A fixação do homem no campo foi possível graças às atividades de agricultura e pecuária, que lhe deram uma perspectiva além do extrativismo que o fazia nômade. Desde remota antiguidade o ser humano domesticou animais para uso como alimento e trabalho de carga, montaria, tração, ou ainda, fornecimento de matéria-prima.
A forma de criar, cuidar, cultivar... é do interesse dos estudos etnográficos e adentra pelo mundo da cultura popular em suas práticas e crendices.
A criação de aves domésticas para fornecimento de carne e ovos é tão arraigada que muitas vezes, com o êxodo rural, as famílias ainda criam galinhas, patos, marrecos, gansos, perus e angolas, juntas no mesmo espaço, mesmo nas cidades, pelos quintais suburbanos. Mas independente de qual é a ave, o espaço do criatório se chama sempre galinheiro.
Cercado de tela de arame, de fatura industrial, ou totalmente artesanal, feito de uma cerca de bambus postos bem juntos para que as aves não fujam, o galinheiro é uma forma de criação semi-extensiva das aves, onde recebem milho, restos de alimento humano, folhas descartadas de verduras e por vezes ração. Um vasilhame d'água, caixotes para servir de ninho (forrado de capim cortado) e um telheiro para servir de dormitório, completam o criatório rústico.
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Ninho de galinhas: trançado de cipó em suporte de bambu. Forramento com capim-membeca. |
Nos ninhos usa-se esparramar sobre o capim um pouco de folhas verdes de erva de santa maria (Chenopodium ambrosioides), uma amarantácea (*) de cheiro muito forte, que age como repelente natural contra piolhos de galinha, praga que infesta as aves que estão chocando ovos. Como artifício para as galinhas botarem, deixam um ovo em cada ninho, chamado "indez", indutor da postura, recolhendo-se os demais para consumo. A galinha que inicia a chocar os ovos, diz-se "chóca"ou "impirriada", tendo um comportamento próprio, diferente das demais. Quando a galinha por algum motivo perde os ovos e continua impirriada, ela se alimenta mal, enfraquece e não bota mais. Continua deitada no ninho, como a chocar ovos imaginários. Usam então do artifício do "quebra-choco": a galinha é molhada para esfriar o corpo (em geral é mergulhada três vezes seguidas) e a seguir é presa num espaço limitado que a impede de voltar ao ninho. Assim fica durante alguns dias até que volte a se comportar normalmente, quando pode ser solta com as demais.
Quando o espaço permite, é comum se soltar as galinhas durante o dia, deixando a porta do galinheiro aberta para que voltem à noite para dormir e botar. Mas nesta circunstância as mais ariscas acabam se aninhando no mato e localizar seu ninho é uma tarefa de rastrear pelo grito da galinha poedeira, buscando-se a direção e com olhar atento para se ver de que moita ela saiu. Tem sempre cuidado neste sentido pois é comum que essas desgarradas sirvam de alimento (ou seus ovos) para animais silvestres. Aos filhotes (pintos) se reserva cuidado dobrado pela fragilidade, sendo por exemplo alvo fácil de uma espécie de gavião acipitrídeo,
Buteo magnirostris, que com freqüência rapina pintos. Por isto é odiado pelos sitiantes. O chamam “pega-pinto”, “papa-pinto” e “gavião-carijó”.
Muitos criadores então reservam os pintos num cercado próprio, o "pinteiro", para se prender a galinha com os pintinhos novos, onde receberão maiores cuidados e estarão mais protegidos de predadores e intempéries. Feito de tela industrial ou de forma rude num gradeado de bambu lascado.
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Pinteiro. |
A mescla genética da galinha caipira é imensa porque diferentes raças vão sendo criadas juntas possibilitando os cruzamentos entre as garnizés, índias, rodes (Rhode Island Reds), sapateiras (com penas nos pés), barbudas, de topete, nanicas, suras, dentre outras. As variações de cor vão ganhando nomes, tais como carijós (pintalgadas de branco e cinza escuro ou preto), prata, vermelha, branca, preta, etc. Aliada a esta mescla a alimentação variada possibilita uma qualidade própria da carne e ovos que elevam seu valor como "galinha caipira", queridíssima na mesa e responsável por excelentes pratos de nossa culinária típica: galopé - galo cozido com pé de porco; galinha ensopada (cozida, com caldo grosso, por vezes com legumes), frita, assada ou como ingrediente para canja. O povo atribui à galinha caipira maior valor nutritivo que à de granja, de criação intensiva, exclusivamente na ração.
Diz-se que no terreiro que se cria galinhas deve se ter uma preta no meio. A galinha preta protegeria toda a criação de mau olhado. Galo preto tem a mesma prerrogativa. Outra medida que livra o terreiro de um quebranto bravo é ter três galos, independente do padrão de cor das penas. Para livrar a criação de malefícios outro artifício é consagrar um galo sempre virgem a São Roque. O povo acredita ainda que no terreiro de criação, um galo cantando fora do horário habitual representa mal agouro. Galinheiro é local frequentado por espíritos imundos a horas mortas. Barulhos dentro dele pela madrugada não devem ser investigados, pois se a pessoa vai nele fora de hora, pode ser vitimada por um desses espectros, que passa a azucrinar a vida do indivíduo na qualidade de encosto.
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Dormitório de um galinheiro. |
* A erva de santa maria, também chamada "mastruz" por vezes classificada no gênero Dysphania também é usada como repelente de pulgas e assim desfolhada nos canis e até por cima do colchão de dormir. Esfregada em água e usada como banho em cães e gatos afugenta as pulgas. Na medicina popular tem uso regional como vermífuga, fervida ao leite, mas seu uso interno é arriscado e não deve ser empregado sem acompanhamento de um especialista em fitoterapia.
** Texto e fotos (Brumado de Baixo - pinteiro e dormitório; Brumado de Cima - ninho; São João del-Rei, 2009): Ulisses Passarelli
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