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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Aroeira, árvore brava

Aroeira é o nome dado a várias espécies de árvores das quais o povo guarda certo temor pois causariam uma suposta reação alérgica nas pessoas sensíveis, marcando fortemente a pele com eritemas, pápulas, vesículas, vergões, prurido, ardência. O vigor das reações dermatológicas varia conforme o tipo de aroeira e a sensibilidade da pessoa. 

Aqui na região algumas árvores anacardiáceas recebem o nome de aroeira: 

- Aroeira-salsa (Schinus molle): espécie muito usada em arborização urbana.
- Aroeira-branca (Schinus terebinthifolius): também chamada aroeira-mole (por causa da madeira fraca), aroeira-fria (porque causa irritações de pele de menor intensidade) e aroeira-mansa; 
- Aroeira-preta (Lithraea molleoides): conhecida ainda por aroeira-brava e aroeira-quente (causa irritações fortes e grande queimor na pele, com empolados que por vezes deformam a fisionomia da pessoa temporariamente);
- Aroeira do sertão (Myracrodruon urundeuva): árvore antes classificada no gênero Astronium, muito ameaçada pelo corte excessivo. Fornece madeira de excelente qualidade para várias benfeitorias rurais, tais como esteios, postes, moirões, peças de mecanismos hidráulicos e pilares de ponte, como as que sustentavam a Ponte do Porto Real da Passagem, construída a mando de Marçal Casado Rotier, sobre o Rio das Mortes, de que ainda se podem ver vestígios, mergulhados nas águas desde 1735. Sobre esta aroeira, disse Eurico Santos: "a madeira, quando seca, é difícil de ser trabalhada, cegando a ferramenta. Madeira imputrescível, rija, pesada. (...) Imune ao cupim." (p.82)

Tocos de aroeira do sertão dentro do Rio das Mortes entre São João del-Rei e Santa Cruz de Minas
revelam vestígios dos pilares da primitiva Ponte do Porto. Foto durante a estação seca de 1998. 

Em torno da aroeira desenvolveram-se algumas manifestações do folclore brasileiro. Num calango recolhido em 1996 em Barbacena, saiu esta quadrinha cantada: 

“Embaúba é pau do mato, 
aroeira é do sertão
dei um tapa no caixote
esfolei a minha mão!” 

No mesmo ano, de um calango em São João del-Rei:

"O meu carro é de aroeira, 
eixo é de jacarandá,
uma junta é de boi preto, 
outra de boi-araçá."

É uma referência à espécie urundeúva, dura e de secular duração. As outras duas aroeiras (preta e branca) dão pouco uso, sobretudo lenha e escora de pouca duração. A preta é usada para mourão.

A dermatose alérgica que causam, o povo chamada "sapecado", que se trata com benzeção nos meios folclóricos, ao modo do cobreiro. Se não benzer não sara, diz o povo. As lesões vão se ampliando e tomam conta da pessoa gerando grande sofrimento e comprometendo o aspecto físico. Na verdade exigem intervenção médica especializada.

Crê-se que galho seco não sapeca e pode ser usado como lenha sem dano a quem o carrega. 

Outrora havia grande temor pela "surra de aroeira", quando o castigado era submetido a açoites leves com ramos de aroeira, que contudo rendiam grandes lesões de pele.

Pessoa sensível não pode nem passar perto da aroeira. Já a certa distância é acometido. Se passar inadvertidamente debaixo de uma árvore dessas é certo ser afetado. Para não ser sapecado, deve-se chamar a árvore de "madrinha", com a fórmula: "dá licença, minha madrinha!". Outros receitam dar uma surra de vara no tronco da aroeira e com este castigo ela não sapecaria.

Na crença congadeira a aroeira é consagrada a São Benedito. A árvore é dele, como ouvi em Coronel Xavier Chaves em 1997:

"Êh, aroeira-ah!
Aroeira é de São Benedito"


No seu pé rezam para ele, pedindo ajuda para o bom andamento do congado, ou acendem velas a São Benedito junto ao seu tronco.

Já na tradição umbandista a aroeira é votiva dos exus (*). Por causa deles a pessoa é sapecada. É por força e influência deles, atingindo a quem não respeita sua árvore cortando ou quebrando galhos sem pedir licença primeiro ("dá licença, compadre!"); ou um castigo àqueles que transgrediram normas religiosas, que estão em dívida espiritual, que não receberam "agô", "malême" (perdão, digamos assim). Na aroeira se oferenda a exu. Na aroeira se faz trabalho de amarração, com fitas de cetim em número tal (3, 7, 9, dependendo do pedido), dando-se a volta no tronco e fechando com nó cego, sempre pronunciando o nome da pessoa que se quer afetar: "(fulano), na aroeira amarro teus caminhos!"

Troncos de aroeira: preta (esquerda) e branca (direita). 
São João del-Rei, dez./2014. 

Aroeira é árvore de respeito. Porrete, bastão ou manguara dessa madeira é firmeza forte para se ter em segredo, guardada num canto fora da vista dos curiosos, para livrar de todo malefício.


Referência Bibliográfica

SANTOS, Eurico. Nossas Madeiras. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987. 313p.il.

Notas e Créditos

* Além da aroeira-preta, também são árvores votivas dos exus: sete-casacas e gameleira (figueira-brava).
** Texto: Ulisses Passarelli.
*** Fotos: Iago C.S. Passarelli (aroeiras) e Ulisses Passarelli (tocos no rio).
**** Informantes de calango: Barbacena, "Dona Josefina"; São João del-Rei, Bairro São Dimas, Luís Santana.
***** Leia também a postagem APADRINHAMENTO

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