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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A Procissão do Imperador Perpétuo

Na década de 1830, surgem notícias específicas sobre a Festa do Divino em São João del-Rei no jornal O Astro de Minas, focalizando uma procissão que se tornou famosa. Saía da Igreja de São Francisco de Assis e vinha até a de Matosinhos, passando pelo Matola (atual Rua Padre Sacramento). Este é o caminho antiquíssimo que dava acesso ao bairro e ao Porto (não havia ainda a Rua Antônio Rocha, que só foi aberta após a construção da estação ferroviária, cerca de cinquenta anos mais tarde). Na procissão a imagem de Santo Antônio de Pádua (ou de Lisboa) era trazida dentro de uma liteira enfeitada. O santo é o imperador perpétuo da festa. A edição nº 119, de 20/05/1834 do citado jornal diz:

Os mesários do Divino Espírito Santo, anunciam que a posse é no dia 1º de junho do corrente ano às três horas da tarde, e que pretendem levar Santo Antônio da Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, para Matosinhos, com a decência possível como é de costume; para isso rogam a todas aquelas pessoas, que se quiserem aprontar de cavalo para acompanhar, o façam àquela hora impreterivelmente.

TRINDADE (1952) narrou um fato curioso, no qual um vigário de São João del-Rei, idealizou finalizar essa procissão [1]:

Comerciantes e festeiros do Divino, em São João del-Rei, elegeram Santo Antônio por Imperador Perpétuo de sua festa. Por isto faziam transportar, no início da novena, a imagem do santo imperador de São João para Matosinhos onde a festa se fazia. Ia o santo numa liteira ricamente adornada, amparado por um sacerdote revestido por estola e pluvial, seguido de pomposo acompanhamento. Certo vigário quis acabar com o piedoso costume e fez reclamações ao bispo. Este com habilidade, para não susceptibilizar o seu escrupuloso cooperador, conta o que se fazia em Portugal com as imagens da Senhora de Nazaré e da Arrábida, conduzidas também por ocasião de suas festas em luxuosas carruagens e em distâncias mais consideráveis. Era até a Família Real muitas vezes juiz destas festas. “Recentemente (continua) não há dois anos, o mesmo nosso augusto soberano o fez praticar no Rio de Janeiro, fazendo conduzir do mesmo modo a imagem da Senhora da Penha para a sua capela, na distância de duas ou três léguas da cidade e regressaram do mesmo modo... À vista de tudo isto não fique V.R. com o menor escrúpulo.” E Dom Frei José acaba louvando a piedade do povo e aprovando francamente a pitoresca cerimônia.

O historiador CINTRA (1974-5) localizou outra notícia desse período:

Lemos no “Astro de Minas”, 1º jornal de S. João del-Rei, edição de 10 de junho de 1837, que a 13 do mesmo mês e ano sairia da Igreja de S.Francisco para Matozinhos a imagem de Santo Antônio, numa procissão patrocinada pelo Imperador e Festeiros do Divino Espírito Santo. Santo Antônio havia sido eleito Imperador Perpétuo da Festa.

Na frente da procissão ia como abre-alas um cavaleiro em animal ataviado. Portava um estandarte com a pintura do Espírito Santo. Por muitos anos esse cargo foi exercido pelo sr. Luciano Bonaparte, que ficou assim registrado por uma crônica localizada pelo pesquisador ADÃO (2001)[2]:

caboclo reforçado, de proporções hercúleas, mal encarado, sempre vestido de modo extravagante. Vinha todos os dias à cidade, montado num ginete bem ensaiado e trazendo aos pés um par de chilenas de prata. Dizia-se que era filho único de pai abastado e, que, com a morte deste, tornou-se herdeiro a ½ légua de S. João del-Rei, de vinte e tantos escravos. Mas era mal homem, cita o cronista que escreve no “Arauto de Minas” , em 1878, sob o pseudônimo de “Macedônio”. Pior ainda, como senhor de escravos. Acabou por matá-los um a um pela má e porca alimentação, muito serviço e bárbaros castigos. Contudo o maior prazer de Luciano era ir como alferes porta-bandeiras na procissão de São Jorge, para o que reservava sempre o seu melhor cavalo. A molecada sempre o acompanhava aos aplausos e Luciano voltava para casa cheio de si, depois de ter percorrido as principais ruas da povoação.  Luciano Bonaparte fardava-se ricamente, calçava botas de Napoleão e cingia reluzente espada de alto preço. Montava, então, corpulento e fogoso animal, ajaezado de prata e ornado de fitas de várias cores. Carregava com garbo, da igreja de São Francisco até Matosinhos, uma vistosa bandeira, abrindo caminho para a triunfal procissão de Santo Antônio. Grande multidão acompanhava o andor do Santo. Todo mundo elogiava o esplendor da montaria e das vestes de Luciano, que se transformava numa das importantes figuras da solenidade.

Procissão do Imperador Perpétuo. Desenho: Osni Paiva.


Referências Bibliográficas 

ADÃO, Kleber do Sacramento. Devoções e diversões em São João del-Rei: um estudo da festa do Bom Jesus de Matosinhos, 1889-1924. Campinas: UNICAMP – Faculdade de Educação Física, 2001. Tese de Doutorado.

CINTRA, Sebastião de Oliveira. Festas de Matozinhos antigamente. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, v. 2, 1974-5, p. 8.

TRINDADE, Raymundo, Cônego. Arquidiocese de Mariana: subsídios para a sua história. 2.ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1952. v. 1. p. 189-190.




[1] - O fato narrado tem data desconhecida. Está compreendido porém obrigatoriamente no intervalo de 25/03/1820 e 20/09/1835, que corresponde ao arquiepiscopado de Dom José da Santíssima Trindade, em Mariana/MG, frei franciscano envolvido no caso relatado. Este arcebispo era português, natural do Porto, nascido a 13/08/1762. Faleceu em Mariana, a 28/09/1835.
[2] - Extraído do jornal são-joanense Arauto de Minas, n. 17, de 14/07/1878. Macedônio, que o assina, é pseudônimo de Dominiciano Leite Ribeiro, o Visconde de Araxá. Figurão político, tinha sido governador de São Paulo trinta anos antes. 

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