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Bem vindo!Esta página foi criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas, tampouco acadêmicas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Santo Antônio... de Caltagirone ou de Noto?

Há uns quinhentos anos, nasceu em terras africanas um homem preto, filho de pais muçulmanos, cujo itinerário de vida o conduziu virtuosamente à santidade. O protagonista desta postagem nasceu na cidade de Barca, no nordeste da Líbia, na costa oriental daquele país, região chamada Cirenaica.

De espírito religioso, este islamita foi capturado, escravizado e forçado às galés da Sicília, na costa italiana. Foi vendido a um fazendeiro das imediações da cidade siciliana de Noto, na província de Siracusa. Nos dizeres de Antônio Gaio Sobrinho,

"arrematado por João Landávula, este, ao casaram-se-lhe as filhas, deu-o aos genros como parte do dote. Teve, então, o destino de cuidar dos rebanhos de seus novos senhores, como vaqueiro e retireiro. De boa índole, recebeu de bom grado os ensinamentos cristãos, abjurou o Islamismo e deixou-se batizar tomando o nome de Antônio, por homenagem a Santo Antônio de Lisboa". Devoto do rosário de Nossa Senhora, distinguiu-se pelas virtudes da temperança, penitência, docilidade e trabalho." (SOBRINHO, 1997). 

Consta pela mesma fonte, que era caridoso e dava leite das ovelhas de seu senhor aos pobres e que trabalhava na pastorícia sem reclamar de nada. 

Mais tarde foi alforriado e tornou-se franciscano, ingressando na Ordem dos Frades Seculares. Sem esquecer as orações, dedicou-se então à prática da caridade, dando assistências aos doentes. Por fim tornou-se eremita, em vida contemplativa no deserto. 

Festejado a 14 de março, este milagroso santo não teve o corpo corrompido. Ainda Antônio Gaio Sobrinho, disse: “muitas vezes era surpreendido em êxtase diante do altar, envolto de luz, com o corpo irradiando chamas (...) quando morreu, em 1549, os sinos de todas as igrejas de Noto, na Sicília, puseram-se a tocar sem ninguém que os tangesse.”

Ao que parece, salvo engano, ingressou no mosteiro da cidade siciliana de Caltagirone, na província de Catania. O nome desta cidade é motivo de muitas corruptelas na pronúncia do brasileiro: Calatagirona, Catagerona, Catalgerona, Catalagerona, Cartilagerona, Cartagerona, Catigerol, Catigeró, Categeró (talvez a mais comum), Catigerá, Catigeraba, Catiberá. 

Em razão do acima exposto este santo foi denominado Santo Antônio de Noto, em referência à cidade onde foi escravizado, ou Santo Antônio de Caltagirone, em referência à cidade onde ficava seu mosteiro, depois de alforriado. É ainda conhecido por "Santo Antônio de Cartago".

Paira, entretanto, uma nuvem sobre a sua identidade. O autor já citado nesta postagem acredita que Santo Antônio de Noto e de Caltagirone são dois diferentes e não o mesmo. Segundo Antônio Gaio Sobrinho, o de Noto faleceu em 1549 e o de Caltagirone em 1515. Entretanto, não encontramos base convincente para esta assertiva e por oras esta postagem considera que se trata do mesmo santo. Seria como o famoso Santo Antônio, o de 13 de junho, "o Casamenteiro", que se festeja com fogueiras votivas: Santo Antônio de Lisboa (onde nasceu, em Portugal) ou Santo Antônio de Pádua (onde morreu, na Itália). 

Sobre sua santidade, há estes relatos: 

"Antônio humilde, dizia que ele não passava de um simples escravo do Senhor Jesus, só Deus tem poder de curar. Impunha as mãos aos enfermos, rezava e Deus curava. Depois de sua morte continuou a fazer muitos milagres. Até hoje temos testemunhas de muitas pessoas que alcançaram grandes graças por intercessão de Santo Antônio de Categeró." (PARÓQUIA NOSSA SENHORA DA EXPECTAÇÃO, 2025).

"Os jesuítas difundiram a devoção a Santo Antônio de Categeró da Itália para o Brasil. Logo muitas igrejas foram dedicadas a ele, e mais de 60 imagens representavam este Santo Africano no final do período barroco. A primeira Fraternidade de Antônio Categeró foi fundada em 1592. No Brasil, Santo Antônio tornou-se um símbolo de conforto para os escravos trazidos da África." (MERICLE, 2025).

"Cinquenta anos após a morte do eremita, seu túmulo foi aberto, em 13 de abril de 1599. Para surpresa geral, seu corpo não havia se decomposto. Estava íntegro como no dia de seu sepultamento. Imediatamente a notícia se espalhou e se iniciaram as narrativas de inúmeros milagres ocorridos por sua intercessão. Uma imagem sua foi esculpida e, posteriormente, encaminhada a uma igreja em que se cultua sua devoção, na África. De lá, atravessou o Atlântico e hoje se encontra na igreja da Paróquia de Nossa Senhora da Anunciação, no bairro Riachuelo, no Rio de Janeiro.

(...)  

A notícia, há algumas décadas, de que Antônio de Categeró figurava na lista dos santos não reconhecidos pelo Vaticano não abalou a fé de seus devotos. Em São Paulo, a Igreja Católica Apostólica Brasileira o assumiu para si. Ergueu-se um templo em sua devoção na Rua Tauandê, Vila Formosa, no final da década de 1950. Em frente ao templo, foi construída uma “gruta dos milagres”. Em janeiro de 1968, uma longa reportagem da Folha de S. Paulo descrevia as peregrinações com números de fiéis que iam de 5 a 15 mil pessoas numa sessão de terça, sexta ou domingo. Hoje, ali também funciona a Casa do Bom Samaritano." (FAUSTINO, 2016)


Existe uma igreja que a ele era dedicada na capital fluminense, ora um templo da Igreja Ortodoxa Antioquiana sob outra dedicação: 

"Houve uma Igreja Santo Antônio de Categeró, no Rio de janeiro/RJ. Como diz na placa afixada: No dia 19 de abril de 1998, Santo Expedito passou a ser o Padroeiro desta paróquia.  E, provavelmente, nesta data também ocorreu a entrega do acervo de Santo Antônio de Categeró,  então existente, entregue na Igreja Nossa Senhora da Anunciação da Mãe de Deus, igreja existente neste mesmo bairro – a Penha." (REVISTA ELETRÔNICA ABC DA SEGURANÇA PÚBLICA, 2025)

Nos tempos do cativeiro, foi padroeiro dos escravizados, junto com Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia, São Benedito e Santo Elesbão. Em São João del-Rei há uma significativa imagem sua na Igreja do Rosário, que o representa como um homem preto, com hábito de frade. Segura o Menino Jesus ao colo e traz um resplendor prateado à cabeça. 

É destaque também sua imagem na setecentista Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Tiradentes/MG. 

Na Festa do Rosário do Bairro São Geraldo, em São João del-Rei, os congados erguem-lhe um mastro votivo, em cujo extremo, um quadro emoldurado com a pintura de sua efígie, abençoa a praça em festa. Está entre os padroeiros dos congados, reconhecido por muitos capitães que rezam a ele, embora raramente lhe dirijam cantorias: 

“Me ajuda meu Sant’Antônio! 
Sant’Antônio de Catigerá! 
Êh ... Santo Antônio! 
Não me deixa a cangira virá!...” 
(Moçambique, Passa-Tempo / MG, 2001). 

Diz sua oração: 

“Oh, milagroso Santo Antônio de Categeró, / valei-me nesta hora de aflição! / Preciso da vossa ajuda para vencer as lutas do dia a dia / e as forças malignas que procuram tirar-me a paz. / Libertai-me das doenças e de todas as bactérias infecciosas / que querem contaminar o meu corpo colocando-me enfermidades. / Oh, Santo Antônio de Categeró, / estendei as vossas mãos agora mesmo sobre mim, / livrando-me dos desastres, da inveja e de todas as obras malignas. / Oh, Santo Antônio de Categeró, / iluminais os meus passos, a fim de que, / onde quer que eu vá, não encontre empecilhos, / e guiado pela vossa luz me desvie de todas armadilhas preparadas pelos meus adversários. / Oh, Santo Antônio de Categeró, / abençoai a milha família, / o meu pão e a minha casa, / cobrindo-nos com o véu da prosperidade, do amor, da saúde e da felicidade. / Por nosso Senhor Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo. Amém!” (c/aprovação eclesiástica). [1]

No contexto catequético do período escravocrata, o santo, ainda que não oficializado, servia de fonte de inspiração ao pretendido modelo de servidão mansa, sem reação, como um caminho de santidade. Não é pois de espantar sua popularização entre a população escravizada, forçada a absorver novas devoções que não faziam parte de seu panteão original. Isto era bem mais fácil por história, também africana, e pela relativa proximidade étnica. Neste cenário, o culto serviu ao domínio. Contudo, pós abolição, sem focar no aspecto histórico, a devoção se manteve, livremente, por devoção no âmbito da religiosidade popular, como um santo sintonizado com os valores da negritude. 

  
Mastro de "Santo Antônio de Categeró" no Bairro São Geraldo,
São João del-Rei, durante os festejos congadeiros em honra ao rosário. 18/09/2016.

Imagem de Santo Antônio de Caltagirone. Igreja do Rosário, São João del-Rei.
Acervo da Venerável Confraria de Nossa Senhora do Rosário. 11/12/2014.

Existe ainda uma discussão acerca da verdadeira existência deste santo, posta em dúvida por alguns. Há ainda que atribua a difusão de sua devoção a uma dissidência do catolicismo romano. Controvérsias à parte, o santo segue em seu prestígio, querido pelo povo.


Referências 

BETTENCOURT, Estêvão, Dom. Quem é Santo Antônio de Categeró.  Católicos on-line.
Disponível em: http://www.pr.gonet.biz/kb_read.php?num=751  Acesso em 11 dez. 2014

FAUSTINO, Oswaldo. O santo negro Antônio de Categeró. Revista Raça, 20 out. 2020. Disponível em: https://revistaraca.com.br/o-santo-negro-antonio-de-categero/  Acesso em 09 nov. 2025. 

MERICLE, Phillip. Santo Antônio de Cartago (Categeró): 14 de março. Santo do Dia. Disponível em: https://www.traditioninactiondobrasil.org/SOD/245_sd_Ant_Car_3-14.htm  Acesso em 09 nov. 2025. 

PARÓQUIA NOSSA SENHORA DA EXPECTAÇÃO. Devoção a Santo Antônio de Categeró. São Paulo: Freguesia do Ó. Disponível em: https://nossasenhoradoo.com.br/devocional/santo-antonio-de-categero/  Acesso em 09 nov. 2025. 

REVISTA ELETRÔNICA ABC DA SEGURANÇA PÚBLICA. Beato Antônio de Categeró. Disponível em: https://categero.org.br/antigo/?page_id=102  Acesso em 09 nov. 2025. 

SOBRINHO, Antônio Gaio. Santos Negros Estrangeiros. São João del-Rei: [s.n.], 1997. 153p.il. p.35-37. 

WIKIPÉDIA. Verbetes: Antônio de Categeró, Cirenaica, Noto (Itália), Caltagirone (acesso em 07/12/2014, 09:20 h)
https://categero.org.br/antigo/?page_id=102

Créditos

- Texto: Ulisses Passarelli.
- Fotografias: Iago C.S. Passarelli.

                                                                             Notas 

[1] Fontes: São João del-Rei, Bairro Tijuco, 1993 - santinho /  impresso em jornal da cidade, classificados, 2001
- Revisão: 09/11/2025. 

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