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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Curador

Em São João del-Rei (e arredores) o termo curador é aplicado ao homem que se dedica a curar as pessoas às custas de rezas fortes e remédios do mato. É um conceito paralelo ao de benzedor mas que se distingue por denotar uma maior profundidade na arte da "medicina popular", no conhecimento das simpatias, das preces místicas, mas sem propriamente explicitar uma atividade religiosa de terreiros de religião de matriz africana.

Os curadores tinham fama de feiticeiros, embora não fossem exatamente isto. Recebiam o peso da discriminação e o preconceito que recai sobre esta palavra. Mas eram em geral muito temidos e respeitados por sua força. Suas preces e o conhecimento homeopático em parte se perderam pois os conservavam sigilosamente, por medo de que alguém aprendesse seus segredos e assim os pudesse derrotar. A força da repressão policial até meados do século XX também colaborou para seu desaparecimento.

Ocorre que a atividade de curador era proibida pelo código municipal desta cidade: “inculcar-se curador de enfermidades ou molestias por via do que vulgarmente se chama feitiço. Multa de 30$000 e oito dias de prisão”.

O Mestre Luís Santana me revelara cheio de satisfação e positivo orgulho que seus avós foram curadores famosos: pelo lado materno, Adão Roberto da Silva, natural de Carrancas, residente em São João del-Rei, e pelo lado paterno, Antônio Inocêncio da Caridade, do distrito de São Gonçalo do Amarante (ex-Caburu), curador do Capitão de Congado Vicente Fagundes, o mais célebre dirigente daquela centenária guarda de congo.

Não obstante o presente foco seja os saberes dos Campos das Vertentes, o termo curador em verdade é conhecido em outras regiões, até mesmo bem distantes. A título de exemplo servirá um canto do boi de Reis (modalidade reiseira de bumba-meu-boi), que me informou o saudoso Mestre Correia, na capital potiguar:

Cobra verde não me morda,
que aqui não tem curador. 
Nos braços de quem me ama,
eu morro e não sinto a dor.  

Por aqui eram especialmente afamados os “curadores de cobra”. Segundo vozes correntes seriam capazes de salvar uma pessoa que sofreu acidente ofídico só às custas de suas orações e preparos fitoterápicos. Há muitos casos narrados nesse sentido. Porém, quando ao se rezar para curar a picada o curador gaguejar ou misturar as palavras da prece por três vezes é sinal claro que já é tarde, ou seja, a morte é inevitável, narrou-me um de meus informante conterrâneos, na zona rural são-joanense.

É preciso não confundir porém o conceito de curador de cobra com o de "curado de cobra", de que nos fala Saint Hilaire:

"Disseram-me que havia na província de Minas e na de São Paulo pessoas que pretendem possuir segredos para preservar da mordedura das cobras mais perigosas, o que se chama curar." 

Por fim vale também dizer que certos curadores detém o conhecimento de orações com que benzem os pastos das fazendas para espantar-lhes as cobras.

Os legítimos curadores estão quase desaparecidos na atualidade. 

Detalhe de um ex-voto da "Sala dos Milagres" do Santuário da Santíssima Trindade, Tiradentes/MG, desenhado sobre papel, que mostra uma serpente saindo da bota de um trabalhador rural. 25/05/2013. 


Referência Bibliográfica

Código de Posturas da Câmara Municipal de São João d’El-Rey. Ouro Preto: Província de Minas, 1887. Art.28, parágrafo 2º.

SAINT HILAIRE, Auguste de. Viagens às Nascentes do Rio São Francisco e pela Província de Goiás. Rio de Janeiro: Nacional, 1944. p. 96-7.

Notas e Créditos 

* Texto e foto: Ulisses Passarelli
** Informantes:
- José Marcos Oliveira, 24/07/2009, Brumado de Cima (São João del-Rei).
- Luís Santana, 25/09/1998, Bairro São Dimas (São João del-Rei).
- José dos Santos Correia, 26/10/1997, Vila de Ponta Negra (Natal/RN).
*** Para saber mais sobre as tradições acerca das serpentes leia: 

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