Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sábado, 20 de dezembro de 2014

Oração do Esporão e remédio para osteoporose

Sob o nome de "medicina popular" os folcloristas englobam uma série de práticas e formulações que o povo empiricamente adota e propaga como mecanismo de tratamento de certas doenças. 

Sempre que aborda tal assunto, este blog frisa o risco de semelhantes usos pelo eventual dano que pode trazer à saúde, pois tais receitas não foram cientificamente testadas e não se sabe seu real potencial de cura ou dano à saúde. Por isto, não se recomenda. Apenas se registra, pelo valor etnográfico e para que futuros estudos possam elucidar mais a questão.

Desta feita, seguem duas receitas populares coligidas em São João del-Rei no corrente ano, recolhidas de fonte familiar, difundidas informalmente por via manuscrita, distribuídas em cópias, aqui reproduzidas. Muitas vezes a perpetuação destas práticas se dá apenas por via oral, ficando neste caso consignada ao mesmo tempo uma prática de folk-comunicação. 

Uma curiosidade é que os dois exemplares adotam pés de galinha como matéria prima. A primeira em especial exige que seja de galo, pela necessidade da presença das esporas, que quanto maiores, tanto mais eficiência emprestarão à simpatia.

A espora do galo é um símbolo de virilidade. Quando a espora é grande e aguçada, maior o valor é atribuído à ave. A espora cortada e posta a secar, uma vez conservada com a pessoa se torna um amuleto capaz de repelir uma série de males. Uma arma córnea contra quebranto. Tanto mais se for de galo preto. Trespassada numa guia evoca a força da linha esquerda, dos exus. 

Quanto ao esporão é uma espícula (ponta) de osso que surge no osso do calcanhar (calcâneo) e provoca inflamação da estrutura das fáscias, gerando dor. É um incômodo terrível que aflige a muitas pessoas. 

No caso da primeira receita, ou antes, simpatia, existe uma analogia entre o esporão do pé e a espora do galo, que passada sobre o pé do paciente com o enunciado próprio, tiraria supostamente o problema, uma vez que enterrada. Esta simpatia conserva elementos típicos, por magia simpática. Enterrar equivale a exterminar o mal. A recomendação de ser onde a pessoa não passará é uma tradicional medida de segurança para evitar que o mesmo mal retorne. Os pés do galo são esfregados sobre a pele três vezes, e o número de preces também é regulada em três, de valor especial no folclore. 

Eis a transcrição:

"Oração do esporão. Dois pés de galo que tenham esporão, passe dos joelhos para baixo nos dois pés, mesmo que não esteja doente e reze: 'esporão, esporão! Leve este mal para onde eu não vejo', e de três vezes, reze três pai-nosso, três ave Maria, pede a Jesus que leve essa enfermidade. Enterra os pés em lugar onde a pessoa não vai passar."




É preciso frisar que não existe objeção a consumir o galo desta simpatia como alimento. Apenas os pés são usados.

A receita seguinte não se prende à pretensão mágica da simpatia. Apela em verdade para a química dos componentes, retirado o óleo que sobrenada no ato da fervura dos pés de galinha, fonte específica para fornecimento de cálcio nesta prática popular. O produto é ingerido parcimoniosamente, tomando-se de cada vez em medidas de colher, para o combate à osteoporose, segundo a crença.  

Receitas como esta são comuns no seio popular. Eis a que está em questão: 

"Remédio para osteoporose 

2 Kg de pés de galinha;
2 litros de água ou mais, se precisar;
1 copo e meio de açúcar;
2 cavacos de canela;
2 nozes moscadas pequenas
2 copos americanos de caldo de laranja;
2 folhas de gelatina sem sabor;
1/2 copo americano de vinho branco seco.

Modo de preparar
Cozinhar bem os pés com 2 litros de água. Se precisar, acrescente mais. Deixar na panela de um dia para o outro. Retirar o óleo que fica por cima e jogar fora. Levar novamente ao fogo. Colocar os demais ingredientes e deixar ferver bastante. A gelatina pode ser dissolvida no próprio caldo. Tomar às colheradas, ao dia." 



A "medicina popular" é uma vertente riquíssima da cultura popular e em cada região tem suas próprias características, componentes, formulações... fonte inesgotável para estudo e pesquisa do folclore. 

Notas e Créditos

* Texto e fotos: Ulisses Passarelli 

2 comentários:

  1. Que absurdo. Cortar os pés do galo por causa do meu esporao. Nunquinha! Jamais.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Compreensível sua indignação; no entanto, como o texto destaca, não há objeção em usar da carne do galo. Ou seja: o animal é morto para consumo, como se fazem com as aves domésticas criadas com este objetivo. Apenas os pés são usados para dar cumprimento a esta simpatia.

      Excluir