Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Rudimentos etnográficos: os amerabas

A área do médio Rio das Mortes, onde está situada São João del-Rei era habitada por índios cataguás, puris e coroados.

Os cataguás eram os mais bravios, da vasta etnia cariri, descendentes da longínqua tribo dos tremembés (ou teremembés), que vindos em migração do Ceará, habitantes que eram do Vale do Jaguaribe, dividiram-se em duas grandes hordas: uma subiu o Rio São Francisco até as cabeceiras, a outra desceu o Rio Parnaíba até a foz. Narra Diogo de Vasconcelos, que os dois grupos, já desirmanados, encontraram-se no vale do Rio Grande ou Paraná [1]:

Travada aí a luta pela posse do rio decidiu-se na barra do Sapucaí. Os vencidos transpondo então a Mantiqueira foram se instalar na chã do Paraíba, cerca de Taubaté, e os vencedores ficaram na terra conquistada, de onde se estenderam até o Rio das Mortes, com o nome enfático de “catu-auá” (gente boa). Na guerra os índios chamavam-se a si catu-auá e os inimigos “pixuauá” (gente ruim). Daí os cataguá (p.125).

Explica GUIMARÃES (1987), que tais índios guerreiros foram um empecilho à livre entrada do dominador branco nessa região. Batalhas teriam ocorrido nas margens do nosso Rio das Mortes [2].  Deixaram muitas marcas inclusive na toponímia [3].

Lembra ainda este autor que o nome de Minas Gerais no fim do século XVII e princípio do XVIII os referenciava: “País dos Cataguá”, “Campos Gerais dos Cataguá”, “Minas dos Cataguá”.

SENNA (1905) comentou sobre eles:

Cataguás - Nome de bellicosa nação selvagem com que primeiro se enfretaram os Paulistas, ao descobrirem o territorio das Minas, desde o Sul ao Centro e Oéste, na vasta bacia fluvial do Rio Grande, tendo sido afinal completamente batidos pela bandeira de Lourenço Castanho, o Velho [4].

Coroados e puris pertencem à etnia tupi e mantinham hostilidades entre si. São originários dos goitacases (ou uetacás), do norte fluminense, região de Campos, foz do Paraíba do Sul. Quando da invasão portuguesa foram de lá expulsos [5].  Debandaram-se e se dividiram em vários agrupamentos que foram sendo cognominados como hordas próprias: araris, pitas, chumetos, tampruns, sararicões, coroados (epíteto dado pelos brancos, em razão do penteado que adotavam) e puris (termo depreciativo que os coroados lhes davam, significando audaz ou bandido) [6].   

TJADER (2004) esclarece que os goitacases, depois de longa luta contra os portugueses na região de Campos, foram expulsos e seguiram para o interior, “em direção aos rios Muriaé, Pomba e Paraibuna, acabando por se miscigenarem aos índios coropós, habitantes daquelas áreas (...) Esta miscigenação foi a origem da tribo dos coroados. Acerca dos puris informa que os tamoios do Rio de Janeiro e Parati, em debandada até o médio Paraíba do Sul, o transpuseram para a outra margem e então, no decurso do século XVII e no seguinte, entraram em choque com os coroados, posto que invadiram suas terras, “dando origem a novas tribos que se formaram, tais como a dos araris, a dos puris, todas lutando entre si mas igualmente todas tementes aos coroados (p.24-25) [7].                  

Além do branco invasor, aqui se fixando a partir da última década do século XVII, vindo nas bandeiras ávidas por preciosidades minerais, preadoras de índios, pelo “Caminho Geral do Sertão”, vieram os negros, com a descoberta local do ouro nos primeiros anos dos setecentos, para o árduo trabalho nas minas. Já em 1708, São João del-Rei abrigava a “Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos”, como se chamava então. Predominaram os negros do grande grupo banto, embora tenham também vindo sudaneses (destacando os negros minas) e malês (muçulmanos), estes em menor número. 

A mistura racial foi óbvia, a exemplo do restante do país e foi na mestiçagem entre si e com o elemento branco, que se fixaram muitas de nossas tradições, forjando a riqueza cultural que ainda nos é característica. 

Notas e Créditos 

* Texto: Ulisses Passarelli



[1] - VASCONCELOS, Diogo de. História Antiga das Minas Gerais. 4. ed. v.1. [s.d.]
[2] - Testemunhou Bernardo Xavier Pinto e Souza numa memória escrita nos meados do século XIX, intitulada “Vila de São João del-Rei - Cabeça da Comarca do Rio das Mortes”: “Descobrindo Tomé Portes del-Rei, taubateano essas minas maravilhosas, não só pela abundância de faisqueiras ricas, mas pela facilidade com que se extraia o ouro; procedeu daí, que os indígenas do país opondo-se à bandeira dos novos povoadores paulistas, defendendo-lhes os trabalhos de mineração, se armaram contra eles; por cujo fato sofreram uns e outros os efeitos de uma batalha renhida.” In: Revista do Arquivo Público Mineiro, ano 13, p. 588.  Aureliano Pereira Corrêa Pimentel, no “Município de São João del-Rei”, de 1905, corrobora esta afirmação: “Os indígenas ribeirinhos do Rio das Mortes logo se opuseram aos aventureiros paulistas, e com eles travaram pelejas.” In: Revista do Arquivo Publico Mineiro, ano 10, f.1 e 2, p.7 (apud Geraldo Guimarães).
[3] - Registra-se na região de Lagoa Dourada e Entre Rios de Minas a designação de Cataguá e suas variantes: Fazenda de Catauá, Córrego dos Cataguases, Córrego do Cataguá ... e finalmente o arraial de Catauá, no município de Lagoa Dourada. Também Santana dos Montes, antigo distrito do município de Conselheiro Lafaiete, de 1943 a 1948, teve a denominação de Catauá.
[4] - Lourenço Castanho Taques viajava rumo a Goiás à procura de ouro. Derrotou os índios no lugar chamado Conquista e os perseguiu até os Sertões de Araxá. Daí seguiu rumo ao Rio Paracatu, junto ao qual fundou a cidade homônima.
[5] - Segundo Saint-Hilaire, a diáspora dos goitacases se deu em 1630.
[6] - Esclarece-nos Jean Baptiste Debret que insatisfeitos com o apelido, tais índios retrucavam contra os coroados, dizendo que eles é que eram puris.
[7]  - TJADER, Rogério da Silva. Visconde do Rio Preto: sua vida, sua obra, o esplendor de Valença. Valença: PC Duboc, 2004. p.24-5.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário