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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




domingo, 23 de dezembro de 2012

Quem conta um conto aumenta um ponto...


É com muita satisfação que se inicia através desta estória, a postagem de narrativas populares _ contos, fábulas, lendas, mitos e causos _ que fazem parte do universo do folclore, mais especificamente da literatura popular, no caso, a oral, conservada geração após geração. 

No passado, antes do advento da televisão, quando as novelas e outros programas hodiernos não tomavam das famílias todo o tempo de convívio e conversa, as mães, avós, padrinhos, amigos se socializavam muitas vezes, compartilhando narrativas, lembranças, que construíram parte do imaginário de muitas crianças, contribuindo eficazmente no seu processo educativo. Por todas as partes do mundo, a literatura oral é uma riqueza da cultura popular, eivada de regionalismos, mas também paradoxalmente universal em seus temas. Transmitem crenças, interdições, conselhos, lições de vida, entretenimento, identidade e origens. 

O título escolhido evoca também a oralidade, pois é um ditado tradicional.

O conto que ora apresento para inaugurar estas novas postagens, ouvi-o algumas vezes de minha sogra, Elvira Andrade de Salles, em Santa Cruz de Minas / MG, pelo fim dos anos noventa. Narra um fato extraordinário acontecido com um rapaz bastante preguiçoso que adorava comer queijo e banana. Redigi com minhas palavras, sem contudo adulterar nada dos detalhes e desenrolar da narrativa original e o ilustrei com um esboço que ousei rabiscar, como fazia na infância.

Acompanhem, que em breve novos posts com esta temática estarão disponíveis no blog, para apreciação, estudo e registro. 

João Queijo-banana


Este é um Conto de Encantamento, segundo a terminologia adotada por CASCUDO, que explanou sobre eles: 

"Caracteriza-os o elemento sobrenatural, o encantamento, dons, amuletos, varinha de condão, virtudes acima da medida humana e natural. (...) Entre todos os contos, os de Encantamento são os que apresentam maior percentagem europeia. Quase todos nos vieram de Portugal, já possuindo convergências de outras estórias que ainda mais se diferenciaram no Brasil."

Ainda segundo suas palavras, muitas vezes quem vence no final é ... 

"o amarelo(*), o mais triste e fisiologicamente indicado para a mais lógica de todas as derrotas. (...) os auxílios são sempre extra-terrenos. O herói não tem maiores aliados dentro da humanidade. Os objetos mágicos decidem."

Assim o nosso João Queijo-banana; assim o vencedor na estória "O Preguiçoso e o Peixinho", que o citado autor transcreveu, sendo uma versão baiana do presente conto, colorido com outra desenvoltura mas com a mesma essência: um preguiçoso salva um peixe mágico que lhe propicia favores extraordinários, que garantem seu casamento com a princesa do reino. Eis o tema, o âmago da estória, conhecida também de acordo com CASCUDO em Portugal ("João Mandrião", "O Peixinho Encantado", "O Preguiçoso da Forneira", "Pedro Preguiça"), na Rússia, Grécia, Itália, Alemanha e América Espanhola. 

* * *

      João era o único filho de uma senhora que fazia de tudo para sustentar a casa. Enquanto trabalhava muito, ele, muito preguiçoso, só queria comer muito queijo e banana, que adorava. Daí seu apelido. Certo dia porém sua mãe adoeceu. Acamada não podia mais trabalhar para o sustento da casa e João Queijo-banana teve quer fazer sua parte. Resmungando foi buscar lenha para fazer o almoço.

        Lá no mato decidiu cortar bastante lenha pois assim não teria de voltar de novo para buscar mais. Fez um feixe enorme, amarrado de cipó, mas mesmo com grande esforço não deu conta de carregá-lo.

      Cansado com o esforço, chegou ao córrego para tomar água. Viu um peixinho se debatendo numa pequenina poça isolada e prevendo que morreria logo pela ação do sol, resolveu pegá-lo. Soltou o peixe no córrego e logo de uma sacudida do rabo afundou e tornou a emergir, pondo a cabeça para fora da água, falou com João:

_ Muito, obrigado!
_ Você fala?!
_ Sim, sou um peixe encantado. E meu agradecimento por ter me salvado é te conceder os pedidos que você quiser. Basta pedir o que quiser e falar alto: “Valha-me, meu bom peixinho!”
_ Sendo assim, meu primeiro pedido é carregar esse bruto feixe de lenha para casa porque eu não estou aguentando.
_ Sobe nele. Monta como se fosse num cavalo. (João obedeceu). Agora fala a frase...
_ Valha-me, meu bom peixinho!

        O feixe de lenha ganhou vida e de um arranco danado, saiu estrada afora galopando e João Queijo-banana, montado nele mal podia se segurar, com seus pinotes, qual um burro bravo.

        No caminho a estrada passava diante do castelo e da janela do alto da torre a tristonha princesa avistou a passagem do estranho cavaleiro: que figura bizarra! Levantando um poeirão, lá ia o João gritando, se esforçando pra não cair. A princesa não se conteve soltou muitas gargalhadas.

        Ocorre que ela sofria de terrível melancolia, motivo pelo qual a muitos anos não dava um único sorriso. Seu pai se preocupava muito com isso mas sentia-se impotente pois tudo que fora tentado falhou. Quando o rei ouviu a filha dando risadas, correu para ver se era verdade. Contentíssimo explicou-lhe o ocorrido e logo o rei colocou seus soldados atrás de João, ordenando sua presença imediata no castelo.

        Trouxeram-no de sua casa. O rei lhe intimou a casar com sua filha, pois dera sua palavra que daria a mão da princesa ao homem que a fizesse rir. Se recusasse teria de enfrentar a pena de morte. Não tinha como escapar e João gostou da ideia mas ficou muito preocupado porque sendo pobre teria de recepcionar a toda a corte com um grande banquete no dia do casamento, marcado imediatamente.

         Voltou para casa cabisbaixo. Contou o ocorrido para sua mãe até que se lembrou do peixinho.
        Chegou o dia do casamento. O reino estava em festa e a hora se aproximava. A mãe de João Queijo-banana apavorada pois já pensava na morte de seu filho, que não conseguiria fazer a festa adequada. Mas ele a acalmou ...

_ Valha-me, meu bom peixinho!

       Apareceu tudo pronto, num instante! Roupas novas, mesa posta com fartura, tudo do bom e do melhor... O encanto funcionou.

           Houve a festa. Festança. João casou-se com a princesa e viveu na riqueza o resto de sua vida. 




Referências Bibliográficas

CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura Oral no Brasil. 3.ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1984. 435p. p.256-273.


Notas e Créditos

* Amarelo: covarde, medroso, ocioso - conforme o contexto.
** Texto e desenho: Ulisses Passarelli

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