Observou ABREU (1999)*, em comentário sobre as folias cariocas do século XIX, que:
"o trânsito da pombinha era bastante amplo entre os diferentes segmentos sociais da cidade e redondezas, seus significados – e os da comemoração, em termos amplos – eram suficientemente universais para permitir a apropriação de todos (...) nenhum segmento social, étnico ou profissional, identificou-se seletivamente com ela, elegendo-a para sua própria proteção" (p.52).
Ainda essa autora, baseando-se em Mary Karasch, comentou acerca da devoção dos escravos ao Divino, que os bantus angolanos e congoleses poderiam ter associado a forma da pomba à do pássaro, que na concepção religiosa centro-africana representa o limite entre o dia e a noite e por conseguinte entre a vida e a morte (p.53).
O lado místico se revela pela própria abstração de uma devoção não antropomórfica.
A representação artística do Espírito Santo sob a forma de pomba branca é bem típica e uniforme. Surge nas esculturas e pinturas. Quando possível é acrescida de elementos simbólicos que reforçam as impressões populares pela adição de efeitos. Entendo-os assim:
- efeitos luminosos (halo, fachos, raiadas, línguas de fogo);
- efeitos de santidade (auréola, resplendor);
- efeitos de poder (coroa, cetro);
- efeito de pacificação e esperança (ramo verde no bico, interpretado como de uma oliveira);
- efeitos sacramentais (1- figuração de água – lembrança do batismo de Cristo no Rio Jordão; 2- pombinha ao centro de uma custódia – representação bastante generalizada);
- efeitos de divindade (1- pintura de nuvens se afastando para aparição da pomba; 2- nuvens em torvelinho ao seu redor, acinzentadas como num cataclisma; 3- céu se abrindo, como se tragado de um plano superior donde emana luz, representado em gradação branca-amarela-laranja);
- efeito de efusão (vento representado como tracejado paralelo branco-azulado-cinzento, saindo da pomba em direção à Terra);
- efeito de movimento (quase sempre a pomba está de asas abertas, pairando ou voando em graciosa lateralidade, ou ainda, em fase de descida. Por estar voando suspensa confere a ideia de estar acima de nós, de um ser superior).
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Interior do oratório de pescoço da Festa do Divino de São João del-Rei.
Escultura e pintura: Osni Paiva. |
Em São João del-Rei a imagem que há no Santuário de Matosinhos foi doada pelo Imperador do Divino Tomaz Antônio Gonçalvez. Tem a forma de custódia. Atrás dela existe a seguinte inscrição: “Feita nesta cidade de São João del-Rei, em maio de 1868, por Manoel Pereira Maya, natural de Piracatu, por mandado do Imperador do Espírito Santo Thomaz”. A inscrição foi descoberta numa restauração. Retirou-se então dezesseis lâmpadas coloridas, com as respectivas boquilhas, que alguém fixara nas raiadas da imagem, descaracterizando-a. O acréscimo de gosto duvidoso, fora realizado na segunda metade do século XX, dando-lhe aparência de árvore de Natal com pisca-pisca aceso, ou de entrada de clube noturno. Atrás, sobre a dita inscrição, um terrível emaranhado de fios punha a peça sacra sob o risco de incêndio, por um muito plausível curto-circuito. Considere-se que é feita de madeira. Retomou sua autenticidade.
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Imagem do Divino de Matosinhos antes e depois da restauração.
Acervo da Paróquia do Santuário do Senhor bom Jesus de Matosinhos,
São João del-Rei/MG.
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Notas e Créditos
* ABREU, Martha. O Império do Divino: festas religiosas e culturas popular no Rio de Janeiro, 1830-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: FAPESP, 1999. Col. Histórias do Brasil.
** Texto e fotomontagem: Ulisses Passarelli
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