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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quinta-feira, 3 de abril de 2014

Roxo, a cor da penitência

A simbologia das cores é de largo uso em várias religiões [1] e não escapa aos nossos costumes de antigas bases coloniais. Igualmente a perspicácia da cultura popular adotou as cores em suas manifestações folclóricas. Também são empregadas em busca de efeitos benéficos na "cromoterapia", o tratamento com cores. 

Dizemos habitualmente "cores quentes" - evocação do fogo (vermelho, amarelo, laranja), "cores leves" - alusão à tranquilidade (rosa, verde, azul, branco), "tons pastéis" - leveza, abstração (cinza, bege, camurça, palha, castanho, pardo), "cores pesadas" - fechamento cromático, concentração (preto, marrom, roxo). 

Como flâmulas, grandes panos roxos pendem dos janelões da Igreja de São Francisco de Assis.
São João del-Rei, 2014.
O roxo e sua variante clara, o lilás, dominam esta quadra do ano pela influência do catolicismo. Nas alfaias das igrejas e nos paramentos dos sacerdotes, esta cor nos conduz pela observação ao espírito de recolhimento pregado na quaresma, reflexão, introspecção, em busca da reconciliação com o Criador do qual nos afastamos através dos erros. 

Nas procissões quaresmais, o andor dos Passos mostra-nos o Senhor com pesada cruz, ornado de vários tons entre rosa, púrpura, vinho, lilás. Mas pergunte ao povo que cores são aquelas... roxo, é claro. 

Andor do Senhor dos Passos. Igreja de São Francisco de Assis.
 São João del-Rei, 2014. 
Siglas douradas em letras grandes se aplicam ao estandarte roxo. Abreviatura da prepotente expressão latina "senado e povo romano" (senatus populus que romanus). A tradução popular é menos emblemática. Para o povo é "sal, pão, queijo, rapadura" ou com mais gaiatice, "São Pedro quer rapadura"; ou ainda, "seu padre quer rapé"... 

Grande pendão de abre-alas na Procissão do Encontro.
São João del-Rei, 1999. 
A própria natureza se engalana de roxo nesse período. As quaresmeiras (melastomataceae), embora nos brindem com flores também noutros períodos, neste em especial, na amenidade de tempos outonais, se revestem da maior beleza, pela abundância e viço da floração. Nos alagadiços ou nos jardins caseiros, nos campos ou nas praças públicas, o roxo domina a paisagem. 

Quaresmeira num brejo de altitude da Serra do Lenheiro.
São João del-Rei, 2010.


O povo, certamente inspirado nessa beleza, tece sobre ela sua poesia simples mas de uma profunda sensibilidade:
Fui no campo apanhar flor,
a campina infloresceu, 
apanhei fulô roxinha
por ser triste como eu... [2]

A penitência invocada, evocada, provocada pelo roxo quaresmal, pairando entre a tristeza de um luto e a reflexão da fragilidade humana, não conserva seu clima só nessa ambientação dramática, barroquíssima, mas traduz também uma certa alegria, através do sentimento íntimo de pertença a todo esse complexo religioso-cultural, que aproxima o fiel, o envolve, mistifica, sentimentaliza.


Notas e Créditos

[1] - Nos terreiros religiosos de matriz afro-brasileira o roxo carrega também sua invocação, votivo que é de Nanã, a Avó dos Orixás, sincretizada com Santana, e ainda, consagrado ao respeitadíssimo orixá sr. Omulu (sincretizado com São Lázaro) ou a manifestação jovem, Obaluaê (sincretismo com São Roque). Daí os exus dessa linha trabalharem sobre a cor roxa.

[2] - Trova popular informada pela sra. Elvira Andrade de Salles, Santa Cruz de Minas, 1997.

* Texto e fotos: Ulisses Passarelli

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