Ramal das Águas Santas
Em 1910 foram assentados os trilhos do ramal das Águas Santas, imediatamente à direita da linha atual. A plataforma de embarque, em pedra, ainda pode ser vista, ladeando a Rua Elói Reis. Uma casinha de guarda-chaves havia em frente à igreja velha, ambas demolidas. Exatamente na curva que existe ao fim da reta que passa diante da igreja, a linha desse ramal partia rumo ao Rio das Mortes. Através de um
pontilhão atravessava o rio. Pela Vargem do Marçal, rumava para seu destino. Passava ao lado da atual Cooperativa de Produtores de Leite (antigo e popular “Bezerrão”), junto ao auto-posto de abastecimento que ali existe, cruzava a atual Avenida 31 de Março a nível de seu trevo e corria ao longo de toda a atual Rua Monsenhor Silvestre de Castro e Rua Américo Deodoro Briguenti (formadas sobre o leito dos trilhos retirados), ia até a Colônia do Giarola e ao chegar em César de Pina, virava à direita e aí havia uma estação. Desta ia rumo ao famoso balneário de águas de propriedades medicinais, radiotivas e magnesianas, que ajudam no tratamento de doenças. O trem parava em alguns lugares, servindo à população de migrantes italianos. Segundo o Prontuário de Estações (op.cit.) eram as seguintes paradas e estações:
paradas / estações | quilometragem | inauguração |
Várzea do Marçal (estrada) – parada | 98,000 | 14/11/1923 |
Colônia (estrada) – parada | 100,149 | 21/08/1911 |
Giarola (estrada) – parada | 102,108 | 21/08/1911 |
César de Pina – estação | 104,945 | 12/10/1923 |
Chacrinha (estrada) – parada | 108,000 | 21/08/1911 |
Águas Santas – estação | 108,237 | 21/08/1911 |
Na Colônia a parada era junto à cerâmica que ali existia[1], próximo à Gruta de Nossa Senhora de Lourdes.
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Chaminé da cerâmica da Colônia, em agosto de 2004. |
No Giarola a parada ficava próxima à Capela de Nossa Senhora das Mercês, construída pelo sr. Luigi Giarola [2].
Não apurei datas, mas é comentado que nesse Ramal das Águas, logo após o pontilhão sobre o rio, havia entroncamento do qual saía sub-ramal, até o sopé do Morro do Cascalho, em Santa Cruz de Minas, passando próximo à atual escola da Fundação Bradesco, nas imediações do antigo Campo de Aviação. Sua função era carrear cascalho – fruto das inúmeras escavações auríferas ali realizadas nos setecentos, sobretudo pelos escravos do célebre Marçal Casado Rotier, trabalho perpetuado nas cascalheiras ainda visíveis. Esse cascalho era usado para assentamento dos dormentes.
Idealizou-se fazer um prolongamento do ramal das Águas Santas até Entre Rios de Minas, passando pelo Ribeirão do Mosquito e Lagoa Dourada, mas essa ideia não progrediu [3].
As fortes chuvas de 1911 desarranjaram as estruturas da via férrea desse ramal, que até a execução dos reparos, correu só até o Giarola [4].
Mudanças no horário do ramal das Águas Santas, determinadas para iniciarem a partir de 08 de março de 1915, também aboliram os trens Chagas Dória-São João, deixando para servir ao bairro, apenas os de Águas Santas-São João, causando o descontentamento dos usuários. Moradores de Matosinhos solicitaram então ao diretor da EFOM, Dr. Agostinho Porto, que restabelecesse os trens que haviam sido suprimidos, pois só os das Águas Santas não bastavam ao bairro. O texto interessa ser transcrito pois retrata a fisionomia do bairro à época [5]: “Mattosinhos desenvolve-se extraordinariamente. Ali reside grande numero de familias. A pitoresca localidade está se tornando um ponto chic de S. João. Sob o ponto de vista comercial e industrial o seu desenvolvimento então é enorme”.
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Dr. Agostinho Porto, em fotografia de data e autor não identificados, publicada no jornal são-joanense A Tribuna, n.147, 29/04/1917. |
Comenta a nota, que o comércio local movimentara no mês anterior, quantia superior a um conto (um milhão de réis), muito devendo neste sentido, ao “inteligente comerciante, sr. Fidélis Guimarães, que ali movimenta diversas indústrias” . Ao que parece o diretor da ferrovia atendeu ao pedido desfazendo o erro. Sua popularidade cresceu, ou talvez, para refazê-la, promoveram uma animada festa em sua homenagem em Matosinhos, no Athletic Club , já no mês seguinte.
O “Trenzinho das Águas” como ficou conhecido marcou época, e seus horários, assinalados pelo silvo saudoso das locomotivas, que serviam igualmente a Matosinhos, era como um relógio para a população e tinha um charme único. A ignorância e o descaso fizeram com que fosse todo esse ramal desativado em 1963 e erradicado em 1965, segundo informações orais. Muitos em São João ainda suspiram de saudades. A pouco em Matosinhos ainda se via vestígios do lugar que se assentava seus trilhos, mas um aterro recente os encobriu. No barranco do rio ainda se vêem os sinais do pontilhão e dentro das águas os troncos que o sustentavam (o pesqueiro local ficou por isso conhecido por “Tocos”). Outros sinais estão no começo da Avenida 31 de Março, entre o trevo e a “Ponte do Bezerrão” avista-se na vargem a elevação do lastro da linha férrea. A alguns anos parte do trecho erradicado, convertido em rua, no Giarola, foi fechado, o que gerou grande confusão entre os moradores locais, pois era de servidão pública. Poucos sinais restaram hoje. A estação das Águas foi demolida e a de César de Pina está arruinada.
Tocos: vestígios do pontilhão do "Trenzinho das Águas" no leito do Rio das Mortes.
Notas e Créditos
* Texto e fotos: Ulisses Passarelli
** Sobre este ramal ver: Trem das Águas Santas. Ferrovia Oeste de Minas; memória e história. 2.ed. São João del-Rei: Vitral Bureau Cultural, 2014. DVD.
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