O Processo de Romanização
A romanização suprareferida, data de fato das últimas décadas do século XIX. Trata-se em linhas gerais, das diretrizes condutoras da Igreja, que buscavam afastar suas cerimônias e rituais de manifestações populares, aproximando-as da forma dos ritos católicos romanos. A nova regra impunha mudanças ao modo relativamente mais livre pelo qual caminhava o catolicismo até então, com grande parte das atividades nas mãos do povo. A Igreja tinha ainda ares coloniais e era mister modernizá-la, frente aos seus interesses, tolhendo a força leiga e fortalecendo a dos agentes eclesiásticos oficiais.
Numa de suas capacitadas conferências, Antônio Gaio Sobrinho, do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, frisou :
Esse contexto histórico e religioso do tempo colonial, tão expressivo e cheio de história, permaneceu praticamente inalterado até o final do século imperial, só vindo a sofrer mudanças após o Concílio Vaticano I, de 1870, quando teve início o processo de romanização do catolicismo colonial brasileiro.
Os braços de Roma chegaram ao Brasil, inclusive aqui. A ação se constituiu de um longo processo.
ADÃO (2001) estudou magistralmente o peso da romanização sobre as festas de Matosinhos, sendo o primeiro a chamar a atenção para o fato, em tese defendida na UNICAMP e em palestra proferida no Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei.
Uma das estratégias era a introdução de novas devoções e o concomitante esmaecimento de outras mais antigas, que davam margem a expressões da religiosidade popular. Uma que foi introduzida com grande êxito foi a do Sagrado Coração de Jesus e em paralelo a do Imaculado Coração de Maria . Cristo ganharia maior atenção que os santos e o sacramento da comunhão deveria ser valorizado. Não houve um ato, mas muitas ações. Julgo útil transcrever aqui trechos do ensinamento de Frei Chico sobre a religiosidade popular :
No ano de 1889 foi proclamada a República e, logo em seguida, veio a separação da Igreja e do Estado (...) A Igreja oficial procurou novos caminhos e buscou inspiração na Igreja da Europa, (...) forte tendência de centralizar o poder nas mãos do Papa e pela uniformidade doutrinal que levou à definição da infalibilidade papal. (...) supervalorização da moralização dos costumes e uma espiritualização do clero, voltado para questões internas da Igreja e desligado dos problemas sociais e políticos. (...) Para conformar a Igreja daqui aos moldes europeus, houve a reorganização dos seminários para melhorar a formação do clero. Nesse tempo vieram muitas congregações de padres e religiosos da Europa para trabalhar na formação da juventude. O sistema paroquial mudou e tudo ficou mais centralizado nas mãos dos vigários. Isso acabou provocando grandes desentendimentos com as irmandades, etc.
Matosinhos seria um foco a se romanizar. A cultura popular forte poderia impor uma barreira para os ideais catequéticos em voga. Para tanto tomaram-se as medidas afins, mais visíveis nos anos vinte.
Foram enviados missionários redentoristas em 1923, vindos de Juiz de Fora, conforme noticiam dois textos : “Missões em Mattosinhos” e “Santas Missões”. Portanto antes da festa. Aliás, a festa desse ano foi já noutro padrão, ditado pelos visitantes, que atraíram grande número de fiéis. Apresentou-se a banda de música São Francisco, do Ginásio Santo Antônio. O vigário frei Cândido Wroomans recepcionou os visitantes. As pregações já trouxeram outro enfoque, desviando as atenções para o Senhor de Matosinhos.
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Notícias jornalísticas das festividades missionárias em Matosinhos. Foto-montagem do acervo digital da Biblioteca Municipal Baptista Caetano d'Almeida, São João del-Rei. |
A fonte supracitada informou: “as missões foram abertas pelo “Veni Creator” e continuarão até 3 de Maio. Este dia será celebrado ás 7 ½ horas uma S.Missa Campal”.
O texto, “Festa em Mattozinhos”, noticiou a tal missa campal e a presença da já referida banda. Houve uma procissão acompanhada pela banda militar. Além disso, sermão, Te-Deum laudamus, bênção do Santíssimo Sacramento e bênção papal. Os transportes ferroviários estiveram disponíveis a cada meia-hora. Os números foram propositalmente destacados, impressionantes para a época: 1060 confissões, 1800 comunhões, 4000 fiéis no domingo. Homenagearam-se os missionários Affonso Mathijsen e Joaquim von Dongen [4].
Em “S. Missões em Mattosinhos”, repete-se informações já dadas, querendo obviamente frisar a diretriz missionária que dava nova feição aos festejos. Atestou 2000 participantes e 3000 assistentes; 1154 confissões, 2649 comunhões, sendo transportados pelo “AUTO OMNIBUS 1812 passageiros e vendidas só no ultimo dia pela EFOM mil passagens” .
Graças a Deus os São-joannenses e sobretudo os Mattozinhenses apreciam o vetusto sanctuario que possuem, valorização que queira Deus reflicta sobre o Estado de Minas todo e sobre o Brazil, quando a Santa Sé um dia se dignar de conceder o privilegio de jubileu!
Pelo visto portanto o título jubilar de 1783 (que é bem claro, destinava-se às festas pentecostais) já era desconsiderado, por ter caído no total desconhecimento. O novo jubileu que se pretendia seria específico para o Bom Jesus, destinando-se a festejá-lo a 03 de maio.
Nestes números não se refere à jogatina; pelo contrário, como atesta este último citado:
sem que houvesse uma dissonancia nessa concurrencia enorme popular, nem siquer a menor falta de respeito que fosse desviar a benevola attenção da massa correram os actos religiosos da maneira a mais desejada.
Mas no ano seguinte a festa é suspensa sob o pretexto dos jogos. Se a almejada moralização que os padres desejavam fora enfim alcançada, por que não mantê-la em vez de proibir a festa? A título de exemplo basta dizer que houve êxito no combate ao jogo quando a polícia foi envolvida: em 1892 (“pela primeira vez , desde longos anos, a roleta deixou de funcionar” ), em 1916 (“jogos contra os quais o sr. Dr. Chefe de Polícia tanto se insurgiu, não vimos, jogo da cabra cega, jogo de empurra, jogo da bisca, do truco, do dominó, do víspora, de espírito, etc.” ), em 1920 (“não foram consentidas as barracas de jogos” ). Todos os jogos no município eram proibidos pelo Código de Posturas da Câmara, versão de 1887, artigos 155 e 156, exceção feita ao bilhar, bagatella e gamão, desde que licenciados pelos vereadores. Roleta, roda da fortuna e semelhantes não eram consentidos nem para casas particulares. Portanto, aproximadamente na época que o jogo começou, havia mecanismo legal na cidade para respaldar uma ação mais firme. Em 1924, o arcebispo de Mariana, Dom Helvécio Gomes de Oliveira, aqui esteve e logo a oposição acusou frei Cândido de ter se aproveitado da oportunidade para convencê-lo a suprimir os festejos. Defendeu-se, respondendo ao principal opositor, Bento Ernesto Júnior, que as conversas sobre a paralisação já estavam em andamento quando Dom Helvécio veio a São João e que aqui o assunto não fora tratado: “antes que o Exmo. Snr. Arcebispo poz um pé em São João d’El-Rey já se tratava desta questão e o Snr. sabia disto por minha carta particular”. Ficou assim uma palavra contra a outra...
Ainda esse jornal nos dá conta da vinda da autoridade eclesiástica, com uma comitiva, em trem especial, tendo também visitado Tiradentes. Uma multidão foi assistir. Para a pequena cidade provinciana era um acontecimento extraordinário e digno de todo respeito e apreço . O número seguinte, de 24 do mesmo mês e ano, traz texto intitulado “D. Helvecio em São João d’El-Rey”, assinado pelo pároco monsenhor Gustavo Ernesto Coelho. O autor justifica que pouco participou das atividades arquiepiscopais por motivo de doença, sendo contudo representado por seu coadjutor, frei Cândido. Exaltou os atos religiosos solenes efetuados.
Logo após o arcebispo partir, divulgou-se a notícia da proibição.
Na já citada carta de resposta de frei Cândido a Bento Ernesto Júnior, encontra-se o fio da meada, que indicará o terceiro fator que colaborou para a suspensão dos festejos: um suposto interesse desconhecido do arcebispo por outras festividades, que não a daqui, e que se procurou deixar “por debaixo dos panos”.
O Snr. pergunta: porque a suppressão não se estendeu até a festa de SS.Trindade em Tiradentes que é a mesmissima festa de Mattozinhos com algumas aggravantes a mais! Ora! Assim não põe em descredito todas as familias de Tiradentes tambem? E outra pergunta do Snr. ao anonymo, João Thomé; porque não foi prohibida a festa de Congonhas? Mas esta festa com toda a jogatina ainda não acabou ou não vae acabar?
O frei não pôde responder ao opositor adequadamente e desconversou autoritariamente: “o nosso Arcebispo no governo da sua diocese não precisa dar explicação alguma de seus actos ao Snr. Bento”, ou seja, não lhe deve satisfações. Bem se nota o ar de superioridade, de mando, de poder, e de algo oculto, pois, se assim não fora, poder-se-ia ter publicamente explicado.
Como de fato nas festas de Tiradentes (Santíssima Trindade) e de Congonhas “do Campo” (Senhor Bom Jesus de Matosinhos), medravam jogos de azar tanto quanto em Matosinhos, ou em maior volume e ainda, exibições picarescas e truques de mágica, visando pegar dinheiro dos incautos. Nunca foram proibidas como as de São João. Por que? Se eram da mesma arquidiocese...
Comentava-se “a boca miúda” que Dom Helvécio tinha uma predileção especial por Congonhas, sua “menina dos olhos”, onde tinha francos interesses. Paralisando o festejo de Matosinhos deslocaria uma boa parcela dos romeiros para lá, fazendo com que aquela festa explodisse em crescimento desde então.
Este terceiro fator, que teria também o seu peso, é meramente hipotético, pois não há provas averiguadas.
Concluindo, dizer-se-ia que a festa foi paralisada em 1924 com pauta em três fatores: 1) jogatina (justificativa oficial), 2) romanização (o item de maior importância) e 3) supostas razões pessoais e desconhecidas de parte do clero (ligadas a interesses econômicos e políticos). Pelo menos é o que se depreende da documentação disponibilizada e da leitura dos discursos dos agentes eclesiásticos e populares. A abertura dos arquivos da Igreja deverá revelar novas nuances dessa questão.
Conforme foi dito, a romanização conheceu vários momentos e teve por assim dizer picos de atuação. A polêmica parada da festa foi um dos episódios, mas não o único. As santas missões de 1923, também. Mas bem antes dessa, em 1897, houve outra missão .
Também noutros eventos católicos a tônica era a mesma. A cidade tão católica mobilizava-se toda para acolher a palavra enfática dos pregadores. Veja-se por exemplo o 1º Congresso Eucarístico Regional, de 1933. Encerrou-se com uma muito solene procissão eucarística, presidida por Dom Helvécio Gomes de Oliveira. O carro triunfal do Santíssimo foi conduzido pela oficialidade.
Bem mais tarde houve mais um momento importantíssimo para Matosinhos: a missão de 1947. Os missionários redentoristas fizeram relevantes pregações integrando os devotos aos ideais evangelizadores de então. Houve uma procissão do Bom Jesus da Cana Verde e uma coroação de Nossa Senhora (usando para tanto a imagem da Virgem da Lapa). A imprensa da época, nas páginas do jornal Diário do Comércio, deu grande apoio à passagem dos missionários, que atuaram em toda a cidade. Mesmo quando a celebração não era em Matosinhos, reuniam-se devotos de toda a cidade, como um grande acontecimento que foi para a imensa maioria católica. O clero local ia em peso. Posteriormente, retransmitia aos seus paroquianos a essência daquelas pregações. Destaco desse jornal:
A cidade recebeu festivamente os revos. Missionarios Redentoristas que aqui vêm pregar as Santas Missões. Multidão incalculavel compareceu á gare da Rede Mineira de Viação para dar as boas vindas aos ilustrados sacerdotes. Entre eles figura o revo. Padre Francisco Ferreira ilustrado orador sacro já bastante conhecido e querido nesta cidade. A pregação das Missões nas duas paróquias do Pilar e a de São João Bosco tiveram inicio ontem e se prolongarão até o dia 4 de maio próximo. (n. 2.770, 24/04/1947)
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A procissão da penitência, realizada na tarde de quinta-feira, foi uma empolgante manifestação de fé, que pela imensa multidão que tomou parte, quer pela piedade e recolhimento dos fieis. (n. 2.772, 26/04/1947)
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Em tempos tão corruptos e depravados como o nosso há almas que vivem miseravelmente atoladas no pecado (...) Ajudemos os missionarios no seu trabalho apostolico. (idem; é outro texto, assinado por Nina Rosa)
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Estes abnegados mensageiros de Cristo que só visam a espansão do reino do Pai e o conhecimento mais perfeito da sua doutrina, sacrificam, o seu proprio bem estar o seu comodismo, para na sua missão verdadeiramente apostólica, seguirem as pegadas do divino Mestre, e cumprirem, assim, o que eles lhes mandou que fizessem : “Ide e ensinai a todos os pobres...” (n. 2.773, 27/04/1947, assinado por Samu)
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Aviso Ordem 3ªdo Carmo – Por motivo do encerramento das Santas Missões, a 4 de Maio a reunião mensal do mês de Maio fica transferida para a 2ª dominga, dia 11 de Maio. Os C. C. Irmãos da Ordem e da Confraria do Carmo não faltarão á reunião do dia 11 de Maio. O Comissario. (n. 2.775, 30/04/1947)
As nossas igrejas tem sido pequenas para conter tão elevado número de fiéis que acorrem para ouvir as magnificas e oportunas pregações feitas pelo revos. Padres Redentoristas, que ora nos visitam. (n. 2.776, 01/05/1947)
Também o jornal O Correio, registrou em três artigos, as intensas atividades desse evento: em “Santas Missões”, destaca o convite que fora feito pelo vigário Mário Quintão para todos os devotos prestigiarem o desembarque da comitiva; “A chegada dos missionários”, realça que “toda São João del-Rei se achava representada na recepção aos abnegados ministros de Deus, calculando-se em mais de dez mil pessoas a grande multidão que se postou em frente à estação”; “Santas Missões”, dá conta do sucesso do evento e de suas finalidades, à luz de grande nomes do mundo católico. Chamo a atenção neste caso para o seguinte trecho inspirado no Santo Padre Bento XIV, que muito bem traduz, sintomaticamente, o objetivo da missão: “nada contribui mais para corrigir os maus costumes do que procurar auxílio e forças fora, isto é, fazer pregar por toda parte as Santas Missões”. Está claro que os missionários vinham renovar catequeticamente os costumes católicos, segundo os “novos” interesses da Igreja. Nesta renovação, a cultura popular – tão arraigada às festas do Divino, Rosário e outras - era combatida com vigor.
Dispensam comentários os efeitos que tamanha atividade religiosa surtiam na vida católica local, de uma pequena cidade interiorana. A edição d’O Correio n. 2.779, de seis de maio daquele ano, comenta sobre o êxito da missão, narrando que em seu encerramento, nas escadarias das Mercês reuniu-se uma gigantesca multidão que ali recebeu uma bênção papal. Houve grande procissão.
Estas realizações por assim dizer renovavam a prática católica festiva, como também a religiosidade cotidiana. O tom enfático dos discursos, a metodologia acusativa, fazendo a carapuça servir, mexia com os brios e a fé dos fiéis, incitando-os à nova ordem na força das admoestações, de uma oratória enérgica e imperativa. O catolicismo popular tornou-se um crime religioso. O catolicismo oficial era a rota da salvação.
Ainda a exemplo disto, tiveram também forte efeito sobre os fiéis, abrangendo a participação de todas as nossas igrejas (embora centrado no Pilar), em 1951, o Jubileu Máximo e o Congresso Mariano Regional, com extensa cobertura da imprensa. Foram episódios que reforçavam os anteriores.
Dentro deste processo romanizador, a transferência para setembro dos festejos do padroeiro de Matosinhos foi como um golpe de misericórdia sobre as manifestações populares das festas locais. Não descobri a data exata desse acontecimento importante, nem tampouco sei de quem o saiba. No estágio atual das pesquisas só se pode supor. Pelo menos por enquanto. Assim creio, possa ter sido de forma mais plausível entre 1949 e 1952. Ora, sempre esta comemoração fora na segunda-feira após o Pentecostes. Em 1924 surge a notícia do jubileu que seria concedido para tal festa a 3 de maio (dia da Invenção da Santa Cruz). Como de fato a festa do Bom Jesus se transfere para esta data. As santas missões de 47 ainda festejaram em Matosinhos em maio, mas em 1952 houve a bênção do novo andor do Senhor Bom Jesus de Matosinhos (que serviu de motivo central para animadas festividades na sua capela), já então em setembro. Este andor até hoje é anualmente usado. Ocorre que 3 de maio era ocasião de muita popularidade, com ricas manifestações folclóricas em torno da cruz de Cristo. A outra comemoração da cruz por sua vez, 14 de setembro (dia da Exaltação da Santa Cruz), nunca foi data querida do povo para festejos folclóricos. Nada mais lógico e natural, que, portanto, se transferisse as comemorações da Santa Cruz de maio para setembro, o que não ocorreu só aqui em São João del-Rei. O avançar das pesquisas deve clarear este fato e corrigir possíveis erros. Aquele caso da festa de 1924 ter ocorrido em setembro, não deve ser levado em conta aqui. Foi só uma eventualidade, por conta da excessiva pressão imposta pela imprensa, políticos e povo em razão de não ter ocorrido na data habitual, com toda a polêmica despertada. Imediatamente voltou a Pentecostes, mas por pouco tempo.
Quando a festa do Bom Jesus é transferida da segunda-feira após Pentecostes para 3 de maio, depois de 1932, como mostram as notícias do jornal Folha Nova, a festa do Divino desaparece pois ficaria isolada em Pentecostes, tolhida de caráter folclórico e sem qualquer expressividade evangelizadora. Pentecostes só não passava em branco de tudo por ser data oficial do calendário litúrgico que a Igreja festeja universalmente. Por essas alturas, nesse clima impróprio, já nem se ouvia falar de festa de Nossa Senhora da Lapa ou de Santana. Todas as atenções se voltaram para o padroeiro. Só em 1949 a festa do Divino retornaria, como demonstrarei logo adiante.
Assim, concluindo, em 1924 não houve exatamente uma parada da festa do Divino de Matosinhos. A tão falada suspensão, supressão ou paralisação foi na verdade uma atitude drástica do clero para mudar-lhe radicalmente o caráter, como de fato conseguiu-se o intento. Daí por diante ela se tornou um evento cada vez mais humilde, desprovido de atrativos, freqüentada por poucos fiéis dos arredores da capela. Sumiu da imprensa que tanto lhe decantara. Sua celebridade tornou-se aspecto do passado. A última notícia rastreada é de 1932.
Em 1949 é reativada, como prova uma ata desse ano Este é o ano mais plausível da transferência da festa do Bom Jesus de 3 de maio para 14 de setembro. A Festa do Divino é então reativada para fechar a lacuna aberta nos tradicionais festejos de maio com a dita transferência. A ata está transcrita nos anexos desse trabalho. Nela há esta frase pouco esclarecedora mas importante: “(...) as festividades em honra ao Divino Espírito Santo, festividades estas que a longo tempo, por motivos diversos, não se realizavam”. (grifei) Ou seja, transferindo a do Bom Jesus para setembro, reativou-se a do Divino para reocupar a data centenária de festejos.
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Ata da Festa do Divino de 1949.
Por outro lado, obras diversas na matriz de São João Bosco nessa época, à qual estava então subordinado Matosinhos, podem talvez ter indiretamente se somado para estimular essa reativação. Por aqueles anos estavam em custosas e aceleradas obras a edificação da torre daquela matriz. Várias atividades de arrecadação eram efetivadas. De outro livro de atas, o da Pia União das Cooperadoras Salesianas, constam os trechos abaixo selecionados, um tanto sugestivos [13]:
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Haverá grande atividade para a conclusão da torre do santuário, tais como rifas grandes, no decorrer do ano, praça de gado em Agôsto, etc. Para isto conta com o trabalho dos cooperadores, que aliás, são de fato, os realizadores das obras e, neste sentido incentivou-nos com palavras de animação, antevendo o êxito e a corôa dos nossos, então, ínfimos esforços (08/031951, p. 8v.).
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Em Matozinhos há poucas pessoas para o trabalho dos cooperadores, havendo, portanto, muitas reclamações (26/07/1951, 11v.).
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Em seguida perguntou-nos o Pe. Diretor (José Vieira de Vasconcelos) _ ‘Acham que o relógio está ficando bonito?’ Disse-nos ele que este é o maior de Minas e que pesa mais de 1.000 quilos, sendo que veio da Suissa (sic), e que foi comprado na melhor fábrica. A opinião dos presentes foi o grande contentamento com o novo relógio de 4 mostradores (22/06/1952, 21v.).
No princípio de 1951 havia 4.450 cooperadores matriculados, divididos por setores, sob a coordenação de zeladores, inclusive na zona rural do município. Sua atividade era muito grande por toda parte e se fez sentir forte em Matosinhos quando este pertencia àquela paróquia salesiana. Haja vista por exemplo, que a construção da Igreja de Santa Terezinha e seu centro anexo, foi devida aos salesianos, que portanto, muito colaboraram com o grande bairro.
Seja como for, por interesse econômico ou religioso, a festa prosseguiu inexpressiva, ano após ano, mesmo quando da emancipação eclesiástica de Matosinhos e assim chegou até 1997, com uma novena, missa e rasoura – tudo pouquíssimo frequentado e sem o espírito de alegria que caracteriza os eventos ligados à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.
* Texto, foto e fotomontagem: Ulisses Passarelli
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