Os Irmãos Grimm (Jacob e Wilhelm) num trabalho memorável, coligiram na Alemanha versões de contos e fábulas, que eternizaram em livro nas primeiras décadas do século XIX e que ainda hoje, encantam adultos e crianças. Dentre eles, um dos mais conhecidos é a Branca de Neve.
Tornado um grande clássico cinematográfico em 1937, sob a genialidade extraordinária de Walt Disney, marcou-nos com cenas sublimes e aprimorada técnica, e uma frase antológica: "Espelho, espelho meu...", com a qual a madrasta de Branca de Neve, possuída das piores características humanas, fitando um espelho mágico, perguntava-o quem era a mulher mais bela do reino. Sempre fidedigno, respondia o espelho por meio de uma voz, que era ela, a rainha, a de maior beleza. Mas um dia, a enteada, Branca de Neve, alcançou no vigor da juventude, uma beleza ainda maior, anunciada pelo espelho mágico e motivo de cruel perseguição pela madrasta invejosa.
Além dos contos de fada, na mitologia a sereia aparece sentada numa pedra à beira-mar, observando, vaidosa, sua própria beleza irresistível num pequeno espelho de mão. Dentre os orixás, a prestigiada Iemanjá também tem o seu espelho. O espelho, rodeado de búzios brancos, preso a uma capa com capuz, é fetiche do orixá Dadá, protetor dos vegetais.
Desde tempos mais antigos até aos dias atuais, o espelho é um objeto ligado a algumas superstições. A título de exemplo, em São João del-Rei é corrente (e aliás, na circunvizinhança):
Palhaços de folia de Reis de Ritápolis/MG, vendo-se o típico chapéu de cone
com aplicação de espelhos. 1996 (esquerda, com a bandeira) e 1995 (direita).
- quebrar um espelho representa mal presságio, sorte ruim. Quebrar um vidro comum já não tem o mesmo significado, considerando-se sinal de boa sorte, pois se quebrou um mal iminente, inveja, demanda. Um umbandista explicou-me certa feita, que os exus protetores usam os cacos de vidro como armas contra espíritos sem luz (quiumbas). O mesmo não acontece com o espelho;
- não é bom olhar num espelho quebrado, pois confunde a mente ao se ver a própria imagem distorcida;
- dá azar conservar um espelho quebrado em casa. Atrai coisas ruins, espanta a boa sorte. Deve-se livrar dele;
- olhar concentradamente um espelho, em prece ao anjo da guarda, para mostrar um fato que está acontecendo e no qual se pensa com firmeza, pode permitir a vidência do mesmo, revelado como uma cena diante do espelho;
- pessoa que se transforma de estado emocional ao se ver no espelho, por exemplo, passando de calma a agitada ou nervosa, está acompanhada de encosto (espírito perturbador em companhia);
- xingar, falar palavrões, impropérios diante do espelho, ou olhar nele com ódio e rancor, faz com que o mal retorne para a própria pessoa;
- não se deve segurá-lo ou nele olhar durante uma tempestade pois atrai raios;
- para prevenir a atração dos raios, deve-se cobri-lo completamente com um pano durante a chuva;
- reflete mal-olhado para quem enviou. Rebate as más influências. Por isto é muito usado preso aos chapéus de dançantes de folguedos populares. Certos folcloristas tem interpretado o fato como uma inconsciente representação solar, pelo brilho refletido, velhíssima herança astrolátrica. Respeitosamente, não endosso esta visão. A causa é mais espiritualista: exus, quiumbas, eguns, almas aflitas, sacis, pombas-gira e outros espíritos da linha esquerda, sobretudo os inferiores, malfazejos, não olham de forma alguma no espelho, pois não toleram ver suas próprias formas desarmônicas, que espantariam a si mesmos. Logo o espelho nos chapéus não permite sua aproximação. De fato, se é mais comum fixá-lo na área frontal do chapéu, mas não é raro vê-lo também nas laterais e atrás, cortando a aproximação por todos os lados.
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Espelho ao centro do chapéu de um congadeiro de Santa Cruz de Minas. 2014. |
Cascudo registrou muitos exemplos supersticiosos acerca do espelho, atestando sua universalidade e ancestralidade, ligando-o à mitologia e explicando que a imagem representa o duplo, o outro eu, no ponto de vista psicanalítico, passível de males como a própria matéria.
Referências Bibliográficas
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d]. 930p.
Notas e Créditos
* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotos: Iago C.S. Passarelli (congado) e Ulisses Passarelli (folias)
Interessante este relato sobre a superstição do espelho, desde pequeno escutava de meus pais sobre isso.
ResponderExcluirÉ saudável relembrar fatos e histórias do nosso rico folclore.
Parabéns pelo relato.
Prezado Maury: agradeço muito a visita, o comentário e por ter se inscrito como seguidor deste blog. É um trabalho de formiguinha o desta página, mas ela vai contribuindo fielmente com o registro da cultura popular, revelando a riqueza de nosso folclore, sempre em temas variados. Continue acompanhando as atualizações.
ExcluirAbç.cordial.
Parabéns pelo.blog não se pode deixar morrer as crenças
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