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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A festa antes da elevação a santuário

 Os festejos de 1998 a 2003


            A parte folclórica-religiosa iniciou-se na pascoela (designação portuguesa da semana seguinte à páscoa), quando começaram a sair às ruas e à zona rural as folias do Divino, em jornada de visita às casas, anunciando o jubileu e arrecadando donativos.

            Concomitantemente o cavaleiro do Divino marchou solitário pelos rocios, com as mesmas funções de uma folia a não ser a da parte musical.

            Enquanto folias e cavaleiro jornadeavam pelo município, os preparativos para a festa estão a todo vapor. A comissão corre atrás dos últimos detalhes, compras, patrocínios, questões organizacionais, pintura dos mastros, montagem do coreto, etc.

            Uma atração acontecida apenas em 2003, acerca de um mês antes da festa, foi o leilão de gado, realizado nas dependência do matadouro municipal, em Matosinhos. Procuradores de gado, previamente designados por cartas de apresentação, percorreram a zona rural do município arrecadando bezerros, garrotes, leitões e galinhas. Apareceram também prendas diversas, tudo leiloado em favor da festa. Josino Inácio do Nascimento foi o leiloeiro. O local foi enfeitado com um estandarte do Divino. O evento foi anunciado nas emissoras de rádio locais e alertado na hora por seguidos rojões.

            Na Quinta-feira da Ascensão, pelas 18 horas, os caixeiros precedidos pela bandeira do Paráclito, rumaram para a residência do imperador coroado onde rufaram em sua homenagem. Depois da merenda que ele lhes ofertaram o conduziram para a matriz onde todos assistiram à missa. Ao fim da celebração entronizaram a imagem do Divino no altar-mor.     
                  
            A novena processou-se dividida em duas fases: nos seis primeiros dias como reflexões comunitárias, em cada comunidade paroquial e só nos últimos três dias na matriz, de 1998 até 2002. De 2003 em diante todos os dias passaram a ser na matriz.

            A cavalgada do Divino transcorreu dentro do período compreendido pela novena e serviu de anúncio à festa. Percorreu as vias principais.

            Os três últimos dias da novena tiveram a designação de tríduo preparatório. As atividades foram noturnas. De dia, fugiu à rotina apenas o repique festivo de sinos da matriz e alguns fogos de artifício que ali se soltaram às 12, 15 e 18 horas.

A quinta-feira foi consagrada a Santana[1].

Pelas 18 horas, na gruta do Divino, esteve reunida a comunidade local para a novena (que ocorre paralela à de Matosinhos embora pertença a outra paróquia – São Francisco de Assis). Foi erguido, ao seu término, um mastro ao Espírito Santo, entre a gruta e o cruzeiro que a ladeia. Na seqüência outro mastro, também do Divino, foi fincado junto ao salão da Conferência de Santa Clara. O evento foi bem restrito, sem concorrência. O acompanhamento musical variou com os anos (folia, congado, caixeiros ou sem acompanhamento). Houve fogos de artifício avulsos.

A missa das 19 horas foi de responsabilidade do grupo de Renovação Carismática Católica. Atraiu muitos fiéis, carismáticos ou não. Durante a celebração, o quadro do Espírito Santo e o de Santo Antônio ficaram juntos ao altar. Estes quadros foram erguidos nos mastros. Sobre o altar estiveram as insígnias do Divino (que aí ficaram nos três dias do tríduo). Ao término ocorreu a novena. Uma vez encerrada o sino tocou e alguns fogos avulsos foram soltos.

Na porta principal se postou em dupla fila a irmandade do Santíssimo Sacramento dessa paróquia, com os ciriais encabeçando cada ala e o cruciferário ao centro e à dianteira. O padre abençoou os quadros e procedeu-se uma rasoura com eles, acompanhada pelos fiéis e pelo(s) congado(s) da cidade [2]. Contornando o adro, a pequena procissão chegou aos buracos abertos no vasto pátio, guarnecidos cada um por uma vela acesa. Neles se fincou primeiro o grande mastro do Espírito Santo e na sequência o de Santo Antônio [3]. O momento foi de muita prece dos fiéis e de efusiva alegria. Os sinos dobraram. O vigário deu uma bênção. Fogos espoucaram.

O levantamento dos mastros foi o momento em que os rituais folclóricos se consolidaram, mas também passaram por experiências adaptativas. Em 1998 foram erguidos pelos congadeiros na véspera de Pentecostes, o mastro do Divino ao centro e  ao seu redor dois outros, um de cada grupo presente – de N. S. do Rosário e de S. Benedito. No ano seguinte foi mantido neste dia, mas ausente o mastro de S. Benedito. De 2000 em diante o levantamento foi adiantado para a quinta-feira e desde então se mantém. A partir de 2003 foi abolido o do Rosário, que só passou a ser permitido no Dia Maior.

            A sexta-feira do tríduo foi consagrada ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos. A celebração foi por intensão dos folieiros e congadeiros vivos e falecidos. Trata-se de uma missa inculturada, com inovações anuais sobre o mesmo fio condutor. Tem sido uma atividade de grande êxito no jubileu. Sua iniciativa foi do “Grupo de Inculturação Afro-descendentes Raízes da Terra” [4], de características parafolclóricas e paralitúrgicas, com acentuada atuação da tradicional família Neves, que tem sido um dos baluartes da manutenção das tradições culturais e religiosas da cultura popular.

O sábado, véspera de Pentecostes, teve programação mais numerosa. Pelas 15 ou 16 horas, de 1999 a 2002, houve o anúncio feito pelo alferes da bandeira no centro histórico. O cargo era então ocupado pelo mesmo cavaleiro do Divino que também compareceu montado, contudo, trouxe o cavalo enfeitado com plumas à testa, e outros atavios. O cavaleiro vestiu calça branca, botas pretas de cano alto, jaquetão de veludo com alamar, dragonas, botões dourados, bordados amarelos na lapela. Chapéu tricorne revestido do mesmo veludo, cor de vinho, com debruns dourados; ou um chapéu à espanhola, do mesmo material, quebrado de um lado, com uma pluma afixada.

            Percorreu as ruas antigas do centro da cidade, segurando o estandarte do Divino, em marcha compassada, acompanhada por uma banda de música. A passeata anunciatória sai do Largo Tamandaré (Praça Severiano de Resende), Rua Marechal Deodoro, Travessa Lopes Bahia, Largo do Carmo, Largo da Cruz, Largo das Mercês, Rua Monsenhor Gustavo (ladeando a catedral), Largo do Rosário, Ponte do Rosário, Rua da Prata (atual Rua Pe. José Maria) e termina no Largo de São Francisco. Tal anúncio se inspirou naquele de outrora que ficou célebre na véspera festiva, quando uma banda tocava pelas ruas da cidade até Matosinhos.

            Da monumental Igreja de São Francisco de Assis, partiu às 17 horas a Procissão do Imperador Perpétuo, Santo Antônio de Pádua. Esse horário foi adotado a partir de 2001. Antes ocorria às 16 horas. Na festa de 1998 (organizada heroicamente em apenas três meses) não houve tempo hábil para ser organizada. A liteira saiu da casa do imperador com o cortejo imperial, no domingo. No ano seguinte saiu a procissão, o que seria impossível sem o apoio e compreensão da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis. Antes da saída, o sacerdote convidado, padre Antônio Claret Albino, procedeu à bênção de um milheiro de pães doados por fiéis, que mais tarde foram distribuídos à porta da matriz de Matosinhos. A dificuldade em consegui-los não possibilitou mais que fossem distribuídos pães bentos nas festas consecutivas.


Imagem de Santo Antônio da
Igreja de São Gonçalo Garcia.
Usada como representação do Imperador Perpétuo
nas primeiras procissões após o resgate.
            A estrutura processional foi a seguinte: na dianteira, o alferes da bandeira a cavalo; logo a seguir, ao centro e à frente, o cruciferário (membro da irmandade do Santíssimo de Matosinhos), ladeando-o, à direita e à esquerda, como abre-alas, os ciriais (idem); o povo em sequência em duas filas paralelas; ao centro, entre as filas, foram crianças vestidas de anjos e virgens e pessoas carregando as bandeiras do Divino em fila dupla, puxadas pelo mordomo da bandeira e tendo na retaguarda o mordomo da coroa, com um estandarte do Espírito Santo[5]. Na seqüência veio o imperador coroado, de terno, trazendo a coroa não na cabeça mas nas mãos, em sinal de respeito ao imperador perpétuo. Seguiu-se a liteira, carregada por soldados a convite dos festeiros, que consideraram que Santo Antônio é patrono dos militares. Ao lado da liteira houve uma escolta de quatro lanternas processionais levadas pelos irmãos do Santíssimo de Matosinhos. Seguiu-se o padre com os coroinhas e os representantes dos sodalícios religiosos convidados. Veio a folia do Divino das mulheres e a banda, que fechou o cortejo. Durante uma breve parada na travessia da via férrea, a banda saiu do cortejo em direção à Gruta do Divino (onde lhe ofertaram um lanche) e aí entrou em seu lugar outras folias do Divino (bairro das Fábricas e Guarda-mor) que trouxeram o imperador eleito, que se postou à direita do imperador coroado. Na Praça Pedro Paulo ingressou mais uma folia. Até 2001 a liteira ficava no Salão de Santa Clara donde só seguia até a matriz no dia seguinte, embora os fiéis prosseguissem em marcha.

Na passagem pelas igrejas, houve fogos de artifício e toques de sinos.

         O itinerário antigo foi conservado por razões históricas: Largo de São Francisco, Rua Balbino da Cunha, Igreja de São Gonçalo Garcia, Rua Comendador Bastos (antiga Rua da Misericórdia), Praça Duque de Caxias, Matola (atual Rua Padre Sacramento) e daí a Matosinhos pela Praça Pedro Paulo, Ponte Beltrão e Rua Bernardo Guimarães. Esse trajeto é aquele que outrora passava a procissão e ainda quantos vinham a Matosinhos, única via de acesso desde os tempos coloniais.

Continuando a programação, ocorreu a missa, que nesse dia foi por intenção dos festeiros e benfeitores da paróquia e da festa. A participação especial tem sido do grupo “Coroinhas de Dom Bosco”, competente coral da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar. Ocorreu em 2003, após a missa, a coroação da imagem de Nossa Senhora da Lapa pelo imperador. Recém-chegada da oficina de restauração, houve oportunidade de empregá-la neste mister. Montada sobre um andor, adornada em conformidade e iluminada com um foco sustentado por bateria de automóvel, foi coroada sob aplausos e vivas. Foi então carregada processionalmente, ao redor do altar. Frise-se que o imperador, antes de coroá-la, retirou a própria coroa da cabeça em sinal de respeito e humildade, reconhecendo que a realeza de Maria é maior.

Um detalhe acrescido em 2003 foi a toalha do altar e a toalha de ambão com a efígie de Nossa Senhora da Lapa, iniciativa de um dos festeiros, José Gonçalves de Sousa, que custeou a idéia anterior de outro festeiro, Otávio Félix Pereira da Silveira. As estampas das toalhas tiveram o risco de Aluísio dos Santos [6]; pintura e apliques de Rodrigo de Oliveira Lima.

Enquanto acontecia a missa foi servido um lanche aos folieiros no salão da catequese [7], de função muito relevante na coesão dos grupos pela confraternização e auto-valorização que proporcionou.

O salão esteve todo enfeitado com motivos pentecostais e mensagens, afixadas em cartazes nas paredes e escritas a giz no quadro negro, davam as boas-vindas e parabenizavam aos folieiros. Cadeiras foram espalhadas pelo perímetro, tendo o centro livre. Ao fundo a mesa com grande fartura de doces, salgados, bolos, refrigerantes e café. Todas as folias se reuniram e alimentaram-se à vontade. Enquanto se alimentavam, os membros da Pastoral Vocacional cantam ao violão músicas da Igreja para os folieiros. Ao término da refeição, montou-se uma folia gigante, formada da totalidade dos participantes de todas as folias, irmanados no objetivo único de agradecer. Irrompeu o primeiro mestre cantando na sua toada dois ou três versos, que os outros folieiros acompanharam. É a vez de outro, na respectiva toada e assim por diante, cada um no seu ritmo que de imediato foi acompanhado pelos membros das outras folias. O êxito desta recepção às folias foi devido sobretudo aos esforços abnegados de Márcia Mercês Santos Neves.

Ao final da novena todos se juntaram em torno do coreto. Houve o encontro das bandeiras, assim chamada a apresentação das folias do Divino, uma por vez. Evento muito concorrido. O adro permaneceu lotado até o fim das apresentações. O público muito variado e bastante atento, demonstrou o grande prestígio dessa manifestação folclórica. Apenas em 1998 o encontro foi domingo à tarde.

            Finda a apresentação, subiu ao coreto o grupo de serenata da ASAP [8], de qualidade indiscutível. Encerrou a noite com chave de ouro, rememorando com afinação, velhos sucessos enamorados.

Em 2003 houve um show após a serenata.

O dia maior iniciou-se cedo com a alvorada, desdobrada em etapas. Houve dois anúncios feitos por um rojão solitário na gruta do Divino, às 5 e às 5 h 15. Às 5 h 30 estourou-se uma bateria de fogos nesse local e os caixeiros fizeram os toques dos tambores, na gruta, no mastro local, no cruzeiro que o ladeia e no império, ali armado. Com mais 15 minutos foi feito o toque das caixas na Santa Clara, diante do salão e do mastro. Alguns fogos espoucaram à parte. Às 6 horas em ponto foi a vez da alvorada central e de obrigação, na matriz. Após a sexta badalada, irrompeu o foguetório, os toques de caixa dentro do templo e os repiques dos sinos.

A seguir bateram-se as caixas ao redor dos mastros principais. Encerrou-se a alvorada entre 6 h 15 e 6 h 45, com o toque de caixas à porta do imperador, que lhes serviu breve merenda. Toda a movimentação dos caixeiros foi feita com uma bandeira do Espírito Santo à dianteira.
O adro e o templo estavam enfeitados. Internamente flores em profusão nos altares e nichos, além das alfaias próprias ao dia. Todas as toalhas e cortinados foram vermelhos e da mesma cor os paramentos sacerdotais. Externamente muitas bandeirinhas de papel de seda, brancas e vermelhas, alternadas, em longos cordões que partiram da cruz do frontispício em direção aos postes do adro. A partir de 2001 cada poste passou a ter também uma bandeira branca e outra vermelha amarradas a ele. Em 2003 acrescentou-se o gonfalão, na mesma cor, esvoaçando em cada torre. Nesse mesmo ano colocou-se pelo lado da praça duas placas nas colunas que sustentam o portão de entrada. Numa se escreveu 1774 e noutra 2003, datas respectivas da primeira festa e a daquele ano [9].

            A missa matutina foi nesse dia intitulada “festiva” e de forma condizente conduzida alegremente, mais informal, breve. Parte musical ficou a cargo do coral paroquial.

            Ao seu término e em seqüência, os congados começaram a ser recebidos no adro. Cada guarda [10]foi recepcionada no portão central do adro pelos capitães-meirinhos e meirinhos. Os grupos foram saudados a começar pela bandeira e a seguir o 1º e 2º capitão, caciques e dançantes. A forma de cumprimento entre todos foi específica. Era então costumeiro ficar junto ao portão alguém com a bandeira do Divino, ofertada ao ósculo dos fiéis. Os congados saudaram aos festeiros, pediram licença e louvaram aos santos.

A seguir fincaram seus próprios mastros, com o quadro ou bandeira do santo de devoção ou outros eventualmente emprestados pelos festeiros. Nem todos os grupos porém ergueram mastros. Foram fincados em semicírculo ao redor dos principais (Divino e Santo Antônio), que ali já estavam desde a quinta-feira. Eram menores em altura e a sua posição satélite permitia simbolicamente compreender que os santos protetores de cada guarda visitante estavam também presentes para ajudar a festa.

A Missa das Crianças foi celebrada às 9 e 30 horas pelo bispo Dom Valdemar Chaves de Araújo. Teve a participação do grupo de pastorinhas das Águas Férreas e de vários escolares do bairro e de outras partes de cidade.

            Como os congados não tocam durante a celebração, foi costume até 2002 levá-los neste horário para a quadra do Centro Social e Cultural da paróquia, onde lhes serviam o café da manhã, mediante apresentação de fichas, previamente distribuídas e entregues na passagem pela portaria. Em 2003 foi instituído com êxito novo esquema: os capitães-meirinhos e os meirinhos, postados na rua em frente à igreja e os festeiros responsáveis pela distribuição das fichas, encaminharam cada terno ao descer do ônibus direto para o café, à partir das 7 horas. Terminado o desjejum vinham para a igreja. Na hora da Missa das Crianças os congados se deslocavam para a Vila Santo Antônio, o que só ocorria antes do referido ano, após a celebração.

O recolhimento do reinado apenas em 1998 se processou no Jardim Paulo Campos, à Rua João Cantelmo. Já a partir do ano seguinte foi deslocado à Vila Santo Antônio, onde se mantém. Até 2001 o reinado (reis, rainhas, príncipes e princesas) e o juizado (juízes e juízas de vara, de manto e de ramalhete) se reunia numa garagem ampla da Rua Barão de São João del-Rei e depois, com a construção do Salão Comunitário de Santo Antônio na Rua Antônio Firmino de Paula para lá se transferiu, na mesma vila.

            O salão foi adornado. Os personagens reais como convidados honorários aguardavam os congados. Trajados e com a coroa à cabeça, os reis, rainhas, príncipes e princesas receberam cada qual um cetro de madeira, nas cores do Divino e os juízes as insígnias que os denominam.

Os congadeiros desceram pela Rua Guia Lopes. Cada guarda que passou defronte ao salão veio saudar o reinado e escoltar alguns de seus representantes, de tal sorte que todos os ternos os conduziram, divididos de acordo que cada grupo não ficasse sem membro real.

Retornaram pela Rua Barão de São João del-Rei e Avenida Sete de Setembro.

Enquanto tudo isto se processou, apresentaram-se no adro/coreto as pastorinhas e danças das fitas. Ao fim de suas apresentações os congados adentraram pelo templo e deixaram sentados à esquerda do altar as figuras reais e juízes. Rumaram a seguir direto para o almoço.

            Dentro da igreja só ficou o moçambique “Nossa Senhora Aparecida”, de Passa Tempo. A guarda se postou defronte ao altar. As açafatas trouxeram um cestinho cheio de pétalas de flores e papel picotado e jogaram sobre a imagem do Espírito Santo como uma chuva colorida. Os moçambiqueiros cantaram: “Tá caíno  fulô! / Tá caíno fulô! / Lá do céu, cá na terra... / Êh! Tá caíno fulô! 

            Seguiu-se o ritual da chamada, conduzido do microfone do altar. Consistiu em se chamar nominalmente um por um dos personagens do juizado e do reinado ao altar, onde deixaram um envelope contendo uma espórtula voluntária e receberam em troca um cartucho de amêndoas, sob o toque de uma campainha. O moçambique rufou as caixas, parado, sem cantar, a cada oferta depositada. Iniciou-se chamando os juízes de manto que forraram a mesa do altar com os mantos de veludo que ofertaram. Na seqüência os de vara e os de ramalhete, que entregaram essas suas respectivas insígnias. Depois o reinado, primeiro com reis e rainhas e a seguir príncipes e princesas [11]. Concluída a chamada, o dito moçambique recolheu todos para o almoço.

            No salão do Centro Social e Cultural se processou o almoço. A agitação foi imensa. Uma algaravia de toda a gente congadeira demonstrava a alegria e descontração fraterna. Instante de descanso e relaxamento das tensões e compromissos. Houve em alguns anos a reunião de tocadores de diferentes procedências tocando rancheiras, arrasta-pés e calangos, no breve intervalo da sesta. Congadeiros amigos ou simples colegas, de ternos diversos se reencontravam, abraçavam-se, conversavam descontraídos. Cada grupo ao terminar, retirava-se do salão cantando um agradecimento do almoço.

            Aos poucos reuniram-se na Rua Carlos Guedes e daí partiram rumo à Gruta do Divino, perto das 13 h 30.

Enquanto o cortejo rumou para a gruta, o adro em Matosinhos se esvaziou. Técnicos de sonorização aproveitaram o momento para o teste e repasse de som na aparelhagem do coreto, em preparação ao show de logo mais. Já por vários anos tem se apresentado na tarde com a saída dos congados, um grupo de capoeira, que voluntariamente comparece, reunindo público para a demonstração de sua arte.

            Na gruta estava armado o império do Divino, com o imperador de traje completo, nele aguardando para recepcionar aos congados. Passaram um por vez, cantando e dançando no seu ritmo em saudação, por alguns minutos. O lugar sempre esteve bastante enfeitado e com boa assistência.
De tanto em tanto soltavam foguetes avulsos.

O último congado a passar foi o moçambique de Passa Tempo com a responsabilidade de conduzir o imperador e o andor a Matosinhos, o que quer dizer que é a guarda que vai mais perto dos dois.

No retorno a Matosinhos, fizeram antes uma volta pela Rua Antônio Josino Andrade Reis (“Beira da Praia”), em direção ao centro da cidade, virando de volta na 2ª travessa (a 1ª é onde está a gruta); tomaram a Rua Antônio Rocha e daí voltaram à igreja.

           Na passagem pela Santa Clara, ingressou no cortejo o imperador eleito, cumprimentado formalmente pelo coroado. Caminhou à sua direita, dentro do quadro.

            A passagem pela Rua Bernardo Guimarães foi sempre marcada pelo entusiasmo dos moradores locais e pelo extremo zelo no enfeite daquela via, sacralizada com tapetes de serragem e areia, em variadas cores obtidas por tingimento. São inspirados por temas pentecostais. Também múltiplas bandeirinhas, altares externos fronteiros às residências, colchas finas nas janelas, jarras e vasos de flores completavam a ambientação.

            A apoteótica chegada à Praça de Matosinhos foi sob intenso foguetório. As guardas abriram alas e entre elas veio passando o supracitado moçambique, trazendo os imperadores e o andor, entre palmas, vivas, repiques de sino, rufados e toques.

            Iniciou-se a missa solene às 16 horas, tocando a orquestra sacra bicentenária “Lira Sanjoanense”. A homilia foi voltada para o Espírito Santo. Ao fim da celebração procedeu-se à coroação do novo imperador. Os imperadores permaneceram sentados lado a lado na lateral esquerda junto ao altar, em cadeiras reservadas aí postas adrede, à guisa de tronos. Na lateral oposta outras cadeiras serviram às autoridades convidadas.

             A coroação em si é simples, embora solene. Oficiada pelo pároco, este recebeu a salva e voluntariamente das mãos do imperador a coroa, posta sobre a salva. A seguir recebeu o cetro, que é posto atravessado, entremeando o vão da coroa. O mestre de cerimônias, que até esta altura orientava os procedimentos, retirou do imperador a capa e na seqüência a faixa. Cingiu o novo imperador com a faixa e recobriu-lhe com a capa. O sacerdote abençoou as insígnias e aspergiu água benta sobre elas. Retirou o cetro, entregou a salva e coroou o imperador. Também entregou-lhe o cetro, cumprimentando-o. A seguir, apresentou-o aos fiéis, que com um grito coletivo de “Viva o Divino Espírito Santo”, o saudaram.

            A esta altura o velho imperador, agora isento de qualquer honraria, como que desapareceu na festa. Ninguém mais lhe notou ou enalteceu, em detrimento do novo. A renovação é brusca.

            Um intervalo de cerca de meia hora sem atração determinada antecede a novena. Os congados voltam a tocar e no adro. Na praça a multidão conversa e acorre às barracas. É um momento de descontração. É hora também de eventuais apresentações específicas, por exemplo: folia de Reis de Ibertioga (2001), moçambique de Itaguara (2002), dança das fitas - pelos vilãozeiros de Carmo da Mata (2003).

            A procissão solene e luminosa do Divino ocorreu às 18 horas, saindo pela Avenida Josué de Queiroz, tomando à esquerda a enfeitadíssima Rua Farmacêutico Guillarducci - que rivaliza desde sempre com a Bernardo Guimarães no esmero dos adornos - exemplos notórios de sacralização do espaço público. Passou pela Avenida Sete de Setembro e daí voltou à matriz. Além da banda de música, os congados participaram tocando, cantando e dançando livremente.

            Na dianteira o alferes da bandeira montado em seu cavalo abre-alas, seguido pelos ciriais e cruciferário que antecedem a dupla fila de fiéis, tendo entre elas os anjos e virgens, congados (mais ou menos distanciados uns dos outros) e o conjunto de bandeiras do Divino, tal como na procissão do Imperador Perpétuo. Participaram três imagens: a primeira é a de Santo Antônio, na liteira, na seqüência a de Nossa Senhora e por fim a do Divino. A da Virgem Maria foi até 2002 a de Nossa Senhora do Rosário, padroeira dos congados. De 2003 [12]em diante, estando a de Nossa Senhora da Lapa pronta pela restauração pela qual passou, principiou a participação em detrimento da outra.

O imperador e seu séquito bem como o padre ficaram na dianteira do andor do Divino. A banda fechou a procissão.

            A chegada foi sempre profundamente festiva. Nela se aliaram formidavelmente num entremeio agitado e apoteótico os fogos de artifício, batidos de caixas, repiques de sinos, gritos de “salve!” e “viva!”, cantos e danças, além do burburinho do contínuo comentário dos fiéis acerca da beleza da festividade. 

Recolhidas as imagens e apostas junto ao altar, foram incensadas. Desde 2002 procedeu-se então a bênção do Santíssimo Sacramento, também com manifestações dos dançantes, que se conservaram todos no interior do templo. 

            Ao encerramento vão tocando, um a um. No adros baixam os mastros e se despedem, sendo o último a descer o do Divino, sempre com grande expectativa. A assistência da descida dos mastros é surpreendente.

            O adro se prepara para o show de encerramento no coreto. Findo o espetáculo tem lugar intenso foguetório.

            No domingo da Santíssima Trindade (o seguinte ao de Pentecostes), 18 horas, baixou-se o mastro fincado na gruta e a seguir o da Santa Clara, ambos sem nenhum evento especial, ocasião aliás restrita a uns poucos festeiros mais envolvidos com os rituais.



[1] - A consagração destes dias foi iniciativa tomada a partir de 2000. Neste ano e no seguinte a sexta-feira era consagrada a Nossa Senhora da Lapa. Em 2002 a comissão alterou, considerando ser a sexta-feira, dia devocional a Jesus, relacionado à sua Paixão e Morte e o sábado a Maria.
[2] - A rasoura foi instituída em 2001. Desde então um número variado de congados a acompanha.
[3] - O ano de 1999 deu ensejo a algumas experiências: após o levantamento do mastro houve uma retreta de abertura com uma banda, o que não se repetiu mais. Foi também a ocasião na qual se adotou o mastro de Santo Antônio – a princípio com uma bandeira e a partir de 2002 com quadro; a animação das missas foi dividida, passando a de sexta-feira ao Raízes da Terra (grupo de inculturação) e a do sábado ao Coroinhas de Dom Bosco (coral); foi abolida a vigília que fora feita em 1998, na igreja de Santa Terezinha, como parte integrante da festa.
[4] - Criado em 1994 no bairro São Geraldo, com o nome de “Grupo de Consciência Negra Raízes da Terra” alterado em 2003 numa visão mais madura e eficaz para o nome atual. A partir dessa mesma ocasião passaram a estimular o emprego da designação “Missa Inculturada” por “Missa Afro”, até então adotada. Esta medida é questionável posto que a celebração em estilo afro é uma das formas inculturadas de celebrar missa, como existem outras. Não é sinônimo.
[5] - Mordomo da bandeira: trajado de branco. Mordomo da coroa (ou mordomo-régio): trajado de vermelho e branco, agalonado de dourado. Acompanha-se de um menino como pajem, com o oratório ao pescoço, vestido da mesma forma.
[6] - Aluísio dos Santos é avô materno do autor.  São-joanense, nasceu em 1923 e faleceu em 2004.
[7] - A experiência dos primeiros anos era de dar o dito lanche no Centro Social e Cultural da Paróquia. A transferência desde 2001 para o salão da catequese foi muito positiva. A responsabilidade deste lanche hoje é da equipe coordenada pela Pastoral Vocacional, que o desempenha com grande êxito.
[8] - ASAP: Associação dos Aposentados e Pensionistas de São João del-Rei. Conserva também um coral e além da assistência à terceira idade, exerce importante trabalho de conscientização, inclusive no nível ambiental, promovendo anualmente a “Via Sacra Ecológica”. Tem jornal próprio.
[9] - Essa segunda placa foi sendo gradativamente atualizada na data nos anos consecutivos. 
[10] - Guarda: cada unidade de congado é chamada “guarda”, pois guarda uma bandeira, coroas, bastões. Sinônimos: terno, companhia, batalhão, banda, turma, grupo, corte (com pronúncia aberta, “córte”). Assim é costume dizer-se: “guarda de moçambique”, “batalhão de congo”, “corte de vilão” , “terno de catupé”, ou vice-versa, etc. Todos são congados. Há porém quem reserve a palavra guarda para os moçambiques, pois lhes compete a função de guardar o reinado; outros só empregam corte para os congados com coreografia de percussão de varas ou bastões.
[11] - Na tradição das festas congadeiras, diz-se que o juizado tem como patrono São Benedito, enquanto o reinado pertence a Nossa Senhora do Rosário.
[12] - Em 2003 a Comissão do Divino passa a ter um barracão para guarda dos objetos usados na festa, que até então ficavam guardados espalhados pela casa dos festeiros. 

* Texto e foto (17/11/2013): Ulisses Passarelli

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