Aroeira é o nome dado a várias espécies de árvores das quais o povo guarda certo temor pois causariam uma suposta reação alérgica nas pessoas sensíveis, marcando fortemente a pele com eritemas, pápulas, vesículas, vergões, prurido, ardência. O vigor das reações dermatológicas varia conforme o tipo de aroeira e a sensibilidade da pessoa.
Aqui na região algumas árvores anacardiáceas recebem o nome de aroeira:
- Aroeira-salsa (Schinus molle): espécie muito usada em arborização urbana.
- Aroeira-branca (Schinus terebinthifolius): também chamada aroeira-mole (por causa da madeira fraca), aroeira-fria (porque causa irritações de pele de menor intensidade) e aroeira-mansa;
- Aroeira-preta (Lithraea molleoides): conhecida ainda por aroeira-brava e aroeira-quente (causa irritações fortes e grande queimor na pele, com empolados que por vezes deformam a fisionomia da pessoa temporariamente);
- Aroeira do sertão (
Myracrodruon urundeuva): árvore antes classificada no gênero
Astronium, muito ameaçada pelo corte excessivo. Fornece madeira de excelente qualidade para várias benfeitorias rurais, tais como esteios, postes, moirões, peças de mecanismos hidráulicos e pilares de ponte, como as que sustentavam a
Ponte do Porto Real da Passagem, construída a mando de Marçal Casado Rotier, sobre o Rio das Mortes, de que ainda se podem ver vestígios, mergulhados nas águas desde 1735. Sobre esta aroeira, disse Eurico Santos:
"a madeira, quando seca, é difícil de ser trabalhada, cegando a ferramenta. Madeira imputrescível, rija, pesada. (...)
Imune ao cupim." (p.82)
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Tocos de aroeira do sertão dentro do Rio das Mortes entre São João del-Rei e Santa Cruz de Minas
revelam vestígios dos pilares da primitiva Ponte do Porto. Foto durante a estação seca de 1998.
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Em torno da aroeira desenvolveram-se algumas manifestações do folclore brasileiro. Num calango recolhido em 1996 em Barbacena, saiu esta quadrinha cantada:
“Embaúba é pau do mato,
aroeira é do sertão
dei um tapa no caixote
esfolei a minha mão!”
No mesmo ano, de um calango em São João del-Rei:
"O meu carro é de aroeira,
eixo é de jacarandá,
uma junta é de boi preto,
outra de boi-araçá."
É uma referência à espécie urundeúva, dura e de secular duração. As outras duas aroeiras (preta e branca) dão pouco uso, sobretudo lenha e escora de pouca duração. A preta é usada para mourão.
A dermatose alérgica que causam, o povo chamada "sapecado", que se trata com benzeção nos meios folclóricos, ao modo do cobreiro. Se não benzer não sara, diz o povo. As lesões vão se ampliando e tomam conta da pessoa gerando grande sofrimento e comprometendo o aspecto físico. Na verdade exigem intervenção médica especializada.
Crê-se que galho seco não sapeca e pode ser usado como lenha sem dano a quem o carrega.
Outrora havia grande temor pela "surra de aroeira", quando o castigado era submetido a açoites leves com ramos de aroeira, que contudo rendiam grandes lesões de pele.
Pessoa sensível não pode nem passar perto da aroeira. Já a certa distância é acometido. Se passar inadvertidamente debaixo de uma árvore dessas é certo ser afetado. Para não ser sapecado, deve-se chamar a árvore de "madrinha", com a fórmula: "dá licença, minha madrinha!". Outros receitam dar uma surra de vara no tronco da aroeira e com este castigo ela não sapecaria.
Na crença congadeira a aroeira é consagrada a São Benedito. A árvore é dele, como ouvi em Coronel Xavier Chaves em 1997:
"Êh, aroeira-ah!
Aroeira é de São Benedito"
No seu pé rezam para ele, pedindo ajuda para o bom andamento do congado, ou acendem velas a São Benedito junto ao seu tronco.
Já na tradição umbandista a aroeira é votiva dos exus (*). Por causa deles a pessoa é sapecada. É por força e influência deles, atingindo a quem não respeita sua árvore cortando ou quebrando galhos sem pedir licença primeiro ("dá licença, compadre!"); ou um castigo àqueles que transgrediram normas religiosas, que estão em dívida espiritual, que não receberam "agô", "malême" (perdão, digamos assim). Na aroeira se oferenda a exu. Na aroeira se faz trabalho de amarração, com fitas de cetim em número tal (3, 7, 9, dependendo do pedido), dando-se a volta no tronco e fechando com nó cego, sempre pronunciando o nome da pessoa que se quer afetar: "(fulano), na aroeira amarro teus caminhos!"
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Troncos de aroeira: preta (esquerda) e branca (direita). São João del-Rei, dez./2014. |
Aroeira é árvore de respeito. Porrete, bastão ou manguara dessa madeira é firmeza forte para se ter em segredo, guardada num canto fora da vista dos curiosos, para livrar de todo malefício.
SANTOS, Eurico. Nossas Madeiras. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987. 313p.il.
* Além da aroeira-preta, também são árvores votivas dos exus: sete-casacas e gameleira (figueira-brava).
** Texto: Ulisses Passarelli.
*** Fotos: Iago C.S. Passarelli (aroeiras) e Ulisses Passarelli (tocos no rio).
**** Informantes de calango: Barbacena, "Dona Josefina"; São João del-Rei, Bairro São Dimas, Luís Santana.
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