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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




segunda-feira, 29 de setembro de 2014

São Miguel, arcanjo guardião

O dia de hoje é consagrado ao respeitadíssimo Miguel, o arcanjo, o santo, aquele que segundo  a Bíblia expulsou satanás do céu (Ap. 12, 7). É lembrado, venerado ou respeitado em várias religiões em muitas partes do mundo: em várias correntes do cristianismo (catolicismo romano e ortodoxo, adventistas, testemunhas de Jeová, mórmons, anglicanos, luteranos, na fraternidade branca), no judaísmo, no islamismo, no espiritismo. 

No Brasil, nos terreiros de religiões de matriz africana, goza de imenso prestígio. Vi em 2002 sua invocação antes de começar sessões de quimbanda na região do Cassoco, no centro de São João del-Rei. Nos terreiros e tendas de umbanda via de regra sua imagem está em posição de destaque e ganha uma vela branca na abertura dos trabalhos, pois recebe o título de Rei Chefe da Umbanda, elevadíssimo supervisor geral de todas as linhas e falanges de espíritos. 

Prestigiado pelos católicos sob o título "Glorioso Príncipe da Milícia Celeste" é considerado líder da corte angelical e comandante dos exércitos divinos. É invocado contra espíritos do mal, nos exorcismos, e em sufrágio das almas, de quem é guardião. O demônio estremece diante de seu nome e poder, sendo ele fidelíssimo a Deus, elevadíssimo na esfera hierárquica celeste.

Pesa nossos pecados e méritos com muita justiça, procedimento decisivo para o julgamento final. Daí ser representado com uma balança na mão. Tem o poder de resgatar almas aprisionadas em locais de sofrimento, de acordo com a ordem suprema e merecimento. 

Diante destes atributos e do título bíblico de "Um dos Primeiros Príncipes" (Dan. 10, 13), seria de fato esperado sua extrema popularidade, com reflexos nas expressões religiosas e folclóricas. 


Pintura popular no verso de uma camisa de congadeiro de
Santa Cruz de Minas, representando São Miguel subjugando o demônio - 2014.



Em Santa Cruz de Minas foi fundado no ano de 2004 um congado em honra ao glorioso arcanjo pelo Capitão Luís Pereira dos Santos, mais tarde passado para o Capitão Danilo Francisco de Assis, em cujas mãos permanece. A fotografia acima mostra a parte das costas da camisa de um congadeiro desse grupo, com a pintura popular representativa do patrono daquele catupé. O grupo pode ser visto retratado abaixo.


O congado de São Miguel, em Santa Cruz de Minas - 2004. 

Na Candonga (Tiradentes/MG), durante a festa da padroeira neste ano, foi benta a Gruta de São Miguel, uma iniciativa comunitária sob a liderança e idealização de Luís Pereira do Santos, congadeiro supracitado. Idealiza-se levantar uma festa para o arcanjo naquela localidade.


Gruta de São Miguel, Candonga (Tiradentes/MG), 2014.


A devoção a este santo é muito arraigada nas Vertentes. Em São João del-Rei a Irmandade de São Miguel e Almas data de 1716 e persiste atuante na Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar, cuidando da festa em sua honra. O altar de São Miguel neste magnífico templo é o altar lateral da direita, com a grande e antiga imagem do santo ao centro, aqui retratada, de autoria desconhecida, que se diz ter pertencido à igreja velha do Pilar que houve no Bonfim antes da construção da catedral (1721). É ladeada por dois outros arcanjos, Gabriel e Rafael, de confecção recente por artistas da terra (*). A irmandade está relacionada também à devoção às almas, tanto que num escudo neste altar se encontra a pintura alusiva ao purgatório e ainda, às segundas-feiras, se responsabiliza pela missa em sufrágio aos mortos.

Imagem de São Miguel Arcanjo.
São João del-Rei, Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar.

A festa em questão, em São João del-Rei, é antecedida por um tríduo noturno, seguido da celebração festiva, ouvindo-se músicas sacras orquestradas, de Geraldo Barbosa de Souza, João Feliciano de Souza, Martiniano Ribeiro Bastos e Padre José Maria Xavier, executadas pela Lira Sanjoanense. A procissão no dia principal, conta com a saída do grande andor com as imagens dos três arcanjos no dia 29 de setembro, com acompanhamento pela Banda de Música Theodoro de Faria. A festa porém prossegue com uma nova procissão, ou antes rasoura, dedicada aos Anjos da Guarda, dia 02 de outubro, com grande participação de crianças. 


Imagem de São Miguel Arcanjo.
São Miguel do Cajuru
(São João del-Rei) - 1999.



Na zona rural o maior destaque é a devoção que lhe é atribuída no distrito de São Miguel do Cajuru desde tempos iniciais da mineração aurífera nesta vila são-joanense. Aí foi erigida a capela, hoje matriz, de São Miguel Arcanjo, que ainda hoje sedia importante festividade capaz de congregar grande parte da população rural daqueles arredores. A programação é intensa e concorrida e a tradição de se fincar um mastro ao santo querido permanece. 


Mastro de São Miguel Arcanjo.
São Miguel do Cajuru
(São João del-Rei) - 2000. 



Em Santa Cruz de Minas recolhi certa feita uma versão do Romance de São Miguel, uma composição poética popular, cantada, que narra como o arcanjo, atendendo a um pedido de Nossa Senhora, vai até o inferno acompanhado de três anjos para resgatar uma alma tomada por satanás (**): 


"_ Ôh Miguel, ôh, Miguel!
Leva três anjos na guia,
vá buscar aquela alma, 
traz na tua companhia!

_ Ôh, de casa, ôh de casa!
(O inferno estremeceu...)
Vim aqui, buscar uma alma,
que Jesus Cristo me deu!

_ Vai-te, embora, ôh Miguel 
que essa alma eu não te dou,
que ainda ontem faz três dias
que essa alma aqui chegou!

_ Eu daqui não saio,
nem que passa quinze ano,
que ainda ontem faz três dias
dessa alma reclamando...

_ Ôh, gente, venha ver
o milagre de Maria, 
ontem estava no inferno, 
hoje no céu de alegria."


Existem outras versões regionais deste canto notável, como ouvi na Candonga (Tiradentes) e Santa Rita do Ibitipoca (***). Desta última:  


"Ôh, Miguel, tu vai no inferno, 
leva três anjos na guia
vai apanhar aquela alma
traz na tua companhia. 

Ela agora está sofrendo, 
já pagou o que ela fez, 
Agora chegou a hora
e chegou a sua vez." 


A Oração de São Miguel é reveladora das esperanças que o povo fiel nele deposita: 


"São Miguel Arcanjo, 
valei-nos no combate,
contra os embustes e ciladas do demônio!
Ordene-lhe, Deus,
instantemente pedimos, a vós, São Miguel Arcanjo,
digníssimo Príncipe da Milícia Celeste: 
precipitai no inferno a satanás
e aos outros espíritos malignos que andam pelo mundo a perder as almas!
São Miguel, São Gabriel, São Rafael ...
Milícias todas do céu, 
legião dos anjos da bem-aventurada Virgem Maria, 
rogai por nós e valei-nos. 
Amém." 


O grande guerreiro Miguel desta forma marcou profundamente o imaginário popular. As tradições cristãs fizeram dele o guardião supremo, invencível, de ação fulminante e irrevogável. Como diz o Livro de Enoch, ele "preside à virtude dos homens e comanda as nações" (19: 5) e quem for seu inimigo terá Deus por inimigo, segundo o Alcorão (2: 98). 

Referências na Web

Miguel (arcanjo). Wikipédia. Acesso em 29/09/2014.

Referência Bibliográfica

Bíblia Sagrada. São Paulo: Ave Maria, 1965.
O Alcorão. Tradução Mansour Chalita. Rio de Janeiro.
O Livro de Enoch: o livro das origens da cabala. São Paulo: Hemus, 1977. 212p.
Piedosas e solenes tradições de nossa terra. São João del-Rei: Paróquia da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar, 1997. v.2. 


* Escultura: Miguel Randolfo de Ávila. Policromia: Carlos Magno de Araújo. Datam de 1981.
** Informante: Elvira Andrade de Salles, 1995, moradora de Santa Cruz mas natural da zona rural de Bias Fortes. 
*** Informante: Júlio Prudente de Oliveira, 1996. 
**** Texto e fotos: Ulisses Passarelli
***** Foto da camisa com pintura de S. Miguel: Iago C.S. Passarelli, 07/06/2014.

Um comentário:

  1. Encontrei enfim o que procurava, este bendito que um antigo vizinho cantava quando eu era criança, hoje tenho 40 anos e moro no Ceará, interessante notar a diferença de região (Nordeste, Sudeste) mas a tradição é a mesma. Brasil rico em devoção.

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