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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




terça-feira, 8 de outubro de 2013

Sol com chuva, casamento de viúva

Superstições Meteorológicas

O tempo rege o mundo, literalmente, pela marcação cronológica. Mas ora me refiro à palavra "tempo" no sentido atmosférico, meteorológico. Desde a  ancestralidade humana os fenômenos naturais ganharam um ar místico, superior, posto que fogem ao controle dominador humano. Não é de admirar que remotas civilizações tivessem deuses com atributos sobre astros e intempéries. Fenômenos exacerbados são sinais de castigos da cólera divina, logo se vê na bíblia, como no caso do dilúvio e da destruição das corrompidas Sodoma e Gomorra. 

No Brasil, igualmente, nos meios populares existe um grande respeito ao tempo e suas manifestações. A herança etnográfica cruzando vários saberes de diferentes procedências, produziu um sistema de crenças que vai desde tabus a previsões do tempo. 

Quem poderá lhes determinar a exatidão das origens e dos limites geográficos? Vem de que povo? Qual época? Cada região tem suas determinantes que se disseminaram com as correntes migratórias e domínios militares. Estudar-lhes é um desafio digno de uma boa monografia e uma simples postagem de blog com este tema é uma ousadia. O saudoso Altimar de Alencar Pimentel dedicou o excelente livro "Sol e Chuva: ritos e tradições" inteiramente a este tema.

Encaradas em geral no campo das superstições, como ora esta página as apresenta, tais formas do saber perpassam porém por uma observação muito intensa dos fenômenos naturais, da movimentação das nuvens, das reações dos animais frente a mudanças climáticas, os detalhes de cores do céu, etc, precedendo cada fenômeno. Estes saberes acumulados foram transmitidos oralmente de geração em geração. 

Mas no momento uma ameaça paira sobre este campo da cultura popular: muito além das mudanças sociais que minam certos componentes do folclore, as mudanças climáticas do mundo moderno desregularam a naturalidade dos fenômenos que parecem desnorteados... calor no inverno, frio no verão, chuva na seca, seca na quadra que deveria ser chuvosa. O sinal da lua não traz mais a chuva esperada. Um pássaro agora pode se enganar em seu canto prenunciador. Setembro não é mais garantia das chuvas para o plantio da nova safra. "O sol parece que está mais baixo, você já reparou?", me alertou um rurícola, referindo-se a forma como a sua radiação queima tão intensamente hoje em dia, uma referência interessante ao efeito estufa e aos buracos na camada de ozônio. 

É sobretudo o homem do campo que domina a previsão climática por observação empírica. Na calma da roça pode observar as luzes do céu sem interferência dos postes e a paz do ambiente lhe proporciona a visão dos detalhes invisíveis a nós outros. 

Assim, isto que para nós é "mera" superstição, para eles é sabedoria dos antigos, ensinamentos avoengos, que não deveriam falhar e que se hoje falham é porque o homem está brincando de ser Deus, desrespeitando sua criação. É um castigo, um sinal dos (fins) dos tempos... 

Segue em caráter ilustrativo uma coleção de trinta observações coligidas nos últimos dez anos em São João del-Rei e Santa Cruz de Minas, de vários informantes. Mesmo na coleta urbana se denota uma forte influência do mundo rural entre as superstições meteorológicas. 

Arco-íris retratado na Caieira, São João del-Rei (ver superstição nº14)

Sinal luminoso ao redor da lua (ver superstição nº17) 
Eclipse total da lua, ainda não completo (ver superstição nº18) 

Sinal de frio no poente outonal de São João del-Rei (ver superstição nº21) 

Geada no Brumado de Cima (São João del-Rei), em 12/06/2010 (ver superstição nº22)

Ramos envergados com as pontas em direção ao solo,
sinal de mais chuva. Árvore cítrica (mexeriqueira),
Caieira, São João del-Rei (ver superstição nº31). 

Formiga de correição preta na Serra do Lenheiro (ver superstição nº04)

Formiga de correição vermelha na Serra do Lenheiro (ver superstição nº04)
***

01- Andorinha (hirundinidae) voando baixo é sinal de chuva.

02- João-bobo (capitonidae, Nystalus chacuru) cantando é sinal certeiro da mudança do tempo, quase sempre de chuva. 

03- Sabiá (turdidae) cantando na hora de sol quente está chamando chuva. 

04- Formiga de correição (*) fazendo carreira é sinal de chegada da chuva no prazo de até três dias. Para evitar que elas entrem dentro de casa deve-se riscar a parede a redor da casa, o passeio e a pedra da soleira com carvão, desenhando-se cruzes. 

05- Neblina alta (cobrindo cúlmen de montanhas) indica chuva chegando; já a pequena altitude é sinal de muito calor ("cerração baixa é sol que racha", conforme o ditado popular). 

06- Enquanto uma estrela cadente corta o céu em sua passagem fugaz não se deve falar nada pois se fica linguarudo (intrigueiro).

07- No caso anterior, para curar o mal de ter se tornado fofoqueiro, deve-se beijar o pano do altar de uma igreja.

08- Calo doendo: sinal de chuva se aproximando. 

09- Membro do corpo que já teve osso fraturado doendo sem causa aparente: indica uma mudança de fase lunar. 

10- Local onde cai muito raio tem presença de ouro enterrado, que atrai a faísca atmosférica.

11- Quando passa a mãe do ouro (raio-bola ou raio-globular) deve-se pedir assim: "me dá um cabelo minha mãe" e ela então solta um fio dourado no ar. Se localizar onde caiu se verifica que é feito de ouro. 

12- A mãe do ouro persegue quem abusa com desrespeito e zombaria de sua passagem ou existência. Se tocar na pessoa ela morre na hora. Para salvar tem que riscar um signo de salomão (estrela de cinco pontas) no chão e entrar dentro. Ela passa e desvia. 

13- Quando a mãe do ouro arrebenta numa pedreira de serra ou cai numa cascalheira é porque lá tem minério de valor e ouro, que a atraem. 

14- Arco-íris ou arco-da-velha suga água do chão no ponto que toca a terra (que se for alcançado revelará grandes tesouros...) e leva o líquido para o céu, produzindo as chuvas. A base religiosa afro-brasileira dá ao orixá Oxumaré o domínio sobre o arco-íris. 

15- Vento muito forte, destrutivo, se origina porque no inferno morreu o diabo mais velho. 

16- A lua cheia suga dos frutos sua energia e viço, tornando-os chochos, isto é, sem substância, "aluados". Fruto aluado: fruto seco, que pertence à lua. 

17- Sinal na lua, como um halo luminoso não é bom indicativo: se aparece na seca, mostra chegada de forte geada; se surge nas águas (quadra chuvosa do ano), tempestade à vista. 

18- Eclipse ("ecripa", "cripe") solar ou lunar é sinal de desgraças, crença muito antiga e difundida. É visto como um prenúncio de vicissitudes, posto que, diz  o ditado popular, "sinal no céu é castigo na Terra..."

19- Lua minguante diminui a força de crescimento dos vegetais, animais e dos cabelos (cortados no decurso desta fase). A crescente faz o efeito contrário; a cheia é o vigor em plenitude das vidas do reino animal e vegetal e a nova é neutra. 

20- Cortar madeira só na minguante porque a seiva está descendo para a terra; logo, a madeira está mais seca e durará mais. Na nova a seiva não desce nem sobe, está parada e a madeira é como se não tivesse vida. Na lua crescente a seiva sobe vigorosamente das raízes para as folhas e a madeira atinge o máximo de umidade na lua cheia. Se cortada nesta fase terá pequena duração, posto que susceptível à podridão e ao ataque de insetos xilófagos. A boa madeira para ter durabilidade deve ser cortada então na lua minguante e de preferência nos "meses sem erre" (R), ou seja, sem esta letra no seu nome, apenas por questão mnemônica, pois são os mais secos: maio, junho, julho e agosto. 

21- Céu muito avermelhando no poente, ao crepúsculo indica no inverno aumento do frio. O povo chama esse vermelhão no celeste da linha do horizonte vespertino de "barra de geada". 

22- Geada não cai sobre a poeira. Por isto em pleno inverno, antes da primeira geada, cai uma chuva leve, que lava as folhas e o solo. Logo depois o tempo esfria muito para a geada cair. 

23- Raios e trovões devem ser muito respeitados. Enquanto acontecem deve-se resguardar de mexer com materiais metálicos, com água ou ficar em frente a espelhos, pois tudo isto atrai faíscas elétricas. Não falar palavras ofensivas (palavrões) e não se xinga. Tempestades elétricas se acalmam com a força de orações a São Jerônimo e Santa Bárbara, protetores contra temporais. Onde há influências das religiões de matriz africana se clama pelos orixás Xangô e Iansã, com quem fazem respectivo sincretismo.  

24- Grandes tempestades se acalmam quando se joga no terreiro da casa, em plena chuva, uma peneira de taquara, emborcada. 

25- Para clarear o tempo, jogar uma barra de sabão sobre o telhado e rezar para Santa Clara. Simpatia difundida entre as lavadeiras, que dependem do sol para secar suas roupas. 

26- O raio quando cai traz uma pedra na ponta, que ao cair afunda sete metros no chão. Depois vai subindo um metro por ano, sozinha, até chegar à superfície. É a "pedra de raio" considerada um amuleto, muito procurado. É em verdade um artefato neolítico, machado de pedra ou outra ferramenta primitiva do homem pré-histórico, acaso encontrada num terreno em preparo para plantio ou outro lugar qualquer. 

27- Ver estrela cadente dá sorte, traz fartura para a pessoa. Ao passar deve-se fazer um pedido e será atendido. 

28- A utilidade da geada é matar as pragas da terra que destruiriam as sementes. Ano que não cai geada não há boa colheita porque poucas sementes brotam.

29- Relâmpagos distantes, nuvem a nuvem, isentos de trovão, são chamados "camarinhas" (**). Nos Campos das Vertentes, se vem dos lados das cabeceiras do Rio Grande é sinal certeiro de chuva muito próxima, mesmo que no momento da observação o tempo esteja bom. Então mudará rapidamente de status

30-Redemoinho: "ridimunho", vento de corrente giratória, obra do espírito traquina saci-pererê, cujas estrepolias podem ser dominadas dando-se um nó numa palha, que se joga no meio do torvelinho. O povo teme este tipo de vento supondo que ele traz más influências, carregando-as de um lugar a outro, daí dizer-se que "redemunho traz e leva poeira...", ou seja, malefício.

31- Após alguma chuva, se a ponta dos ramos permanece envergada por algum tempo, é indicativo que ainda virá mais chuva.

Notas e Créditos

Hábito das formigas da espécie Eciton burchelli promoverem imensas excursões fora de seus ninhos, correndo céleres e agressivas à cata de tudo que acham na frente para lhes servir de alimento, picando pessoas e animais domésticos, por isto mesmo odiadas. A observação popular diz que são prenunciadas pelos pássaros cuculídeos anus pousados no chão. É que as formigas-de-correição espantam todo inseto adiante de si e na fuga deles estes pássaros levam vantagem, devorando-os.
** Obs.: a palavra "camarinha" comporta também outro sentido completamente distinto - é o cômodo das donzelas de uma casa; quarto cuja entrada única se faz passando por dentro de outro quarto, justamente o dos pais. Era uma forma provinciana, tradicional e antiga de vigiar a virgindade das filhas.
***Texto e vídeo: Ulisses Passarelli
**** Fotografias: Iago C.S. Passarelli

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