Mostra-nos a história, que Matosinhos era um lugar especial para a população são-joanense, uma espécie de refúgio aprazível, repleto de pomares, jardins, alamedas, incrustados em variadas chácaras e casas de campo, muito elogiadas pela beleza, qualidade do ar e pelo aspecto pitoresco. Diziam que era a nossa Petrópolis, em comparação à cidade fluminense onde se refugiavam os cariocas – até a família imperial - quando queriam o sossego do interior. Fora as chácaras, só havia a igreja. E no mais era a natureza.
Calmo e pacato era o bairro, então dito arrabalde, arraial, aldeia, povoação, povoado. São João del-Rei era uma pequena cidade, restrita ao atual centro histórico indo muito pouco além, com algumas casas espalhadas. Da cidade a Matosinhos era só mato. O caminho antiquíssimo, aberto pelos índios e seguido e alargado pelas bandeiras era pelo Matola (Rua Padre Sacramento). O caminho da Rua Antônio Rocha veio bem mais tarde, após a construção da linha férrea (inaugurada em 1881). Adentrava no bairro pela atual Rua Bernardo Guimarães, após atravessar o Ribeirão da Água Limpa.
As festas animadíssimas e tão concorridas atraíam a população que lotava o bairro a ponto de esvaziar a cidade, provam muitas citações de jornais daquele tempo.
Estas características marcaram época. Viajantes estrangeiros registraram suas impressões em crônicas de relatos. Poetas, jornalistas e estudiosos legaram observações interessantes para a posteridade sobre o bairro afamado. Esses informes são hoje valiosas fontes de pesquisa histórica, social e folclórica.
Os oitocentos se encerram com o catolicismo dominando, tradicionalista, ainda de cunho colonial, embora oficialmente já se estivesse numa república. A maior preocupação da Igreja então era combater maçons, protestantes e espíritas, tidos como seres quase demoníacos na época. Preocupava-se em zelar sempre pelos dogmas de sua fé católica [1]. A romanização já começara, ainda lenta, mas imperativa em seus objetivos. Jadir de Morais Pessoa observou com perspicácia (p.34-5) [2]:
"Tratava-se de um disciplinamento das práticas católicas, especialmente as disseminadas nas vilas e lugarejos distantes dos olhos do clero. Isso possibilitou que muitos analistas considerassem os atos litúrgicos e inclusive as festas criadas e dirigidas ao povo por esses espaços e agentes eclesiásticos como ações destinadas ao ensino e à manutenção da ordem. Todo um compêndio teológico, dogmático, doutrinário e moral deveria ser aí difundido e infundido nos fiéis que, em princípio e formalmente, não lhe opuseram resistência nem o renegaram."
A Igreja combateu o racionalismo e a secularização dos costumes, acentuando-se tais discursos com a separação Igreja-Estado. O século XIX concluiu-se ainda assim com a tradição católica persistindo imperativa.
* Texto: Ulisses Passarelli
[1] - Cf.: NASCIMENTO, Sílvio Firmo do, Padre. O tradicionalismo católico em Minas no final do século XIX. Jornal de Minas, São João del-Rei, n.40, jul. / 2004.
[2] - Saberes em festa: gestos de ensinar e aprender na cultura popular. Goiânia: UCG / Kelps, 2005. 94p.
Nenhum comentário:
Postar um comentário