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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Uma doce tradição: os cartuchos de amêndoas

A famosa "cozinha mineira" é tão simples e ao mesmo tempo tão complexa... Uma tradição muito arraigada em São João del-Rei e cidades vizinhas é a confecção de amêndoas açucaradas, encartuchadas em cone, para venda comum na própria residência de quem as faz, ou fornecida a algum estabelecimento comercial, tanto mais, nas próprias vias públicas dispostas sobre bancas de armar, mormente diante das igrejas por ocasião das festas religiosas. Reza a tradição que tais amêndoas são de origem portuguesa. 

Os cartuchos de amêndoas constituem uma antiga tradição alimentar dos festejos são-joanenses. Festeiros os encomendam às cartucheiras (doceiras especializadas em fazê-las), que dominam esta arte culinária e os distribuem com especificidade: aos reis, rainhas, príncipes e princesas das Festas do Rosário (durante o ritual da chamada); aos membros de irmandades e confrarias (durante a cerimônia de posse); às crianças que saem nas procissões vestidas de anjos e virgens. Tanto mais, durante os festejos católicos tradicionais no centro histórico é frequente ver bancas armadas sobre a calçada ou junto dela, revestida de toalha, sobre a qual as cartucheiras expõe seus cartuchos à venda do público comum. Mais que uma mera exposição, os cartuchos são colocados em uma disposição, ou seja, organizados de tal forma que fiquem mais atrativos. Para além, as cartucheiras fornecem seu produto para alguns bares, que os põe à venda dentre os doces tradicionais (canudo, cajuzinho, noz fingida, etc.)

 

GAIO SOBRINHO (2006) apontou mais um emprego em São João del-Rei: 

 

"o costume de brindar aos anciãos que figuravam de apóstolos na cerimônia do Lava-pés, na quinta-feira santa, com um grande cartucho de amêndoas, lindamente colorido e enfeitado. Era uma atração a mais do cerimonial que, há alguns anos, foi interrompida, sabe-se lá por que razões, da mesma maneira que os anciãos apóstolos foram substituídos, com enorme perda de verossimilhança, por meninos coroinhas embatinados." (sic, p.18)

 

O autor registrou detalhadamente a técnica de produção, bastante trabalhosa e que detém o conhecimento do "ponto" exato que as amêndoas ficam prontas, algo que as cartucheiras adquirem com a experiência passada de uma geração para a outra. 

 

Sua confecção é de cunho caseiro, artesanal, em tachos de cobre, com amendoim e coco, açucarados em calda, com aspecto granulado, ou melhor, floculado. Os cartuchos em si são cônicos, feitos em papel ofício, com pinturas populares de motivos florais, em padrões característicos de cada vendedor. Na banca a vendedora os organiza em pilhas simétricas ou raiações, para melhor efeito estético do produto. 

 

Nas festas da zona rural aparecem cartuchos em vez de pintados, revestidos de camada de papel-crepon picotado em alças e franjas, conferindo um aspecto sui-generis

 

É mister destacar que por força da tradição a produção e venda dos cartuchos se configura como uma atividade feminina no contexto da cultura popular.

 

Como acontece com outros produtos típicos (da culinária ou não), o cartucho goza de elevada atratividade. Despertam no visitante a curiosidade de experimentar algo eclético em relação à sua própria cultura; provar o diferente; saborear um alimento incomum. Por outro lado, no autóctone, o cartucho evoca os sabores do passado, a recordação de tempos pueris, quando os pais o traziam à procissão e o cartucho era ganho como agrado ou recompensa. O cartucho de amêndoas, assim, se reveste de memórias.

 

Impregnado de beleza singela, mas instigante dos padrões florais personalizados, pintados no papel dos cartuchos, tal arte tem um caráter efêmero: o cartucho sem amêndoas não tem qualquer função. É apenas amassado e jogado ao lixo. A arte se desfez, mas seu papel foi cumprido no ato de atrair o comprador.


        Como parte de um conjunto o cartucho adentra no campo das festas tradicionais de forma componencial a elas e assim amplia sua atratividade ao turismo evocando o pitoresco. O cartucho engrossa a lista de elementos culturais capazes de tornar a culinária típica como atrativo turístico. 


1- Banca de cartucheira montada durante a Festa de Nossa Senhora do Carmo,
São João del-Rei, 16/07/2014.  Ao fundo, um tradicional carrinho de pipocas.

2- Detalhe dos cartuchos da banca da fotografia 1, destacando-se
a intensidade do colorido e a pintura com motivos florais. 

3- Detalhe da uniformidade da pintura dos cartuchos e a
caprichosa organização dos mesmos sobre a banca.
São João del-Rei, década de 1990. 

4- Uma banca com cartuchos tradicionais e ao lado, amêndoas de
menor tamanho ensacadas. São João del-Rei, em frente a Catedral do Pilar.

5- Banca de cartuchos fotografada na Quinta-feira Santa de 2014,
durante a Visitação das Igrejas, diante da Catedral do Pilar. 

6- Cartuchos de amêndoas revestidos de papel picotado.
Festa de São Miguel Arcanjo, 29/09/1999.
São Miguel do Cajuru (São João del-Rei/MG).


Notas e Créditos 

* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotografias: 1, 2 e 5 - Iago C.S. Passarelli; 3, 4 e 6: Ulisses Passarelli
*** Obs.: artigo revisto e ampliado em 21/05/2017 e 12/11/2021, inclusive com inserção de mais fotografias.


Referências Bibliográficas

GAIO SOBRINHO, Antônio. São João del-Rei: 300 anos de histórias. [s.l. ; s.n.], 2006. 196p. Um gostinho de saudade nos cartuchos de São João del-Rei, p.17-19. 

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