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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Ganzá, o ritmo raspado

Ganzá ou canzá é um instrumento musical idiofônico. No Sudeste o ganzá é um instrumento musical raspado, do grupo dos reco-recos; no Nordeste é outro, sacudido, do grupo dos xique-xiques, muito usado no complexo das cantorias de coco, que embalou a inspiração de muitos poetas, artistas, músicos, repentistas, estudiosos da cultura nordestina. Mas para os limites geográficos abordados por este blog o presente texto se centrará no canzá de raspar, reco-reco. 

Ao que parece é de uso muito antigo no país, desde os primórdios da colonização.  Uma referência do ano de 1552, do Colégio dos Meninos de Jesus, na Bahia, os alunos tocavam à moda índia, "con taquaras que son umas canas grossas con que dan en el suelo e con que hacen cantar", segundo referência de TINHORÃO (2000). Mas existem evidências da possível procedência africana deste reco-reco: em Angola, o povo de etnia chokwe usa um reco-reco chamado "dicanza" extremamente semelhante aos nossos canzás (*). 

Para nós é um reco-reco feito de um gomo de bambu, fechado nos dois extremos pelos próprios tampos naturais do colmo. Nele se entalham cortes transversais (denteado), sobre os quais se risca uma vareta produzindo o som. 

Segura-se num extremo, apoiando-o na palma da mão e o outro extremo se apóia no ombro, tendo, daí, fitas pendentes, de adorno, que pendem para as costas. Pode ter ainda papel picotado colado ao longo de seu comprimento e flores artificiais na ponta, adornando-o.

Muito usado nos congados, sobretudo nos catupés, aparecendo às vezes em bom número, gerando até um estilo musical, o “catupé raspado”, onde seu efeito idiofônico está em especial evidência (Oliveira/MG). Grupos de congos também o adotam com frequência, como vemos por exemplo em São João del-Rei, Itutinga, Carrancas, Passa Tempo e Desterro de Entre Rios.  

Exitem ganzás grandes, feitos com pedaços longos de bambu (**), outros nem tanto; uns finos, outros de maior calibre, dando cada qual um som de timbre diferente.

Usa-se geralmente aos pares, alinhando em parelha os tocadores nas filas de dançantes, daí chamarem outrossim “casal” (São João del-Rei, 2000) ou “cansal” (Passa Tempo, 2003). 

Alguns congadeiros acreditam que além da função musical, o ganzá oferece firmeza ao congado pois segundo se diz, nos tempos do cativeiro, os escravos sem recursos para adquirir outros instrumentos, tinham de se valer para suas atividades culturais de instrumentos rudes, feitos com matéria-prima achada no mato ou de refugo nas fazendas. O ganzá reproduz o som antigo, original dos congados antigos, do tempo dos antepassados. É como se invocasse sua lembrança ou presença. Uma das firmezas é jogar um punhado de fubá dentro do oco do ganzá. A medida que o congadeiro raspa o instrumento o pó do fubá vai caindo pelo caminho, o que se acredita que vá desfazendo maldades de inimigos (São João del-Rei, 2013). 

Em alguns lugares de Goiás chamam-no “marimba”, nome que pode levar a uma confusão com a verdadeira marimba, espécie de xilofone que os africanos legaram ao Brasil. 

Canzás sendo tocados num congo de Passa Tempo/MG, 2013.
Conjunto de ganzás num congo de Itutinga/MG, 2004.
Congo de Carrancas/MG, vendo-se congadeiros tocando ganzás. 2004. 


Referência Bibliográfica


TINHORÃO, José Ramos. As festas no Brasil Colonial. São Paulo: Ed.34, 2000. 176p.il. p.31.


Notas e Créditos

* Ver: A Cultura dos Chokwe. InPágina Web de Pedro Cabrita, https://pedrocabrita.wordpress.com/importante-conhecer/arte-e-cultura-2/a-cultura-dos-chokwe/ Acesso em 30/12/2015, 07:59h
** Em casos isolados surgem canzás feitos de outros materiais: tubo de cano de PVC, osso bovino ou equino.
*** Texto e fotos: Ulisses Passarelli
**** Para exemplo do uso do ganzá, assista ao vídeo abaixo, participação do congado de Cláudio/MG na Festa do Divino de São João del-Rei, no Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, 24/05/2015. Vídeo: Iago C.S. Passarelli; edição e acervo: Ulisses Passarelli. 




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