Compadres, Padrinhos e Afilhados
O apadrinhamento ou
compadrio é uma instituição de convívio social inquebrantável, maior muitas
vezes que os próprios laços de sangue. É em si mesmo uma escolha de alguém, a
quem se atribui o título de padrinho ou madrinha de um filho(a) e passam a ser
tratados pelos pais do apadrinhado pelo nome de compadre e comadre, pelo que são retribuídos neste tratamento. Ao filho(a) compete respeitá-los e tomar a
bênção sempre que os ver. É como um segundo pai, uma segunda mãe. Observe-se na
etmologia das palavras...
Aqui em São João
del-Rei / MG e cidades vizinhas obtive algumas informações interessantes sobre
o costume dos padrinhos que ora reúno neste texto.
Pode-se convidar
um vizinho, um amigo, um familiar ou parente para apadrinhar e doravante o
termo compadre ou comadre será invariavelmente preponderante no tratamento
pessoal: “cumpadre Zé, meu vizinho” , “cumadre Maria, minha irmã”.
Isto torna mais
próximo o escolhido e denota consideração, respeito, amizade. Daí os termos em
questão acabam ganhando acepções mais extensivas. Senão vejamos: na gíria,
"cumpadre" é o parceiro, comparsa, companheiro de atividades escusas
(sem nenhuma ligação do apadrinhamento em questão); na umbanda,
"cumpadre" é um dos cognomes dos exus, entidades espirituais de linha
esquerda. Assim, "meu cumpadre" equivale a "meu exu", uma
referência àquele espírito que trabalha com o médium; "cumpadre" e
"cumadre" são ainda dois urinóis, pinicos para gente acamada,
planejados no formato tal que a pessoa no leito de doença não precisa se
levantar para urinar. Neste caso as duas palavras ganham o sentido de
"aquilo que vale nas horas difíceis", uma visível analogia. “Padrinho”
é ainda aquele que mesmo sem o ser propriamente é assim interpretado nas
entrelinhas do convívio social por ser um amigo influente que facilita para outrem
a aquisição de cargos de trabalho, promoções empresarias, facilidades para
vencer o sistema burocrático (“Quem tem padrinho não morre pagão” é um dito
popular usado nestas circunstâncias). Neste caso padrinho é o mesmo que
“pistolão”. No âmbito do congado, existem as “Madrinhas da Bandeira”, na
verdade do grupo todo, mas assim chamadas por serem aquelas senhoras que zelam
pela bandeira do grupo, senão mesmo que as confeccionam e fazem muitas outras
benesses àquele grupo folclórico. Madrinha da Guarda. Por vezes é uma
benzedeira, mulher entendida em espiritualidade, que cuida também do equilíbrio
místico do congado.
Ainda a respeito dos congados, "Madrinha" é um título carinhoso atribuído à padroeira, Nossa Senhora do Rosário, ou, pelo menos, é invocada para ser a madrinha do congadeiro:
"Sou caboclo das matas,
tenho flecha e machadinha;
A Senhora do Rosário
ela é minha madrinha."
(Caboclos, Vespasiano/MG, 2000. Capitão Valdivino dos Santos)
Os tropeiros reconhecem entre os animais a madrinha da tropa ou madrinheira, em geral uma égua mansa e treinada, que traz uma correia de couro na dianteira, sobre o peito, na qual se prendem vários cincerros (sinetas), a cujo tinir durante sua marcha, obedecem as mulas cargueiras que lhe sucedem na fila da tropa. A madrinha não leva carga. Só conduz as demais, que nela reconhecem sua liderança pelos caminhos. Era comum o tropeiro enfeitar a madrinheira com pingentes prateados, detalhes metálicos, penduricalhos, etc. O povo rural ao ver na rua uma mulher muito enfeitada de brincos e colares, costuma então dizer pejorativamente: "parece madrinha de tropa ... "
Mas voltemos ao
apadrinhamento propriamente dito.
Um cuidado
interessante no ato da escolha dos padrinhos pelos pais é o caráter e a
personalidade dos mesmos, pois o afilhado tem a tendência a seguir às vocações
e defeitos do padrinho/madrinha. Assim por exemplo, se o padrinho é bom músico,
o apadrinhado poderá também seguir tendências musicais; se é amante das bebidas
ou do jogo, o afilhado igualmente poderá ser. Madrinha religiosa ou leviana
transmitirá espiritualmente estas características à sua afilhada.
Existe outrossim
um imenso cuidado no que tange ao batismo, podendo a mãe, o pai, a madrinha ou
o padrinho escolhido, dar um nome ao recém-nascido na hora de sua chegada ao
mundo, assim, informalmente, pois se morrer em seguida não impedirá a salvação
de sua alma. No tempo certo o padre fará a cerimônia na igreja e confirmará o
primeiro nome dado, oficializando o batismo, ou pode mudar o nome provisório
por outro definitivo.
Criança que morre
pagã não alcança salvação. Em vez de virar anjinho vira diabinho e sua alma
passa a atentar os viventes.
Não é raro as
madrinhas auxiliarem nos cuidados com os recém-nascidos, dando-lhes banho,
curando umbigo, levando-os a benzer de males peculiares desse período da vida.
Madrinha e padrinho
de batismo na falta dos pais biológicos tem obrigação moral de cuidar da
criança como se fossem seus próprios filhos. Tem também um poder espiritual
sobre o bebê, pondo a bênção ao visitá-lo e recomendando-o a Deus em suas
orações. Se um espírito mal atentar a criança e nem mesmo um sacerdote der
conta de resolver, então o caso compete à madrinha, que deverá tomar a criança
ao colo, envolve-la ou cobri-la com o manto usado no ato do batismo e acender
aquela mesma vela da ocasião, rezando o credo e a salve-rainha, e aspergindo
água benta, o que desfará qualquer malefício contra o pequenino. Por isto manto
e vela do batismo devem ser guardados sempre, pois nunca se sabe a hora da
necessidade.
Da mesma forma
pelo lado negativo, sempre evitado ao extremo: se acaso houver uma desavença
entre compadres e algum se voltar contra o afilhado e amaldiçoá-lo isto
representará um mal terrível contra o mesmo, acarretando toda espécie de azar
para ele. Praga de madrinha e padrinho não há quem tire...
Diz a crendice (Santa Cruz de Minas, São João del-Rei) que quem está noivo não deve apadrinhar ninguém. É um preceito que visa preservar a felicidade de seu próprio casamento.
Existe uma
interdição absoluta no convívio entre compadres e afilhados: é a incestuosa _ qualquer intimidade amorosa entre eles é vetada. Padrinho que tem relação sexual com o
afilhado vira lobisomem. Se numa casa nascerem sete filhos homens do mesmo pai e mãe, o filho mais velho deverá ser padrinho do mais novo, o que impedirá que o caçula vire lobisomem. Se forem sete mulheres, o preceito é o mesmo para evitar que a mais nova vire mula sem cabeça (*).
São variadas as
formas de se apadrinhar, a maioria ligada paralelamente aos momentos que a
Igreja Católica ministra sacramentos. Mas são do âmbito popular os ritos de
apadrinhamento. Assim, existem padrinhos de:
- Batismo: espiritualmente os de
maior força sobre o afilhado pois é o momento sagrado que se deixar de ser
pagão e é aceito socialmente num ambiente religioso. É quando o Espírito Santo
imprime uma marca no íntimo da alma, determinando a condição cristã. O próprio Cristo
se submeteu ao batizado nas águas do Jordão pelo primo João, dito o Batista. O
costume aqui era de um padrinho e uma madrinha apenas, como aconteceu comigo
por exemplo, mas ora se admite que o pai escolha um casal e mãe outro, tornando
em quatro o total de padrinhos;
-
Crisma: o escolhido para este
momento católico de confirmação da fé cristã. Foi costume batizar e crismar junto, o que fazia a pessoa ter um só padrinho/madrinha para os dois sacramentos. Atualmente a separação é clara;
- Casamento: houve também tempo de um
casal de padrinhos para os noivos mas aumentando gradativamente para dois ou
mais, já hoje são vários pares, escolhidos por ambos, que desfilam igreja a
dentro de mãos dadas em belas roupas e poses, no que mais transparece vaidade e
vontade de ganhar presentes dos padrinhos que talvez consideração ou fé. Muitas
vezes, vencido o cerimonial tais padrinhos tem uma vivencia distanciada de seus
compadres;
- Representar: em qualquer ocasião
anterior por uma consideração especial por alguém, mas que já tendo convidado
oficialmente outrem, sem poder voltar atrás na escolha é chamado para Madrinha
ou Padrinho de Representar, uma situação intermediária entre o oficial e o não
ser padrinho, que nitidamente ameniza o desconforto de uma escolha que não pode
ser revista. Representação de um apadrinhamento. Ato simbólico. Categoria em
ocaso, mas considerada pelo povo com o mesmo valor espiritual das outras, porque Deus aceita e põe virtude;
- Balainho: em total desuso era um
costume rural trazido para os subúrbios e válido para qualquer ocasião fora as
anteriores, tal como um aniversário significativo, uma ação de graças ou um
pagamento de promessa. Ramalhetes e cestinhos com flores marcavam o simples
ritual de apadrinhamento;
- Fogueira: outro costume rural que
se vai perdendo e de alto significado para os devotos. Consistia num rito em
torno da fogueira junina, acesa pelo dia de Santo Antônio de Pádua, São João
Batista ou São Pedro, o Apóstolo, segundo o qual dois homens se tornavam compadres (sem
necessidade de existir um afilhado envolvido) por uma extrema consideração
mútua, de comum acordo assumindo a condição de se referirem um ao outro como
compadre. Ao fim da queima da fogueira, quando só há brasas, os dois se
cumprimentam e abraçam a meia distância, tendo a brasa entre eles, qual
testemunha, em nome do santo à qual a fogueira foi dedicada, e assim se
completa. Era usual enunciarem uma trova popular que corre Brasil afora em
variantes, por exemplo:
“Santo Antônio pediu,
São João mandou,
Vamos ser cumpadre
que São Pedro abençoou.”
O apadrinhamento
em suas muitas vertentes se desdobra num emaranhado de crenças, correntes em
cada região ao seu modo, mas que no todo se confluem para fortalecer laços de
amizade e ajuda, gozando os compadres de muita estima, mas da mesma maneira, carregando uma grande responsabilidade sobre os apadrinhados, no sentido
educativo, competindo orientar, dar o bom conselho e o bom exemplo. Padrinho é
pois um auxiliar dos pais e não apenas aquele que preenche requisitos sociais e
dá presentes na datas importantes.
Uma cerimonia de apadrinhamento em São João del-Rei.
Foto familiar pelo lado paterno do autor do texto.
Notas e Créditos
* Informação colhida no povoado do Brumado de Cima (São João del-Rei), jul.2015
** Texto: Ulisses Passarelli
*** Foto: autor não identificado, 1926.
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