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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




terça-feira, 11 de setembro de 2012

O Império de Pentecostes

Imperadores (*)


            Muito se tem repetido que as festas do Espírito Santo procedem de Portugal e que foram criadas pela Rainha Santa Isabel na primeira metade do século XIV, especificamente na cidade de Alenquer.
            Sabe-se hoje que possivelmente esta rainha teria na verdade estabelecido em solo português uma festividade inspirada em modelo germânico, de existência bem anterior. De fato, os estudos apontam a existência de confrarias medievais muito antigas, dedicadas ao Espírito Santo, na França e Alemanha, incrementadas neste último país pelas esperanças proféticas do retorno triunfal do Imperador daquela nação, Frederico II, morto nas Cruzadas. Viria inspirado pelo Divino, como libertador do povo. Corria então um messianismo profundo e grande influência de correntes pregadoras franciscanas. Coroar se tornou como um rito de esperança, propiciador de uma nova era messiânica.
            Na festa de Alenquer a Rainha Santa Isabel aproximadamente na década de 1320 teria coroado um mendigo como Imperador, com toda pompa e cerimonial nas comemorações católicas do Espírito Santo. O objetivo daquele cargo transitório era decerto o simbolismo de confrontar a humildade com o poderio, uma boa lição de moral na nobreza de então, e em especial em seu esposo Dom Diniz. Conta-se que a rainha era muito caridosa e sempre ajudava aos necessitados, opondo-se aos gostos da corte, notadamente de seu marido.
            O modelo de festa pentecostal com coroação de um Imperador teve grande aceitação e logo foi acolhido noutras igrejas e regiões, repetido ano a ano, com características próprias e inovações em cada área geográfica. Espalhou-se por Portugal e suas colônias, até em algumas cidades canadenses, mas em especial na Ilha da Madeira e no Arquipélago dos Açores. Foi trazida ao Brasil onde se esparramou de norte a sul tomando também novos aspectos.
            A tradição de coroar uma pessoa como Imperador se manteve, ora figurando adultos ora apenas crianças (o Imperador Menino) ainda muito usual em várias regiões do Brasil. Houve também e ainda há em muitos lugares a Imperatriz, igualmente reverenciada por seus súditos efêmeros.
O prazo normal de cada império é de um ano.
Quanto a ser um cargo fictício é por assim dizer algo mais recente pois relatos de outrora revelam que o Imperador do Divino tinha a força de certas decisões e aconselhamentos e até mesmo podia mandar soltar um preso da cadeia.
            Em São João del-Rei desde 1774 se realizam no bairro de Matosinhos as festas em Pentecostes (50 dias após a Páscoa) honrando o Divino. As pesquisas em antigos jornais são-joanenses revelaram que no século XIX os Imperadores eram na maioria escolhidos entre pessoas de destaque social ou de suposto poder financeiro, certamente na expectativa de angariar algum apoio ou patrocínio para o evento. A título de exemplo vale lembrar o caso do Coronel Inácio Correa Pamplona, um dos delatores da Inconfidência Mineira, que sendo Imperador em 1810 deixou à festa a doação de cem mil réis como prova um recibo da época, parte de seu testamento, localizado no arquivo do IPHAN. Um caso interessante foi o do Barão do Carandaí que sendo Imperador em 1879, deixou elevada soma em dinheiro, dizendo o jornal Arauto de Minas em sua edição nº9, de 04 de maio daquele ano que doou “a quantia de 400$000 com que entra para o respectivo festejo, na qualidade de Imperador”. Essas palavras deixam uma lacuna à clara compreensão, podendo-se subentender que o direito ao cargo poderia talvez naquela época ser negociado. O destino de tanto dinheiro gerava controvérsias a exemplo da exposta no jornal O Resistente, nº12, de 19/06/1895 que escreveu:

Pois então o Imperador do Espirito Santo deu 600$000 e a Imperatriz 200$, perfazendo 800$000, para as despezas do primeiro dia de festa de Mattosinhos, e não se pôde comprar nem fogos de artifício? Expliquem-nos como é que o Domingo foi justamente o dia mais chôcho das festas! É extraordinario! S. João d’El-Rey, 5 de Junho de 1895 - “O espreita”

Os nomes capazes de serem escolhidos para o cargo maior eram postos a sorteio.
Nos tempos atuais o foco da escolha recai sobre pessoas envolvidas com a realização do jubileu, que fizeram ou fazem parte da equipe de festeiros. Não há mais a premissa da posição social ou condição financeira.
Desta maneira ano a ano se escolhe por votação interna da Comissão do Divino (conjunto de festeiros), análise dos nomes plausíveis dentre aquela equipe e mesmo de fora dela, se for o caso, e procede-se à votação, vencendo por maioria simples. É vetado à eleição aqueles que já foram imperadores a menos de quatro anos e quem esteja ocupando na ocasião da coroação a presidência da Comissão ou um cargo político.
O papel atual é mais no plano simbólico (o que relembra as primeiras festas portuguesas), representando a figura maior de toda a equipe de festeiros. Ele ajuda a fazer a festa em parceria aos demais festeiros e não é mais como já foi um dia o responsável maior por toda a realização.
Veste-se de praxe um terno completo, cingido de capa e de uma faixa atravessada ao peito, ambas de veludo cor de vinho, adornadas de bordados e orlas. Tem como insígnias à moda ibérica o cetro, a coroa e salva (bandeja circular para apoiar a coroa quando não está sendo usada). Como acessório traz ainda um estoque, espécie de adaga ou pequena espada conduzida em cortejo sobre almofada de veludo. Anda debaixo de uma umbela aveludada e guarnecido por um quadro de varas como se fosse um cordão de isolamento. Os pajens devidamente trajados ao estilo de um corte antiga cuidam de carregar tudo isto, exceto a coroa e o cetro que são exclusivos do Imperador.
            O cerimonial de coroação se dá na missa solene da tarde de Pentecostes, havendo um ritual ainda que simples para descoroar o anterior e por meio de autoridade eclesiástica coroar o novo. Os homens que já foram coroados noutros anos participam como sua guarda de honra, fazendo-lhe abre-alas.
            Porém longe da beleza e da pompa aparentes neste momento, está o mais importante de tudo, aquilo que ultrapassa a aparência imponente dos veludos e gravatas: a responsabilidade extrema que o cargo exige... postura, bom comportamento, honrar as insígnias, dar esclarecimentos sobre a festa nas entrevistas e questionamentos, representar a comissão nos eventos ao longo do ano, contribuir de fato, efetivamente, com o sucesso do festejo, colaborar para a união do grupo e ser sobretudo um bom conselheiro, isento e equilibrado, mesmo depois de deixar o cargo. Rezar por todos. Só quem já teve aquela coroa sagrada sobre sua cabeça sabe de fato o que ela representa, conhece o peso e a graça que tem. Ser imperador é um exercício de fé e significa se tornar um conselheiro permanente, suporte para as dúvidas e dificuldades da mesa administrativa.                                                

Os quinze imperadores (1998-2012).


01- Ulisses Passarelli (1998)                   08- Nivaldo Neves (2005)
02- Luthéro Castorino da Silva (1999)    09- José Cláudio Henriques (2006)
03- José Gonçalves de Sousa (2000)       10- Antônio da Silva serpa (2007)
04- Paulo Zini (2001)                               11- José Clever de Oliveira (2008)
05- Geraldo Elói de Lacerda (2002)         12- Jânio Fernando Salomão (2009)
06- Antônio Carlos Garcia (2003)          13- José Francelino dos Santos (2010)
07- José Tadeu do Nascimento (2004)      14- Antônio Cipriani Carvalho (2011)
                                                15- Ivan Campos do Nascimento (2012) 


Notas e Créditos

* Publicado em: Informativo do Jubileu do Divino Espírito Santo - Paróquia do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, São João del-Rei / MG, nº15, maio / 2012, p.11
** Texto: Ulisses Passarelli (03/02/2012)
*** Fotografia: Lucas (Master Foto).
**** Acervo fotográfico: Comissão do Divino

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