Já consolidado o regime republicano, Matosinhos conservava ainda o aspecto colonial. Compunha-se de um conjunto de chácaras aprazíveis, com célebres pomares. Algumas eram de fato grandes a exemplo da do Lombão [1]:
"Vende-se um sitio no logar denominado Lombão contendo de 16 a 24 alqueires de campo, bôa aguada, moinho e um pequeno canavial e conjunctamente algumas cabeças de gado, vacum e cavallar. Quem pretender dirija-se nesta cidade á casa de Aureliano Dias Raposo."
A franca arborização, o clima agradável, o relevo sem morros acentuados, a proximidade da cidade e das águas (ainda límpidas), eram condições que faziam desse bairro um lugar querido. Um anúncio de 04/02/1906, do jornal O Repórter, n.1, dizia:
"chamamos a attenção dos nossos leitores para o annuncio que inserimos na 4ª pagina, do Succo de Uvas da Quinta Lyndoia, preparado efficaz e proveitosissimo do sr. Sebastião Sette, que operar ao fabrico da colheita deste anno, resolveu baratear o pequeno stock que ficou do anno findo."
Mas as razões da modernidade fizeram imprimir mudanças[2]. O crescimento fez com que a municipalidade já mantivesse um fiscal no bairro [3]. Já no remoto 1932 se falava em alterar a fisionomia do lugar e a imprensa jornalística são-joanense lamentava a transformação, que mudaria o lirismo local [4]:
"Remodelar o quieto suburbio, o pittoresco arrabalde das jaboticabas famosas, deitar abaixo aquelles muros enegrecidos e aquelle aggregado de casinhas baixas, seria roubar o encanto natural que faz daquelle sitio o logar preferido, (...) a nova remodelação de Mattosinhos que, segundo foi dito, passaria por uma radical transformação que lhe haveria de alinhar as ruas em torno do grande jardim plantado ao centro."
As vetustas
chácaras começam a ser vendidas para loteamentos. Seus pomares são aos poucos postos abaixo. Inúmeras casas vão se erguendo. Servirão de exemplos os seguintes anúncios de venda [5]:
"Capital e trabalho, fraternisados, concentram-se em Matosinhos, porque esta localidade offerece-lhes, excelente campo de expansão ás suas aspirações pacíficas: - o progresso. A Chacara Santo Antonio vende lotes de terrenos em vantajosas condições ao capitalista e ao operário. Informações com José Augusto da Silva alí e com João Ramalho aqui. São João, Janeiro de 1938."
* * *
"Vende-se em Chagas Doria, uma chácara com 4 mil metros quadrados, murada e toda cultivada, com cereais e arvoredos, 3 casas de morada, com luz e agua potavel. Tratar com o proprietario: Avelino Gonçalves Ferreira, na mesma."
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"Fazendinha. Vende-se a ½ quilometro de C. Doria dividida em 5 partes de jaraguá meloso e campo, boas aguadas, otimo pomar, muita cana, milho plantado, curral murado, galinheiro, paiol coberto, 3 chiqueiros cimentados, 3 tanques para ração, estrada de automovel na porta. Tratar com Joaquim Guerra."
Assim, as árvores foram sendo derrubadas dos quintais e o verde desapareceu. Altivo Câmara lamentou com veemência o fato, demonstrando as conseqüências em termos de desequilíbrio ecológico. Sugeriu plantar no bairro um bosque simbólico de paus-brasil (Caesalpina aechinata), planta que tínhamos nativa na região, restando uns pouquíssimos exemplares vestigiais em certas matas. Escreveu [6]:
"Matozinhos, pintado em 1824, pelo insigne alemão Johan Mauritz Rugendas (o original em cores está no Museu Histórico Nacional, Rio), Matozinhos, ainda há 30 ou 40 anos notável pelo seu pitoresco, beleza e higidez, e que no século passado mereceu louvações de sábios estrangeiros eminentíssimos (Saint-Hilaire, Pohl, Burton, Spix e Martius, Rugendas e outros), pela beleza e exuberância da sua luxuriante vegetação tropical, já não tem chácara nem jardins, e na via pública, 5 árvores maltratadas, para 15.000 moradores."
* Texto e fotomontagem de recorte jornalístico: Ulisses Passarelli
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Folha Nova, n. 10, 08/03/1932.
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O Correio, n. 608, 04/06/1938; n. 1.090, 15/04/1945; n. 2.583, 11/01/1953, respectivamente.
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