Na década de 1830, surgem notícias específicas sobre a Festa do Divino em São João del-Rei no jornal O Astro de Minas, focalizando uma procissão que se tornou famosa. Saía da Igreja de São Francisco de Assis e vinha até a de Matosinhos, passando pelo Matola (atual Rua Padre Sacramento). Este é o caminho antiquíssimo que dava acesso ao bairro e ao Porto (não havia ainda a Rua Antônio Rocha, que só foi aberta após a construção da estação ferroviária, cerca de cinquenta anos mais tarde). Na procissão a imagem de Santo Antônio de Pádua (ou de Lisboa) era trazida dentro de uma liteira enfeitada. O santo é o imperador perpétuo da festa. A edição nº 119, de 20/05/1834 do citado jornal diz:
Os mesários do Divino Espírito Santo, anunciam que a posse é no dia 1º de junho do corrente ano às três horas da tarde, e que pretendem levar Santo Antônio da Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, para Matosinhos, com a decência possível como é de costume; para isso rogam a todas aquelas pessoas, que se quiserem aprontar de cavalo para acompanhar, o façam àquela hora impreterivelmente.
Comerciantes e festeiros do Divino, em São João del-Rei, elegeram Santo Antônio por Imperador Perpétuo de sua festa. Por isto faziam transportar, no início da novena, a imagem do santo imperador de São João para Matosinhos onde a festa se fazia. Ia o santo numa liteira ricamente adornada, amparado por um sacerdote revestido por estola e pluvial, seguido de pomposo acompanhamento. Certo vigário quis acabar com o piedoso costume e fez reclamações ao bispo. Este com habilidade, para não susceptibilizar o seu escrupuloso cooperador, conta o que se fazia em Portugal com as imagens da Senhora de Nazaré e da Arrábida, conduzidas também por ocasião de suas festas em luxuosas carruagens e em distâncias mais consideráveis. Era até a Família Real muitas vezes juiz destas festas. “Recentemente (continua) não há dois anos, o mesmo nosso augusto soberano o fez praticar no Rio de Janeiro, fazendo conduzir do mesmo modo a imagem da Senhora da Penha para a sua capela, na distância de duas ou três léguas da cidade e regressaram do mesmo modo... À vista de tudo isto não fique V.R. com o menor escrúpulo.” E Dom Frei José acaba louvando a piedade do povo e aprovando francamente a pitoresca cerimônia.
Lemos no “Astro de Minas”, 1º jornal de S. João del-Rei, edição de 10 de junho de 1837, que a 13 do mesmo mês e ano sairia da Igreja de S.Francisco para Matozinhos a imagem de Santo Antônio, numa procissão patrocinada pelo Imperador e Festeiros do Divino Espírito Santo. Santo Antônio havia sido eleito Imperador Perpétuo da Festa.
caboclo reforçado, de proporções hercúleas, mal encarado, sempre vestido de modo extravagante. Vinha todos os dias à cidade, montado num ginete bem ensaiado e trazendo aos pés um par de chilenas de prata. Dizia-se que era filho único de pai abastado e, que, com a morte deste, tornou-se herdeiro a ½ légua de S. João del-Rei, de vinte e tantos escravos. Mas era mal homem, cita o cronista que escreve no “Arauto de Minas” , em 1878, sob o pseudônimo de “Macedônio”. Pior ainda, como senhor de escravos. Acabou por matá-los um a um pela má e porca alimentação, muito serviço e bárbaros castigos. Contudo o maior prazer de Luciano era ir como alferes porta-bandeiras na procissão de São Jorge, para o que reservava sempre o seu melhor cavalo. A molecada sempre o acompanhava aos aplausos e Luciano voltava para casa cheio de si, depois de ter percorrido as principais ruas da povoação. Luciano Bonaparte fardava-se ricamente, calçava botas de Napoleão e cingia reluzente espada de alto preço. Montava, então, corpulento e fogoso animal, ajaezado de prata e ornado de fitas de várias cores. Carregava com garbo, da igreja de São Francisco até Matosinhos, uma vistosa bandeira, abrindo caminho para a triunfal procissão de Santo Antônio. Grande multidão acompanhava o andor do Santo. Todo mundo elogiava o esplendor da montaria e das vestes de Luciano, que se transformava numa das importantes figuras da solenidade.
Procissão do Imperador Perpétuo. Desenho: Osni Paiva.
Referências Bibliográficas
ADÃO, Kleber do Sacramento. Devoções e diversões em São João del-Rei: um estudo da festa do Bom Jesus de Matosinhos, 1889-1924. Campinas: UNICAMP – Faculdade de Educação Física, 2001. Tese de Doutorado.
CINTRA, Sebastião de Oliveira. Festas de Matozinhos antigamente. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, v. 2, 1974-5, p. 8.
TRINDADE, Raymundo, Cônego. Arquidiocese de Mariana: subsídios para a sua história. 2.ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1952. v. 1. p. 189-190.
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