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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




terça-feira, 6 de maio de 2014

Caquende homenageia o lavrador

Conforme anunciado neste blog, concluiu-se dia 04 de maio, o VII Encontro da Cultura Popular do Povoado do Caquende, em São João del-Rei/MG. Não obstante desde edições anteriores fosse dada grande atenção às atividades da vida rural, em 2014, de modo temático, concentraram-se as homenagens em torno do trabalho rurícola, transcorrendo em clima ordeiro e animado. 

A ampla programação iniciada dia 30 pp. foi coroada neste domingo com a participação de diversos grupos culturais convidados. Estiveram presentes os congados de Carrancas, Conceição da Barra de Minas, Santa Cruz de Minas, Prados e São João del-Rei (quatro, a saber: Solar da Serra, Matosinhos e dois de São Gonçalo do Amarante). Marcou presença também com cantoria muito afinada a folia de Reis do povoado de Coqueiros (Nazareno). Outrossim se apresentaram um grupo de capoeira são-joanense, o "Filhos de Joana d'Arc" e a muito tradicional banda de música de nosso distrito, São Miguel do Cajuru. 

Os grupos ao chegar, visitaram a capela da padroeira, Nossa Senhora do Carmo. Após os louvores, vieram a uma grande tenda armada ao lado. Nela foi montado um fogão à lenha, o tempo todo fumegando café. Mais ao lado, um altar improvisado expunha aos devotos uma imagem da Senhora do Monte Carmelo, continuamente venerada pelos dançadores e visitantes. Daí o nome "Café Caipira com a Padroeira", que constou na programação. Caipira, posto que, na mesa ao largo, serviram em peneiras de taquara e gamelas de pau, deliciosos biscoitos de fubá, outros de polvilho e ainda pedaços de mandioca e inhame cozidos, muito consumidos nas roças. Servidos à vontade, os fiéis tocaram e cantaram pelo amplo gramado, muito aprazível. 

Ao fundo se via um cercado em quadra onde foram fincados muitos pés de milho espigados, secos, no ponto de colheita e montado um pequeno rancho de capim, desses que se usava na roça para guardar marmitas e água fresca. Como um cenário, essa roça de improviso serviu de palco à representação de um grupo de lavradores, simbolizando a homenagem ao homem do campo. A partir da tenda, sob cantoria, acompanhados por todos os grupos e visitantes, foram ao roçado. Antes de entrar, rezaram para São Bento, patrono contra as cobras e demais bichos peçonhentos. Aberta a tronqueira, entraram no roçado e se puseram a quebrar milho, envergando as plantas para arrancar as espigas. Pelas tantas, simulando o que de fato se passa nos mutirões de colheita, chegaram as mulheres, trazendo o agrado: gamela cheia de pedaços de broa de coalhada, chaleira de café quente, servido em canecos esmaltados, um caldeirão de angu doce, servido por uma colher de pau numa palha de milho como se fosse um pires. E, é claro, a cachaça, bebida nacional típica. Picaram fumo a canivete e enrolaram seus cigarros de palha, " paiózin' ".

Vencida a colheita, recolheram o milho em balaios trançados de taquara. Um carro de bois, trazido de São Sebastião da Vitória, encostou junto à roça e carregou as espigas. Deu um giro na praça, com os agricultores de carona, sob aplausos gerais. Rumo à tenda, o milho foi descarregado aos pés do mastro de Nossa Senhora do Rosário, onde também foi deposto o facão, o balaio e mais ferramentas agrícolas. Gratidão. O homem rural ensina ao da cidade a alegria da fartura e da benesse celeste. A maior de todas as  festas é a colheita, certeza de dever cumprido, garantia do sustento da família. A terra retribui o carinho e o suor. 

Dançam então o engenho novo, uma dança muito antiga e tradicional, conhecida em outras partes do centro-sul do país, mas em franco desaparecimento. Já se pode considerá-la uma raridade. Entrelaçados, em redor do milho e do mastro, alegraram-se, cantaram, e, dançando, envolveram os visitantes num momento notavelmente interativo. 

Foi marcante então a apresentação do grupo anfitrião, o "Pilão de Inhá", com suas mulheres de saiões e lenços à cabeça, ora peneirando arroz ora a socar pilão, numa evocação de tempos idos de preparo do alimento sem multiprocessadores. 

Cada congo, catupé, moçambique, folia, capoeira teve seu momento individual sob a tenda, sendo homenageados em particular com sua medalha de reconhecimento. Tiveram também o saboroso almoço, com o inconfundível tempero da roça, que eleva o nome da cozinha mineira. 

O salão esteve aberto à visitação com venda de artesanato local e exposição de peças antigas, de uso rural e fotografias da comunidade, inclusive do celebrado time de futebol do lugar. 

O evento notável cumpriu em plenitude o objetivo de reunir os valores da cultura popular. As manifestações folclóricas encheram o povoado de alegria na justa homenagem ao lavrador, esse brasileiro sofrido e esquecido. Tudo no encontro foi pensado para ambientar seu mundo tradicional, com pilões, gamelas, cabaças, velhos bules esmaltados. Sua cultura permanece viva no Caquende e encontrou no sr. Vicente Mário dos Santos o baluarte, o festeiro, o idealizador dessa festa consistente, bem organizada, transbordando méritos. Ele, junto com toda a equipe do Pilão de Inhá e dos lavradores estão de parabéns, pela reunião conjunta de esforços para o bem comunitário. Lideranças como Lia e familiares, Cida, Hugo Teixeira e tantas outras pessoas, em verdadeiro mutirão se reuniram com um só objetivo, notavelmente alcançado. Esta união é que torna a festa sagrada. Irmandade comemorando a colheita, festejando a vida. 

Sr.Vicente, festeiro e mentor do encontro.
Folia de Coqueiros sai da Capela do Carmo.
Cortejo dos grupos culturais. 
Placa composta com sementes coladas, na entrada da exposição.
Grupo de lavradores que representaram o ritual de colheita.
Colhendo milho. 
Enrolando o cigarro de palha. 
Intervalo da colheita: hora de uma pinguinha e do café com broa. 
Angu doce, servido na palha do milho. 
O carro de bois vem buscar o milho colhido.


* Texto: Ulisses Passarelli.
** Fotos: Iago C.S. Passarelli, 04/05/2014.
*** Agradecimentos especiais: a Thiago Morandi.


Um comentário:

  1. Texto emocionante relata uma festa da cultura telúrica que brota da terra, vira semente e alimenta a vida. Parabéns! Ao autor e à comunidade de Caquende, que promoveu a festa e reuniu grupos culturais de toda a região.

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