Como recebemos a tradição via Portugal, os pesquisadores tem repetido quase sempre que lá reside sua origem. Há porém os que dão a essa festividade uma nacionalidade diferente. Segundo este pensamento a festa seria antiqüíssima, originária da Alemanha. ARAÚJO (1964) esclareceu :
os povos germânicos, em contato com os romanos, destes a receberam através da cerimônia do “panis gradilis”, ou mesmo do repasto sagrado, praticado por todos os cidadãos gregos, pois na Grécia acreditava-se que a salvação da cidade dependia de tal cerimônia.
Estudiosos apontam a existência de confrarias do Espírito Santo na Alemanha no século XII (bem como na França...).
Transcrevo a seguir a plausível versão alusiva a essas festas, apresentada por ocasião do lançamento de um selo do correio brasileiro em 1999:
O culto ao Divino Espírito Santo, sob a forma de festividade, prende-se aos muitos movimentos religiosos da Baixa Idade Média, considerados, de início, heréticos, ou ofensivos à religião, pela Igreja. Numa Europa de pós-virada do I Milênio, com transformações econômicas, sociais, políticas e ideológicas em processo de aceleração, a idéia de um apocalipse, de um próximo fim do mundo espalha-se pelo continente. Um conterrâneo de São Francisco de Assis, o abade cisterciense Joachim de Fiori (morto em 1202), serve-se da Trindade para a sua Teologia da História. Segundo sua tese, em contradição com o que então ensinava a Igreja, a última fase da História seria a do Divino Espírito Santo. Esta teria início em 1260 e uma interpretação espiritual superior dos dois Testamentos seria pregada por uma nova ordem monástica, e a corrompida Igreja de carne cederia lugar à perfeita Igreja do Divino Espírito Santo. Uma corrente mais rigorosa da Ordem Franciscana (os espirituais), passa a divulgar o pensamento de Fiori, sofrendo por essa atitude feroz perseguição. A Idade do Divino Espírito Santo haveria de ser o “tempo de descanso da humanidade”. As idéias de Fiori tiveram influência também na Alemanha, onde se tornaram vivas e materializadas por intermédio de cultos onde a imaginação popular passou a atribuí-las ao seu Imperador Frederico II, figura carismática de grande veneração pelo povo alemão. Após a sua morte, na III Cruzada (1190), muitas profecias messiânicas surgiram e, após 30 anos, subindo ao poder Frederico Neto, igualmente muito carismático e popular, essas profecias escatológicas foram-lhe aplicadas. Ao grande vazio que sobreveio com a sua morte, uma expectativa de ressurreição do Imperador querido estabeleceu-se na Alemanha e fora dela. Os camponeses, particularmente, acreditavam que, em forma de um peregrino, o Imperador reapareceria e retornaria ao seu lugar como Imperador da Nova Era. O Divino iluminaria este Imperador que viria num cavalo branco e de coroa na cabeça, libertando a todos os pobres e oprimidos.
A prevalecer tal vertente da história, a Rainha Santa Isabel não teria “inventado” a festa, mas sim introduzido em Portugal uma comemoração que já existia noutros países europeus, ou ainda, em outras palavras, adaptado a versão estrangeira a um formato português. ABREU (1999) lembrou com vista acurada que a Alemanha e a França foram as principais difusoras das tradições do Divino na Europa e que tinham “confrarias muito antigas, bem anteriores ao tempo da Reforma Católica, e, portanto, suscetíveis a uma menor ortodoxia religiosa” (p. 42).
LEAL (1994) , sem excluir a importância da Rainha Santa Isabel, também se refere a uma ligação da festa “à acção dos franciscanos espirituais e a ideologia milenarista do abade calabrês Joaquim de Fiore, construída em torno da próxima chegada de uma Idade do Espírito Santo”(p.15).
TEIXEIRA (2007), dissertando sobre as origens dessas comemorações, ao lado de elementos étnicos, também atribuiu aos franciscanos um papel de grande importância no seu surgimento, através formação espiritual da alma portuguesa.
Além da influência de Fiori e da ação franciscana, Portugal conheceu também a força dos versos proféticos muito populares de Gonçalo Anes Bandarra, natural de Trancoso, na Beira Alta (séc.XVI – depois de 1541). Sua obra poética serviu de base para o movimento messiânico que atribuía ao Rei Dom Sebastião, morto em 1578 na Batalha de Alcácer-quibir, contra os mouros, a esperança intensa da ressurreição de sua figura majestática. Surgiu assim o “sebastianismo”, um movimento religioso baseado na crença da ressurreição desse rei como um herói, para conduzir os fiéis a uma vida cheia de graça.
Há de se destacar também outra figura humana, a do português de ascendência holandesa Pedro de Rates Hennequim que creditava ao Brasil ares paradisíacos, com possibilidade de sediar o império cristão a ser estabelecido pelo rei encantado Dom Sebastião. Hennequim, por vezes grafado Hanequin, sofreu as punições da Igreja .
Ora, as idéias proféticas de Bandarra, Fiori e Hennequim, embora combatidas pela inquisição, correram de boca em boca, mexendo com o imaginário popular, bastante impregnado pelas esperanças sebastianistas. Sem dúvidas contribuíram para a formação de um ambiente favorável ao desevolvimento das festividades do Espírito Santo aqui e além-mar, pois como se viu ligavam-se direta ou indiretamente a esta devoção, que regeria a nova era messiânica esperada pelo povo sofrido. Uma corrente de análise do tema, eivada de esoterismo, associa tudo isto ao ideal do quinto império, espiritualista, e não militar como os impérios do passado.
Resta dizer que o sebastianismo foi extensamente verificado aqui no Brasil, sendo ainda vivo em muitas regiões, notadamente no Maranhão, onde se liga fortemente ao cerimonial religioso do tambor de mina.
* Texto: Ulisses Passarelli
- Baseado em
O Povo Português, de Teófilo Braga.
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