mais remota
conhecida até o momento das pesquisas.
Seu crescimento foi vertiginoso como
prova o breve pontifício do Papa Pio VI, de 1783, concedendo a condição de
jubileu perpétuo a uma festa ainda tão nova, recém-implantada. Fato admirável.
Existem poucas notícias sobre a
festa do Divino do período colonial dificultando seu estudo. Sabe-se que ela
perseverou ano a ano alcançando grande popularidade. Atingiu um período por assim dizer áureo no
Brasil Império, repleta de atrações folclóricas e musicais, capazes de lotar o
largo da bucólica igrejinha, trazendo gente de São João e toda vizinhança. A
maria-fumaça foi um importante veículo de transporte de romeiros no final do
século XIX e começo do seguinte.
É importante ressaltar que nesta
fase antiga o jubileu era um só, festejando juntos Divino Espírito Santo (no
Domingo de Pentecostes), Senhor Bom Jesus de Matosinhos (segunda-feira
subseqüente) e Nossa Senhora da Lapa (terça). Não havia a festa de setembro,
implantada somente na metade do século XX.
Contudo o festejo teve sua
fisionomia alterada pela invasão de bancas de jogos de azar até um ponto de
abafar sua religiosidade, pelo que culminou com um ato proibitivo no ano de
1924, por ordem do então arcebispo de Mariana (São João del-Rei ainda não
sediava diocese), Dom Helvécio Gomes de Oliveira.
É bem sabido hoje que a jogatina não
foi bem o único motivo da paralisação da festa. O processo de romanização que implantado
pela Igreja teve um peso forte neste ato. Idealizava-se por assim dizer
uniformizar o catolicismo ao modo romano, desligando-os das práticas
populares.
Também é verdade que a festa não
acabou, mas sim mudou por completo de sentido, de aspecto, seguindo a um padrão
comum, senão mesmo sem graça, desprovida de atrativos. Apagou-se como evento
cultural e evangelizador. Era não mais que uma lembrança tênue do dia da efusão
do Espírito Santo sobre os apóstolos, data litúrgica lembrada pela Igreja em
todo mundo, mas comemorada em Matosinhos neste período tristonho por poucos
fiéis abnegados dos arredores da igreja. Daí dizer-se que ficou 74 anos
paralisada.
Ocorre quem em 1997 o então pároco
de Matosinhos, Padre José Raimundo da Costa idealizou introduzir um grupo de
congado na procissão daquele Pentecostes, tendo convidado o de Coronel Xavier
Chaves. A iniciativa inusitada (ou melhor inspirada!) foi a semente de todo o
processo de recuperação da festividade, posto que no ano seguinte, sob sua
orientação e na coordenação do exímio artista santeiro Osni Paiva, se reuniu a
convite um grupo de pessoas interessadas em “resgatar” a Festa do Divino.
Aquele pequeno grupo de festeiros superou em curtíssimo prazo de tempo
dificuldades de todo tipo para que em maio de 1998 o jubileu em honra ao
Paráclito pudesse acontecer com todo êxito.
Mesclando história e modernidade ano
a ano voltou a festa a ter grande brilhantismo, promovida pela Comissão do
Divino, conseguindo congregar em torno de um mesmo ideal as manifestações
folclóricas que tanto enriquecem o jubileu. Seu sucesso contribuiu dentre
outras coisas para a elevação da matriz de Matosinhos à condição de santuário
diocesano.
A Comissão do Divino está já na sua
quinta presidência pois é sempre relevante a renovação de idéias e ações para a
dinâmica da festa e já passou pelo comando de vários imperadores, que felizmente
ainda temos a grata felicidade de tê-los todos vivos, conhecedores do peso
daquela coroa que merece tanto respeito, conselheiros dos rumos festivos.
Fica consignado neste texto o meu
respeito e gratidão aos nossos pioneiros, primeiro ao Padre José Raimundo da
Costa, grande mentor deste jubileu e a Osni Paiva, seu maior artífice, bem como
àqueles fundadores da Comissão do Divino, pequeno grupo de fiéis idealistas que
acreditaram nesta proposta e se entregaram à sua realização. Que todos aqueles
que a consolidaram e a mantém tenham sempre em mente a mesma diretriz e fé sem
a qual a festa não renasceria das cinzas.
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Largo de Matosinhos no dia maior do Jubileu do Divino. |
* Texto: Ulisses Passarelli
** Foto: Iago C.S. Passarelli, 2012.
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