Antigamente, nos enterros de roça, não usavam caixão como hoje. Quando morria alguém nos sítios e localidades humildes, um parente ou amigo mandava um mensageiro sair às pressas até um carapina para encomendar um caixão. Pela noite os homens na banca faziam o caixão e o revestiam de pano roxo e galão. O defunto vinha da zona rural de
padiola, espécie de estrado improvisado, coberto por um lençol, sempre branco.
Na entrada da cidade ou vila onde houvesse cemitério, os fabricantes do caixão estavam esperando com o macabro produto de seu trabalho. Ali o cortejo fúnebre parava e transferiam o corpo respeitosamente para o caixão. A padiola era jogada fora no mato e o falecido entrava na área urbana mais bem posicionado no caixão.
Ocorreu certa vez, fazem muito anos, que na zona rural de Bias Fortes faleceu uma mulher já madura, por nome ... Naquele dia um cavaleiro tinha ido à cidade e voltava já tarde para a roça, fora de hora, se guiando pelo caminho graças ao clarão da lua cheia.
Em dado ponto do caminho, próximo à casa da falecida, viu um lençol branco estendido no chão do caminho. Estranhou. Foi chegando perto, o lençol alçou voo, rente ao solo, caminho afora, aparentemente lento. Mas o homem era abusado. Queria tirar a limpo aquele caso misterioso: impôs galope à montaria e tanto mais corria, mais rápido o lençol voava tremulando. A ideia do cavaleiro era açoitar o lençol.
Emparelhado à casa donde saíra a falecida, o lençol desceu morro abaixo e pairou na frente da porta da cozinha. Ali, como que por encanto desapareceu de súbito deixando estupefato o cavaleiro que enfim se certificou que o lençol não era uma brincadeira de gaiato puxando-o amarrado num cordão, mas sim uma aparição sinistra da alma daquela mulher que morrera, que ainda não fora encaminhada para a salvação.
Notas e Créditos
*Texto: Ulisses Passarelli
** Informante: José Cândido de Salles, Santa Cruz de Minas, setembro/2000.
*** Obs.: o causo do lençol branco que voa, simbolizando uma alma, tem difusão além da geografia desta narrativa. Na estrada do Caburu, por exemplo, em São João del-Rei, quase chegando na vila de São Gonçalo do Amarante, existe, à beira da estrada, à direita de quem vai para aquele distrito, uma antiquíssima passagem de uma velha cava, caminho de outrora de cavaleiros, boiadeiros, tropeiros. Ali existe a "Porteira da Volta", com fama de assombrada, onde, dizem, os incautos são perseguidos por um lençol esvoaçante (inf.: Dorival Caim de Paula, outubro/2014). Esta cava é parte do caminho antigo de São João a São Gonçalo, via Águas Gerais.
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