O canto congadeiro difundido nesta região alude à concepção geral do mistério (daí a palavra africana "dendê"), que envolve o sacerdote, identificado no seu paramento típico e sagrado. Muitas vezes o padre sem a batina é tido como "sem força", posto que despido da sua veste sagrada. Dizem em São João del-Rei que os padres de hoje não tem a força dos antigos porque andam pelas ruas em trajes comuns, sem batina.
Em conformidade ao seu comportamento quando encarnado, fidelidade à ordenação sacerdotal, benevolência, retidão de conduta, carisma, dons, caridade e firmeza de ações, o padre goza em vida de um respeito imenso dos fiéis, que o tem como um orientador espiritual, conselheiro, chefe religioso. A alguns se atribui um valor excepcional da eficácia das preces e do poder das palavras. Repassando a vista sobre estes relatos da religiosidade popular rememoramos a mensagem bíblica: "Terás, pois, o sacerdote por santo, porque ele oferece o pão de teu Deus" (Levítico, capítulo 21, versículo 8). Uma crendice arraigada por exemplo é a da "praga de padre", considerada a pior de todas, pois não há quem a expurgue e ainda mais, pode ganhar força cármica, digamos assim, passando para as gerações subsequentes daquela família. Então se acredita no campo do folclore, que se um padre amaldiçoar alguém, a má sorte o acompanhará doravante. A maldição pode gerar uma limitação física que acompanhará os descendentes da vítima, de forma congênita.
Em São João del-Rei, alguns adeptos da umbanda creem que, se quando encarnado, um padre tiver descumprido as regras sacerdotais, poderá eventualmente depois de morrer passar à condição de membro de uma falange de exu catiço, no mundo espiritual, não por punição, mas como um novo caminho evolutivo, já que do ponto de vista sacerdotal cometeu deslizes. O grande rigor de ser uma alma tarefeira de exu lhe impõe a necessidade de mudanças drásticas, que quando encarnado não operacionalizou. Seria algo como uma oportunidade de se redimir, trabalhando intensamente e em contínuo aprendizado. Mas por outro lado, aqueles padres que em vida atuaram exemplarmente, depois de mortos, podem se tornar membros da chamada Linha de Semiromba, compondo sua egrégora para a intermediação de graças e orientações espirituais.
Este aspecto do padre desencarnado agindo como uma alma capaz de operar graças é frequente na cultura popular. Eis uma notícia jornalística a respeito, coligida em São João del-Rei: “por uma graça alcançada pela alma de Frei Orlando, fará celebrar dia 28 do corrente, ás 6 horas, uma missa em ação de graças, na Igreja de S. Francisco. Iná.” (O Correio, nº2.054, 26/05/1946). Ora corre oficialmente o processo de beatificação desse frei. Mas em 1995, um pai de santo de São João del-Rei, já falecido, dizia-me que depois de dias de uma presença espiritual não identificada, enfim, numa ingira há cerca de meio século, se manifestou em um jovem médium um determinado espírito dizendo-se Frei Orlando e clamava por ajuda, pois sofria do outro lado por dever uma missa às almas, ou seja, foi feito o pedido e dado o valor do costume, mas a missa não foi celebrada. Uma vez que o pai de santo fez conforme seu pedido aquele espírito teve paz para seguir seu progresso espiritual e não se manifestou mais.
Em Nazareno, do túmulo do ‘Padre Heitor’, diz-se que pessoas de muita pureza e fé conseguem extrair um bálsamo miraculoso, espécie de gotas oleosas, que conservam num recipiente de vidro para pingar na água de beber ou passar numa ferida.
Da mesma forma em São Miguel do Cajuru, na sepultura do Padre Afonso Miguel de Andrade. A tradição oral naquele distrito são-joanense é muito forte sobre este padre, correndo várias narrativas sobre o poder de suas preces e graças que sua alma concede.
Um anúncio dos classificados da Gazeta de São João del-Rei, nº648, 29/01/2011, em forma de corrente, rogava a “Frei Silvério” a graça de ter o amado para sempre _ “paixão eterna, amor infinito” _ dizia expressamente.
Em São João del-Rei o túmulo do Cônego Osvaldo Lustosa, nas Mercês, é dos mais visitados da cidade, onde, segundo observação do ano 2000, se encontravam muitas velas acesas, preces manuscritas em folhas extraídas de cadernos e oferendas de flores. Acreditam que seja um taumaturgo. Infelizmente, a remodelação de sua lápide dificultou tais expressões espontâneas da fé popular.
É corrente também uma grande devoção popular à alma de Padre Vítor (do sul de Minas Gerais, mas que se irradiam até aqui nas Vertentes) e nalguns núcleos espiritualistas clamam curas a Frei Rogério e outros espíritos de antigos religiosos.
Em outras regiões do país também existem tradições populares religiosas em torno de certos padres, como se poderia citar os casos do Padre José Maria, em Natal/RN e em todo o Nordeste, do Padre Cícero Romão Batista e do Frei Damião. Em Belo Horizonte o nome de relevo é Padre Eustáquio, que se irradia até aqui. A título de exemplo (não é um caso isolado), segue fotografia um velho caderno de orações (esquerda), de São João del-Rei, manuscritas e coladas, com um exemplar em destaque (direita) da prece a Padre Eustáquio, datada de 1956.
-Texto e fotografia: Ulisses Passarelli.
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