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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quinta-feira, 27 de setembro de 2012

São Cosme e São Damião

Os Santos das Guloseimas *


São Cosme e São Damião eram irmãos gêmeos, de origem árabe, médicos, exercendo a profissão na Síria, atendendo à pobreza sem nada cobrar, daí serem ditos anargiros. Por citação do procônsul Lysias, foram presos e martirizados durante o Império de Diocleciano, submetidos a terríveis castigos que findaram com a degola, em Egéia, na Silícia, a 27 de setembro de 287.

Seus nomes foram inscritos no cânon da missa e no pontificado do Papa São Félix, seus corpos foram levados para um templo em Roma.

A devoção a eles espalhou-se pela Europa (Itália, França, Flandres, Espanha, Portugal, etc.), onde foram fundadas várias confrarias de médicos das quais eram patronos. Também foram evocados nas questões sexuais: mulheres estéreis pediam ajuda aos santos gêmeos para engravidarem. Conseguindo, depositavam nas suas igrejas ou altares o ex-voto de cera, em forma de pênis, em sinal do cumprimento da promessa. Um tipo de culto fálico. Distribuíam garrafinhas com óleo bento de Cosme e Damião. Diante do altar deles, uma sacerdotisa esfregava o óleo na parte adoentada, que o devoto descobria. Havia também a "incubação": os doentes dormiam na igreja a eles dedica da para curarem o mal.

Da Europa, via Portugal, suas tradições religiosas vieram para o Brasil . Por outro lado, os africanos contribuíram com uma série de outros costumes e devoções, que de mescla às europeias, passaram ambas por adaptações e deram origem no Brasil às tradições de Cosme e Damião.

Para várias etnias africanas havia o culto aos gêmeos, símbolo da fecundidade, da capacidade produtora. Variava o nome, com o fundamento semelhante das divindades gêmeas: Mabaças (entre os bantos), Ibeiji (nagôs), Hoho (jejes). O fluxo de escravizados também transladou para a América Central estas concepções religiosas, com os nomes de Jimaguas (em Cuba) e Marassas (no Haiti - possível alteração de Mabaças). No Brasil, a cristianização se deu no sincretismo com o culto aos santos Cosme e Damião (27 de setembro) e Crispim e Crispiniano (25 de outubro). 

O culto aos gêmeos é ainda associado em algumas partes do país a outro conceito africano ligado à geração humana: Idoú (Doum) e Alabá. Pela tradição africana, o filho que nasce após um parto de gêmeos ou o trigêmeo é chamado doum, e o quarto filho após esta sequência é dito alabá. Em algumas imagens são encontráveis estas divindades, em tamanho menor que Cosme e Damião, junto deles, com a mesma feição e trajes. Doum parece ser a forma sintética dos gêmeos, personificada, daí os cantos em sua honra dizerem por força do brasileirismo, "dois-dois" e "dois em um", corruptelas da palavra doum.

Homenagens ex-votivas, cantos, danças, peditórios a São Cosme e Damião garantem, pela tradição religiosa, que as grávidas não tenham gêmeos (mas se o tiverem serão protegidos pelos santos); afastamento de epidemias, fartura alimentar, proteção contra as doenças sexuais.

Uns escrevem pedidos a São Cosme e São Damião em cédulas, sob a forma de "correntes", para que não falte dinheiro. Geralmente em notas de baixo valor. Fartura. Outros fazem o pedido a eles e distribuem balas às crianças. Guloseimas em geral, como doces, confeitos, pirulitos, chicletes, tudo empacotado ou não, às vezes acompanhados de brinquedinhos. Distribuem por tradição mas, se for feito pedido, a distribuição deverá ser feita por sete anos seguidos. As crianças ficam em polvorosa no dia destes santos, correndo de casa em casa atrás do "Cosme e Damião". Chegam a perder aula para tal procura e é notável a solidariedade delas, avisando umas às outras onde está sendo distribuída a doce tradição, como formigas quando encontram açúcar. Na Bahia são muito festejados' com várias tradições dentro das religiões afro-brasileiras e no catolicismo popular, como o lindo-amor, o caruru-dos-meninos e o baile de São Cosme e São Damião.

Em 1999 distribuímos as guloseimas dos santos na Gruta do Divino Espírito Santo e Nossa Senhora do Rosário, no centro de São João del-Rei, junto à ponte Padre Tortoriello, no final (confluência) das ruas Antônio Rocha e Antônio Josino Andrade Reis. A gruta foi enfeitada interna e externamente com bandeirinhas multicores e foi armado um altar com fundo branco sobre o qual a imagem católica tinha duas fitas atadas para os fiéis beijarem, uma verde, outra rosa. Duas velas acesas em castiçais artesanais. Um pratinho de sobremesa com as ofertas a eles: guloseimas e brinquedos. Flores e ramos de coqueiro.

Um cartaz com "vivas" e pedidos de proteção. A doçaria empacotada estava em balaios de vime e taquara. A criançada que a princípio era pouca, ao ouvir o espocar dos fogos de artifício 12 x 1, veio em correria de toda parte, da Caieira, ruas vizinhas, "PPP" (Praça Pedro Paulo), Morro do Zé da Luz e Matola. A cena pitoresca lembra a correição. Taoca, diriam os indígenas.

Fizeram fila. Que alegria óbvia em seus rostos ao abrir o humilde pacotinho. Analisam as variedades. Comparam: "você ganhou dessa bala?"; "olha só o que tem no meu...". E vão se esvaindo à caça de mais "Cosme e Damião" noutras paragens.

Oferenda para erês (guias de criança), linha de São Cosme e São Damião.
 Cachoeira Véu de Noiva, Serra do Lenheiro, São João del-Rei/MG. 

Referências Bibliográficas

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d]. 930p.

RAMOS, Arthur. O negro brasileiro: etnografia religiosa e psicanálise.


Notas e Créditos

* Publicação original: in TRADIÇÃO, Informativo da Subcomissão Vertentes de Folclore, n.1, out.1999. São João del-Rei. Textop adaptado e melhorado para publicação neste blog. 
** Texto e Fotografia: Ulisses Passarelli
*** Obs.: a fotografia não fazia parte da publicação original. Foi inserida posteriormente nesta postagem em caráter meramente ilustrativo.

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