As tradições sobre a cabeça são inumeráveis. "Perder a cabeça" é expressão usadíssima para indicar descontrole diante de uma situação. Equivale a perder o juízo. "Cabeça de vento" e "cabeça de bagre" são indicativos de personalidade fraca, pouca preocupação, falta de responsabilidade, ideias pouco consistentes. Mas na gíria, o sujeito de boa prosa, assuntos relevantes, raciocínio bem coordenado é um "cara cabeça", ou tem "cabeça boa", ou simplesmente que o sujeito é "cabeça". "Passar a mão na cabeça" é encobrir faltas, ser conivente com os erros de fulano de tal. "Fazer a cabeça" é uma expressão comum na umbanda, na quimbanda, no candomblé com o sentido de se deixar batizar no santo, no orixá regente da cabeça do médium. "Cabeça feita" tem este sentido religioso de preparação espiritual completa e por extensão um significado secular de inteligência, experiência, equilíbrio: "fulano é cabeça feita", quer dizer, tem suas próprias opiniões e não se deixa influenciar.
A Bíblia relata a tocante morte de São João Batista por decapitação induzida pela maliciosa filha de Herodíades (que se chamava Salomé, segundo fontes apócrifas), sendo sua cabeça ofertada num prato (Mt. 14, 1-11; Mc.6, 14-29). Noutro episódio mais remoto, Judite corta a cabeça do perverso Holofernes (Jdt.13, 9-11). Na famosa Procissão do Enterro, aqui mesmo em São João del-Rei (e em outras cidades) vemos entre os figurados, os personagens bíblicos com roupas de época carregando horrendas cabeçorra de papel-machê para relembrar Salomé e Judite. Sua presença desde sempre desperta a curiosidade das crianças.
Uma das invocações marianas é Nossa Senhora da Cabeça, para quem se reza à procura de boa mente, ideias claras, reflexão positiva ante questões complicadas, contra loucura e para combate à cefaleia (dor de cabeça).
Evita-se deixar outras pessoas tocarem nossa cabeça com as mãos pois transmite influências negativas para si, ou pode-se ficar dominado por quem passou a mão. Criança ao contrário não há problema em razão da proteção especial que usufruem em virtude de sua inocência.
Uma tradição imemorial e cosmopolita é a das figuras de proa, muitas vezes representando cabeças entalhadas na ponta dos barcos, daí serem também conhecidas por cabeças de proa. Por vezes de fundo totêmico, outras vezes em função de amuleto, ou como mero adorno, em várias culturas se apresentam configurando dragões, touros, carrancas, leões, seres mitológicos e antropomórficos.
No imenso interior, longe das grandes águas, o costume é entalhar cabeças na ponta de bastões e em outros objetos, evocando por vezes elementos do mundo espiritual. Para Saul Martins essas cabeças esculpidas são sinais de totemismo “forma primitiva de religião, espalhada entre quase todos os povos autóctones do mundo”. Enquadra nessa categoria as carrancas do vale do Rio São Francisco, arrematando o bico das embarcações (cabeça de proa). Cita também as cabeças esculpidas em “coronha de espingarda, no pau da bengala, na tampa do polvarinho”. Pode-se ainda exemplificar: em bastões de capitães de congado, cajados de negros-velhos da umbanda, cetros de reis das festas do Rosário, cabos de relhos, em cabos de canivetes, facões e facas [1].
Cabeçalho do carro de bois é a extremidade afilada na qual se atrelam a junta de bois de canga (sob o jugo), em uma alça de ferro.
![]() |
5- Amaci: cerimônia umbandista de zelo pelo "Ori", o núcleo espiritual contido na cabeça, que inclui momento máximo da lavagem com ervas específicas. São João del-Rei, 08/12/2025. |
6- Bastão de moçambiqueiro, cuja iconografia popular evoca as almas de ex-escravizados, os pretos velhos das religiões de matriz africana. Passa Tempo/MG, 08/06/2014. 7- Casaca: reco-reco construído em madeira (tajibubuia), escavado em forma de cocho (caixa de ressonância), com uma cabeça esculpida na extremidade. Lasca de bambu com entalhes encobre a escavação. Bastão de raspar de madeira dura (braúna). Nova Almeida (Serra/ES), 2000. Foto: 26/03/2011. em um cruzeiro que foi removido pelo crescimento urbano, c.1997. Foto: 26/03/2011. 9- Ex-voto: madeira entalhada. Vila de Ponta Negra (Natal/RN) - em um cruzeiro que foi removido pelo crescimento urbano, c.1997. Representação da lesão auditiva (pintura em vermelho), motivo da graça alcançada, que motivou a produção do ex-voto. Foto: 26/03/2011. Créditos
Referências Bibliográficas
- Bíblia Sagrada. São Paulo: Ave Maria, 1965.
- MARTINS, Saul. Os Barranqueiros. Belo Horizonte: UFMG / Centro de Estudos Mineiros, 1969.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário