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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




terça-feira, 1 de julho de 2014

Réplicas & Tréplicas

Expressões chulas do palavreado juvenil

Esta não é uma postagem bonita. Não foi programada para apresentar belas fotos, poesia popular ou revelar o devocionário. Registra o oposto, o folclore do que achamos feio, da resposta linguística atrevida, petulante, deseducada, grosseira mesmo, chula, pornográfica. São as réplicas e suas derivações. 

Ocorre mais ou menos assim: na infância existe um momento de maior submissão, que se ouve calado, sem responder. Depois o medo vai esvaindo na pré-adolescência e com a adolescência firmada alcança a rebeldia de poder arrepiar uma fala sem medo, a libertação de um jugo. É natural nesta fase essa aproximação com a expressão inicial da sexualidade, mesmo ainda incompreendida no seu âmago, mas, em termos de cultura popular, que é o que nos interessa para esta página, dizer-se, nesse período, que fez ou fará um sexo ativo com outrem, representa apenas uma ideia de supremacia, não uma vontade específica de fazer. O sentido é este: a réplica é uma exibição de que se é mais esperto através de respostas imediatas, supostamente ofensivas na lógica deste processo de fala.  

Mas soa estranho aos ouvido puritanos ou apenas não habituados, quanto mais se proferida por jovens, com expressões de baixo calão, tais como "pau" (pênis), "cu" ou "butão" (ânus), "saco" (testículo), "comer" (fazer sexo), "por" ou "meter" (penetrar), "puta" (prostituta) "viado" (gay, homossexual masculino), "merda" (fezes), "cagar" (evacuar), "cara" (rosto, face), etc. Mas o sentido maior em verdade não é este tão explícito dos palavrões, mas sim demonstrar esperteza, memória, rapidez na busca de recursos verbais, para se sobressair com uma resposta instantânea ante uma simples palavra ou frase, que o coloca no contexto do diálogo, em situação embaraçosa, necessitando resposta para não ficar sem moral perante os interlocutores. 

Poucas vezes o pudor tem consentido escrever-se livremente sobre isto. Mas este blog tem compromisso com a cultura popular, não importa como ou qual seja. Este é só mais uma tema, não menos relevante que outros e cuida de registrá-lo tal e qual acontece em nossos rincões.  

Assim entendido e explicitado, postagens anteriores cuidaram de palavras, expressões e provérbios, e ora das réplicas. O contexto geral que acontece é em conversa informal de jovens amigos e quando um diz a frase-chave, logo surge um que dá a réplica, não raro rimada (necessidade mnemônica), motivo de motejo dos demais ao perdedor. É como um jogo de palavras malcriadas. Muitas vezes entre os amigos elas se tornam como um exercício verbal: o indivíduo é por vezes induzido a emitir uma frase-gatilho, aquela que dispara a emissão de uma réplica. O sujeito que tem um repertório maior e que dificilmente cai numa dessas, vai ganhando fama entre os colegas, se sobressai, tanto mais se surge com novas réplicas, desconhecidas dos companheiros, gerando assim, dentro das proporções desse processo de comunicação, um certo estímulo à criatividade linguística, que tem seu papel até que a idade venha amadurecendo a conversação. 

O contexto da conversa é via de regra o mais genérico possível. Nada de sexo. Pode ser futebol, brincadeiras, coisas de escola, situações engraçadas que um colega se envolveu. Surgiu a frase ou fala provocadora, lá vai a réplica no rastro, com muita naturalidade e o riso se segue inevitável.

A pequena coleção que ora se apresenta foi coletada em 1999 em Santa Cruz de Minas e em São João del-Rei, depois de exaustiva e atenta observação desses diálogos, atualmente com popularidade decrescente. 

*  *  *

- Réplicas típicas: surgem ante xingamentos.

01 _ Vai tomar no cu!
     _ Tomar no cu é rolimã; como você e sua irmã ...

02 _ Vai tomar no cu!
     _ Tomar no cu é vitamina; como você e sua prima ...

03 _ Vai tomar banho!
     _ Tomar banho é natural; eu tomo no chuveiro, você no curral ...

04 _ Viado!
     _ Viado é verde, verde é bambu; bola na rede, pau no seu cu ...

05 _ Bem feito!
     _ No nariz do prefeito ...

06 _ Bem feito!
     _ Beija o cu do prefeito ...

07 _ Vai à merda!
     _ Merda é mole; quem manda, engole ...

08 _ Filho da puta!
     _ Fala baixo, que sua mãe escuta ...

09 _ Cachorro!
     _ Cachorro é ladino; eu calado e você latindo ...

10 _ Se deu mal!
     _ Come sal, na panela de mingau ...


- Réplicas complementares: surgem emendando expressões já decoradas, não necessariamente ofensivas. Complementam a frase com uma continuação que não é a do primeiro interlocutor.

01 _ O que é isto?
     _ Chouriço, pra comer (ou levar) no seu serviço. 

02 _ É a morte ...
     _ Fala com ela que tô forte!

03 _ Eu quero!
     _ Quer, vai querendo, suspende o pé e vai roendo. 

04 _ E agora?
     _ Caga na mão e joga fora ...

05 _ Aonde?
     _ No cu do conde, aonde você esconde. 

06 _ Tô com fome!
     _ Mata um boi e come!

07 _ Ver o quê?
     _ O cu da vaca feder!

08 _ O quê que você está fazendo?
     _ Tô cagando e cosendo ...

09 _ Vamos apanhar amora?
     _ Vou falar pra seu pai que você namora. 

10_ Você sabia?
    _ Que o macaco te deu bom dia?

11 _ O caso é o seguinte:
     _ O preço da vaca é cento e vinte.

12 _ Todo dia eu te vejo ...
     _ Cara de percevejo!


- Réplicas suplementares: surgem espontaneamente ante situações de atitudes repetitivas durante o convívio, sem necessidade de uma frase que a dispare, como nos casos anteriores.

01 _ (quando alguém pergunta demais sobre um assunto:)
     _ Quem muito pergunta, quer saber; mexerico quer fazer!

02 _ (quando alguém se entromete numa conversa:)
     _ Conversa é entre dois; cachorro é pra depois. 

03 _ (quando alguém olha demais para o outro a ponto de incomodar:)
     _ Bico é dez; pescoço é vinte ...

04 _ (quando se mostra o dedo médio da mão ("pai de todos") estirado, em sentido fálico, gesto agressivo:)
     _ Isso pra mim é um dedo, pra você é um brinquedo; enfia no seu cu e me dá sossego!

05 _ (quando alguém reclama muito de algo:)
     _ Quem reclama o rabo inflama. 

06 _ (quando alguém faz comentários de intriga, a baixa voz:)
     _ Quem cochicha o rabo espicha; come pão com lagartixa ...


- Réplicas numéricas: necessariamente surge da pronúncia de um número, tal como numa contagem. É pois uma brincadeira provocativa.

01 _ Um mais um:
     _ Dois. Cachorro te pôs ...

02 _ Dois mais um:
     _ Três. Cachorro te fez ...

03 _ Três mais um:
     _ Quatro. Você é um pato ...

04 _ Quatro mais um:
     _ Cinco. Você é um pinto ...

05 _ Seis mais um:
     _ Sete. Cachorro te mete ...

06 _ Cinquenta mais cinquenta:
     _ Cem. Abre o cu que o trem en'vem ...

07 _ Nove vezes nove:
     _ Oitenta e um. No meio dos burros seu pai é um. Abre a porta que cabe mais um. 


- Tréplicas: ou contra-réplicas. São respostas a uma réplica qualquer, recém-proferida, tentando reverter a situação embaraçosa que ela gerou no fluir da conversa. 

01 _  Isso pra mim não é resposta, bang-bang! Se eu por em você eu ranco sangue ...

02 _ Isso pra mim não é resposta de pato; pus em você, arranquei seu saco. 

03 _ Isso pra mim não é resposta de cachorrão; pus em você, arranquei seu butão. 

04 _ Essa, eu já sabia; se não fosse meu pau, você não nascia ...


* Texto: Ulisses Passarelli  

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