Certo dia, um homem apareceu em casa com um gato e estava muito feliz por ter encontrado o bicho. Entregou-o à esposa e pediu que tratasse dele. Foi trabalhar.
A mulher cuidava do felino e o gato sempre comia a fartar, mas todos os dias quando o marido chegava da labuta, o gato vinha ronronando, se esfregava na calça do dono e miava muito como se tivesse com fome.
O homem começou a se chatear com a mulher, acusando-a de não alimentar o animal, pelo qual tinha tanta estima. Achava uma covardia deixar o bichano passar fome e ela se defendia dizendo que o tinha alimentado bastante. O marido não acreditava porque o comportamento do gato era de quem estava com muita fome.
Assim a discórdia do casal aumentou dia a dia por causa do gato, a ponto do marido bater na mulher.
Foi então, que, certo dia, o homem passando por baixo de uma ponte escura e deserta ouviu vozes debaixo da mesma. Foi espiar e admirou ao ver vários capetas em reunião, contando os seus feitos malfazejos daquele dia. E ouviu um dos diabos dizer:
"_ ultimamente tomei a forma de um gato e causo brigas entre um casal, porque o homem, ao voltar do serviço, acha que a esposa não deu comida para mim."
O homem trabalhador voltou apavorado para casa e foi se preparar para o gato maldito. Empilhou lenha para fazer uma fogueira e arranjou um cordão bento de São Francisco.
Quando o gato apareceu ele o pegou de repente e amarrou as patas com o cordão. Jogou o gato ao fogo dizendo firmemente à mulher que não interferisse que ele sabia o que estava fazendo. Foi então que se ouviu um forte estouro que marcou o desaparecimento do tentador.
A partir de então o casal voltou a viver bem, com paz e união.
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Demônio. Parte de um painel pintado na parede direita da nave da Igreja de Santo Antônio. Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno (São João del-Rei/MG) |
* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotografia: Iago C.S. Passarelli, 19/10/2014
*** Informante: Elvira Andrade de Salles, Santa Cruz de Minas, 1994
**** Obs.: este conto se enquadra na categoria das narrativas do "demônio logrado", quando as artimanhas malignas são superadas pela sagacidade humana. Conserva elementos folclóricos tradicionais, ou antes temas e fórmulas típicas: o gato como animal negativo (paralelo com sua preguiça e dissimulação, atributos do mal); satanás atentando um bom casamento para destruir a união; o cordão bento de São Francisco de Assis como amuleto capaz de amarrar e rebater o malefício; o fogo como elemento de catarse, purificação; a explosão como fórmula clássica de desaparecimento do demônio expulso. Em seu bojo, o conto transmite o ensinamento religioso de que a tentação vem muitas vezes sob aparências inocentes e chega sem avisar, sendo necessário, como ensinou o Divino Mestre, vigiar e orar.
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