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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 14 de maio de 2014

Cava, lugar assombrado

Cava é um corte num morro ou barranco dando continuidade a uma estrada vicinal, não pavimentada, para evitar um desvio. Rasgada na terra a enxadão e picareta, é sempre rudimentar, esburacada, barrenta, deslizante.


Cava antiga e abandonada nas Três Praias, São João del-Rei. 
Atravessar uma cava exige cuidados nas preces pois é lugar fatídico.

Nas festas de roça, um congado só passa por uma cava depois de se benzer na entrada, com cantos, rezas e a coreografia de meia-lua. Do contrário, o grupo desafina a cantoria, rebenta couro de caixa, rompe corda de viola, o capitão esquece os versos, congadeiro desentende, tem dor de cabeça, canseira incontrolável, até desmaia.

Ficou afamado a mais de meio século o Capitão Barnabé, de um catupé do povoado da Cachoeira, distrito de Coronel Xavier Chaves. Dizem, que ele deixava uma mandinga preparada numa cava, por baixo de uma raiz da árvore do óleo-vermelho, que aflorava sobre a poeira. Seu alvo era o outro catupé do município, um congado do Bairro Tanque, hoje Vila Fátima. Quando o capitão supostamente rival passasse por ela, seria afetado (*). Corria estória que “Barnabé” era endiabrado e tinha parte com o capeta. Chegando numa porteira, pulava-a até mesmo estando de costas para ela, numa rapidez de admirar. Já do outro lado abria a porteira para seu congado passar. Para desviarem do trabalho bravo de Barnabé era preciso passar pelo campo afora, sem entrar na cava, saindo da estrada...

Nas estórias sobrenaturais é o lugar místico mais propício à aparição de espectros e acontecimentos estranhos. Nela  fazem feitiços perigosos. Se o sujeito não tiver anjo da guarda firme e não souber rezas fortes, não se dá bem.

É nas cavas que a montaria empaca misteriosamente... por mais que o cavaleiro fustigue o animal com o chicote ele se recusa a seguir adiante (porque está enxergando uma invisão, visagem, assombro: o espírito guardião da cava). A tropa ao passar por ela, pode se desorganizar, pela desorientação da égua madrinheira, que vai à frente; pode rebentar uma correia de sustentação de carga, ou os cargueiros começarem a brigar. O carro de bois trava, geme dobrado, sai fumaça no cocão, quebra canzil. A boiada estoura; o sensitivo passa mal... Cava é assim.


Notas e Créditos

* O capitão da guarda de Coronel Xavier Chaves no primeira metade do século XX era "Romualdo", depois substituído por "Carioca".

** Informantes: diversos, sobretudo saudosos capitães de congado de São João del-Rei: Altamiro Ponciano, José Camilo da Silva e Luís Santana.

*** Texto e foto (2003): Ulisses Passarelli

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