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Fruta do lobo ou lobeira. |
O povo brasileiro, sendo uma mescla cultural de várias etnias, delas herdou muitas receitas de fórmulas e técnicas adotadas de forma empírica para tratar a saúde. Algumas se valem propriamente das substâncias químicas de fonte animal e vegetal, extraídas por meio de esfregaços, decocção, infusão, trituração, emplastros, unguentos, mastigação da folha para extrair o sumo e garrafadas; outras, como as simpatias, se apegam a receitas atreladas a crenças de natureza espiritual, que confiam num certo poder de cura.
Muitas vezes esse saber da "medicina popular" tem sido menosprezado pela ciência, mas o povo se vale dele o tempo todo, por vezes em paralelo ao tratamento alopático, colocando mais fé na ciência do mato. Há mesmo quem busque os chás, as raízes a vida toda, evitando ao máximo o medicamento industrializado.
Existem riscos nesse uso por não se saber com exatidão as dosagens, efeitos colaterais, interações medicamentosas, farmacocinética, farmacodinâmica, presença de alcaloides, grau de toxicidade. No mais o nome popular das espécies varia com as regiões e a perfeita identificação das espécies é tarefa de especialista. Assim sendo não recomendo o uso, mas registro o saber popular que o envolve.
Seria de alto interesse para o país a pesquisa séria dessa homeopatia popular. Muitas vezes foram revelados importantes princípios ativos para o desenvolvimento industrial de medicamentos. Mas certamente existe na nossa vastidão territorial, com tantos ecossistemas, um grande número de produtos naturais a se descobrir. Talvez sejam o caminho de cura para muitas doenças que hoje desafiam a humanidade. Não é à toa que diversas vezes ouvimos rumores de estrangeiros de olho em nossas plantas medicinais. Mais tarde pagaremos caro por uma tecnologia que deixamos de pesquisar.
Apresenta-se a seguir uma pequena coleta gentilmente informada pelo sr. José Campos, radicado em São João del-Rei, natural de Macaia, distrito de Bom Sucesso, a quem agradeço e ofereço.
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Maracujá silvestre |
- Gripe: beber o caldo de um limão espremido numa dose de pinga (cachaça).
- Gripe e tosse: cozinhar três folhas da fruta cítrica lima-doce, com uma pitada de sal. Tomar morno.
- Pneumonia: usar sumo do assa-peixe branco com uma pitada de sal, bebendo-o.
- Ferida, erisipela: ferver urina de criança abaixo de 10 anos com folhas de fumo (tabaco) e banhar a parte afetada.
- Diabetes: esfregaço em água de folhas de isopo (mané-turé), para tomar de manhã bem cedo.
- Bronquite: um porção pequena de gordura de capivara dissolvida num copo de café bem quente.
- Otite: aplicação de sementes de laranja da terra masseradas, contidas dentro de um pano fino. Para tirar dor de ouvido, deixa-se pressionado sobre a região da entrada da tuba auditiva.
- Bócio: pega-se uma fruta do lobo (Solanum lycocarpum) madura e põe-se na brasa. Depois de um tempo, logo que esfriar um pouco, espremer o sumo dentro da boca, para curar a "papeira".
- Rins: para limpeza dos rins usa-se tomar frio o chá de folhas da panacéa.
- Amigdalite, faringite: ferver folhas de amora-branca (rosaceae) e quando estiver morno, gargarejar para melhorar dor de garganta.
- Estrepada: para extrair um pequeno pedaço de pau ("estrepe") acidentalmente fincado dos pés (que se não for tirado a ferida não fecha), aplicar em cima da área afeta um pão velho embebido em leite, afixado por um envoltório de pano. Isto ajuda a puxar o corpo estranho, para que aflore na pele e possa assim ser retirado.
- Rendido: para curar quebradura (hérnia) do indivíduo "rendido", a simpatia é na sexta-feira, levar o sujeito ao mato onde exista um pé de maracujá-silvestre (Passiflora, a flor da Paixão) ou de cipó de São João (Pyrostegia venusta). Estira-se uma rama sem cortá-la e tira-se uma "média" da pessoa, ou seja, a medida da circunferência da pessoa ao nível mais largo do corpo (ombros ou barriga), formando uma circunferência correspondente no cipó. No local que a ponta do cipó encontra com a haste, formando o aro, descasca-se com canivete, sem cortar, e se encosta e envolve com uma fita bem ajustada a ponta do cipó com a haste descascada, consolidando o aro. O doente deve então ser passada por completo três vezes dentro dessa circunferência, da cabeça para os pés, com a ajuda de uma pessoa. Repete-se em mais duas sextas consecutivas usando-se a mesma planta. A medida que a ponta se fundir à parte descascada, formando com ela um todo em nova casca, a hérnia também vai fechando.
Da esquerda para a direita: amora-branca, panacéia e isopo.
Para saber mais leia também:
* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotos: do informante, Iago C.S. Passarelli (19/04/2014) e dos vegetais, Ulisses Passarelli (01 e 02/05/2014)
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