Breves notas sobre o folclore de São João del-Rei
A diversidade
cultural brasileira prende-se à nossa grande miscigenação étnica e aos
processos de nossa formação histórica, econômica e social. A complexidade é
gigantesca e no Brasil continental todo este legado teve oportunidade de se
miscigenar em sangue e saber, tendo a vastidão da natureza como meio físico
inspirador para sua evolução e troca de experiências. Na filtragem secular dos
saberes a cultura popular consolidou-se com pujança. Não é portanto de se
admirar que o folclore florescesse com tamanho viço como aconteceu no Brasil.
Em Minas
Gerais também é este o panorama da cultura popular. Nossas Folias (de Reis, de
São Sebastião, do Divino, etc.) e Congados (Congos, Moçambiques, Catupés,
Marujos, Caboclinhos, Candombes, Vilões)são oriundos deste caldeamento
étnico-cultural e povoam todos os rincões mineiros.
A tricentenária São João del-Rei é reconhecida pela amplitude de seu
patrimônio cultural. Não foi por acaso que recebeu em 2007 o título de Capital Brasileira da Cultura. Na música é um expoente, no toque
dos sinos idem, bem como nas tradições religiosas praticadas em suas históricas
igrejas, com destaque para a linguagem dos sinos, as novenas, celebrações e
cortejos processionais. O patrimônio ferroviário aqui presente nos enaltece,
não obstante o declínio das ferrovias brasileiras. Nesta “Cidade dos Sinos”, emoldurada pelo
casario colonial, também a cultura popular é muito bem representada.
Todos os ramos do folclore podem ser aqui
bem observados, tais como culinária regional, lúdica infantil, literatura
popular, danças folclóricas, crenças e superstições, artes e técnicas,
artesanato, festejos populares e rituais da religiosidade popular.
A Festa do Divino que aqui tem o status de jubileu perpétuo, graças a um
breve pontifício do Papa Pio VI, datado de 1786, possui um passado glorioso de
intensa atividade religiosa-cultural, que declinou nos meados do século XX para
ser reativada em 1998. Desde então tem sido um momento muito especial de
evangelização e um dos mais importantes
eventos para o folclore são-joanense nos últimos dez anos, quando se
congregam no santuário diversos grupos folclóricos, entre congados, folias, pastorinhas e danças-das-fitas, além de outras atrações, que se unem com o
objetivo de festejar o Divino.
Seu colorido e musicalidade são sem
dúvidas um atrativo turístico. Esta festa extrapola bastante os limites do
Bairro de Matosinhos, que a sedia, para abraçar a cidade toda e na verdade
ganha um ar regional, pelo imenso poder congregador.
Em especial
sobre as folias e os congados, pode-se afirmar que são manifestações
profundamente arraigadas à religiosidade popular e que contam com um histórico
de ocorrência antiga nesta região mineira e por conseguinte estão muito
enraizadas.
Acontecem
sobretudo em dois momentos: as folias, como peditórias e itinerantes, visitam
as casas cantando louvores ao Espírito Santo da Páscoa a Pentecostes (folia do
Divino) ou ao nascimento de Jesus e episódios correlatos do Natal ao Dia de
Reis (folia de Reis) ou ainda ao martírio de São Sebastião, de 7 a 20 de
janeiro, portanto em seqüência (folia de São Sebastião). Os congados em marcha
pelas ruas e visitando igrejas, surgem na Festa do Divino (maio-junho) e nas do
Rosário (agosto-novembro). Esse é o tempo. Fora este, só em esporádicas
apresentações dispersas ao longo do ano. Mas quem de fato quiser conhecer há de
assisti-los em seu ambiente, à sua época própria. Aí são espontâneos,
demonstram a sua verdade.
No quadro
atual estas manifestações folclóricas enfrentam severos problemas frente às
acentuadas questões trazidas pela globalização, as fortíssimas mudanças sociais
carreando novos valores, outras concepções de vida e de vivência com o elemento
religioso. Para sua salvaguarda, além de se suprir as necessidades materiais
dos grupos folclóricos, há uma questão mais profunda que chama todos à
responsabilidade: o respeito humano. Felizmente nossos folieiros e congadeiros
estão aprendendo a se auto-valorizar como artistas populares. Os dançantes de
fato dão tudo de si para a conservação de seus grupos. São pessoas humildes,
que muitas vezes gastam o que não podem para mantê-los. Felizmente contudo a
visão destas necessidades vem se ampliando e o apoio ora dado é maior que
noutros tempos.
Os
participantes desses grupos folclóricos são heróis da cultura popular, que por
diversas gerações vem mantendo estas tradições.
Felizmente na
cidade de São João del-Rei, a Festa do Divino tem sido um ícone da valorização
destas manifestações e as folias prosseguem, com sete grupos na zona urbana e
cinco na rural, plenamente ativas, além de cinco congados na zona urbana (um
dos quais surgidos neste ano) e três na rural (dois centenários e um de 2007),
prova de que na Capital da Cultura o folclore viceja com esplendor.
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Cartuchos de amêndoa da Festa de São Miguel Arcanjo.
São Miguel do Cajuru (São João del-Rei / MG).
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Notas e Crédito
* Texto e fotografia (1999): Ulisses Passarelli
** Obs.: esta fotografia não faz parte da publicação original deste artigo.
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