Imperadores (*)
Muito se tem repetido que as festas
do Espírito Santo procedem de Portugal e que foram criadas pela Rainha Santa
Isabel na primeira metade do século XIV, especificamente na cidade de Alenquer.
Sabe-se hoje que possivelmente esta
rainha teria na verdade estabelecido em solo português uma festividade
inspirada em modelo germânico, de existência bem anterior. De fato, os estudos
apontam a existência de confrarias medievais muito antigas, dedicadas ao
Espírito Santo, na França e Alemanha, incrementadas neste último país pelas
esperanças proféticas do retorno triunfal do Imperador daquela nação, Frederico
II, morto nas Cruzadas. Viria inspirado pelo Divino, como libertador do povo. Corria
então um messianismo profundo e grande influência de correntes pregadoras
franciscanas. Coroar se tornou como um rito de esperança, propiciador de uma
nova era messiânica.
Na festa de Alenquer a Rainha Santa
Isabel aproximadamente na década de 1320 teria coroado um mendigo como
Imperador, com toda pompa e cerimonial nas comemorações católicas do Espírito
Santo. O objetivo daquele cargo transitório era decerto o simbolismo de
confrontar a humildade com o poderio, uma boa lição de moral na nobreza de
então, e em especial em seu esposo Dom Diniz. Conta-se que a rainha era muito
caridosa e sempre ajudava aos necessitados, opondo-se aos gostos da corte,
notadamente de seu marido.
O modelo de festa pentecostal com
coroação de um Imperador teve grande aceitação e logo foi acolhido noutras
igrejas e regiões, repetido ano a ano, com características próprias e inovações
em cada área geográfica. Espalhou-se por Portugal e suas colônias, até em
algumas cidades canadenses, mas em especial na Ilha da Madeira e no Arquipélago
dos Açores. Foi trazida ao Brasil onde se esparramou de norte a sul
tomando também novos aspectos.
A tradição de coroar uma pessoa como
Imperador se manteve, ora figurando adultos ora apenas crianças (o Imperador
Menino) ainda muito usual em várias regiões do Brasil. Houve também e ainda há
em muitos lugares a Imperatriz, igualmente reverenciada por seus súditos
efêmeros.
O prazo normal de cada império é de um ano.
Quanto a ser um cargo fictício é por assim
dizer algo mais recente pois relatos de outrora revelam que o Imperador do
Divino tinha a força de certas decisões e aconselhamentos e até mesmo podia
mandar soltar um preso da cadeia.
Em São João del-Rei desde 1774 se
realizam no bairro de Matosinhos as festas em Pentecostes (50 dias após a
Páscoa) honrando o Divino. As pesquisas em antigos jornais são-joanenses revelaram
que no século XIX os Imperadores eram na maioria escolhidos entre pessoas de
destaque social ou de suposto poder financeiro, certamente na expectativa de
angariar algum apoio ou patrocínio para o evento. A título de exemplo vale
lembrar o caso do Coronel Inácio Correa Pamplona, um dos delatores da
Inconfidência Mineira, que sendo Imperador em 1810 deixou à festa a doação de cem
mil réis como prova um recibo da época, parte de seu testamento, localizado no
arquivo do IPHAN. Um caso interessante foi o do Barão do Carandaí que sendo
Imperador em 1879, deixou elevada soma em dinheiro, dizendo o jornal Arauto de
Minas em sua edição nº9, de 04 de maio daquele ano que doou “a quantia de 400$000 com que entra para o
respectivo festejo, na qualidade de Imperador”. Essas palavras deixam uma
lacuna à clara compreensão, podendo-se subentender que o direito ao cargo
poderia talvez naquela época ser negociado. O destino de tanto dinheiro gerava
controvérsias a exemplo da exposta no jornal O Resistente, nº12, de 19/06/1895
que escreveu:
Pois então o Imperador do Espirito Santo deu 600$000 e a
Imperatriz 200$, perfazendo 800$000, para as despezas do primeiro dia de festa
de Mattosinhos, e não se pôde comprar nem fogos de artifício? Expliquem-nos
como é que o Domingo foi justamente o dia mais chôcho das festas! É extraordinario!
S. João d’El-Rey, 5 de Junho de 1895 - “O espreita”
Os nomes capazes de serem escolhidos para o
cargo maior eram postos a sorteio.
Nos tempos atuais o foco da escolha recai
sobre pessoas envolvidas com a realização do jubileu, que fizeram ou fazem parte
da equipe de festeiros. Não há mais a premissa da posição social ou condição
financeira.
Desta maneira ano a ano se escolhe por
votação interna da Comissão do Divino (conjunto de festeiros), análise dos
nomes plausíveis dentre aquela equipe e mesmo de fora dela, se for o caso, e
procede-se à votação, vencendo por maioria simples. É vetado à eleição aqueles
que já foram imperadores a menos de quatro anos e quem esteja ocupando na
ocasião da coroação a presidência da Comissão ou um cargo político.
O papel atual é mais no plano simbólico (o
que relembra as primeiras festas portuguesas), representando a figura maior de
toda a equipe de festeiros. Ele ajuda a fazer a festa em parceria aos demais
festeiros e não é mais como já foi um dia o responsável maior por toda a
realização.
Veste-se de praxe um terno completo, cingido de capa
e de uma faixa atravessada ao peito, ambas de veludo cor de vinho, adornadas de
bordados e orlas. Tem como insígnias à moda ibérica o cetro, a coroa e salva
(bandeja circular para apoiar a coroa quando não está sendo usada). Como
acessório traz ainda um estoque, espécie de adaga ou pequena espada conduzida
em cortejo sobre almofada de veludo. Anda debaixo de uma umbela aveludada e
guarnecido por um quadro de varas como se fosse um cordão de isolamento. Os
pajens devidamente trajados ao estilo de um corte antiga cuidam de carregar tudo
isto, exceto a coroa e o cetro que são exclusivos do Imperador.
O cerimonial de coroação se dá na
missa solene da tarde de Pentecostes, havendo um ritual ainda que simples para
descoroar o anterior e por meio de autoridade eclesiástica coroar o novo. Os
homens que já foram coroados noutros anos participam como sua guarda de honra,
fazendo-lhe abre-alas.
Porém longe da beleza e da pompa
aparentes neste momento, está o mais importante de tudo, aquilo que ultrapassa
a aparência imponente dos veludos e gravatas: a responsabilidade extrema que o
cargo exige... postura, bom comportamento, honrar as insígnias, dar
esclarecimentos sobre a festa nas entrevistas e questionamentos, representar a
comissão nos eventos ao longo do ano, contribuir de fato, efetivamente, com o
sucesso do festejo, colaborar para a união do grupo e ser sobretudo um bom
conselheiro, isento e equilibrado, mesmo depois de deixar o cargo. Rezar por
todos. Só quem já teve aquela coroa sagrada sobre sua cabeça sabe de fato o que
ela representa, conhece o peso e a graça que tem. Ser imperador é um exercício de
fé e significa se tornar um conselheiro permanente, suporte para as dúvidas e
dificuldades da mesa administrativa.
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Os quinze imperadores (1998-2012). |
01- Ulisses Passarelli (1998) 08- Nivaldo Neves (2005)
02- Luthéro Castorino da Silva (1999) 09- José Cláudio Henriques (2006)
03- José Gonçalves de Sousa (2000) 10- Antônio da Silva serpa (2007)
04- Paulo Zini (2001) 11- José Clever de Oliveira (2008)
05- Geraldo Elói de Lacerda (2002) 12- Jânio Fernando Salomão (2009)
06- Antônio Carlos Garcia (2003) 13- José Francelino dos Santos (2010)
07- José Tadeu do Nascimento (2004) 14- Antônio Cipriani Carvalho (2011)
15- Ivan Campos do Nascimento (2012)
Notas e Créditos
* Publicado em: Informativo do Jubileu do Divino Espírito Santo - Paróquia do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, São João del-Rei / MG, nº15, maio / 2012, p.11
** Texto: Ulisses Passarelli (03/02/2012)
*** Fotografia: Lucas (Master Foto).
**** Acervo fotográfico: Comissão do Divino
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