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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O fim das chácaras em Matosinhos

Já consolidado o regime republicano, Matosinhos conservava ainda o aspecto colonial. Compunha-se de um conjunto de chácaras aprazíveis, com célebres pomares. Algumas eram de fato grandes a exemplo da do Lombão [1]:

"Vende-se um sitio no logar denominado Lombão contendo de 16 a 24 alqueires de campo, bôa aguada, moinho e um pequeno canavial e conjunctamente algumas cabeças de gado, vacum e cavallar. Quem pretender dirija-se nesta cidade á casa de Aureliano Dias Raposo."


A franca arborização, o clima agradável, o relevo sem morros acentuados, a proximidade da cidade e das águas (ainda límpidas), eram condições que faziam desse bairro um lugar querido. Um anúncio de 04/02/1906, do jornal O Repórter, n.1, dizia:

"chamamos a attenção dos nossos leitores para o annuncio que inserimos na 4ª pagina, do Succo de Uvas da Quinta Lyndoia, preparado efficaz e proveitosissimo do sr. Sebastião Sette, que operar ao fabrico da colheita deste anno, resolveu baratear o pequeno stock que ficou do anno findo."


Mas as razões da modernidade fizeram imprimir mudanças[2]. O crescimento fez com que a municipalidade já mantivesse um fiscal no bairro [3]. Já no remoto 1932 se falava em alterar a fisionomia do lugar e a imprensa jornalística são-joanense lamentava a transformação, que mudaria o lirismo local [4]:

"Remodelar o quieto suburbio, o pittoresco arrabalde das jaboticabas famosas, deitar abaixo aquelles muros enegrecidos e aquelle aggregado de casinhas baixas, seria roubar o encanto natural que faz daquelle sitio o logar preferido, (...) a nova remodelação de Mattosinhos que, segundo foi dito, passaria por uma radical transformação que lhe haveria de alinhar as ruas em torno do grande jardim plantado ao centro."


As vetustas chácaras começam a ser vendidas para loteamentos. Seus pomares são aos poucos postos abaixo. Inúmeras casas vão se erguendo. Servirão de exemplos os seguintes anúncios de venda [5]: 

"Capital e trabalho, fraternisados, concentram-se em Matosinhos, porque esta localidade offerece-lhes, excelente campo de expansão ás suas aspirações pacíficas: - o progresso. A Chacara Santo Antonio vende lotes de terrenos em vantajosas condições ao capitalista e ao operário. Informações com José Augusto da Silva alí e com João Ramalho aqui. São João, Janeiro de 1938."

* * *

"Vende-se em Chagas Doria, uma chácara com 4 mil metros quadrados, murada e toda cultivada, com cereais e arvoredos, 3 casas de morada, com luz e agua potavel. Tratar com o proprietario: Avelino Gonçalves Ferreira, na mesma."


* * *

"Fazendinha. Vende-se a ½ quilometro de C. Doria dividida em 5 partes de jaraguá meloso e campo, boas aguadas, otimo pomar, muita cana, milho plantado, curral murado, galinheiro, paiol coberto, 3 chiqueiros cimentados, 3 tanques para ração, estrada de automovel na porta. Tratar com Joaquim Guerra."


Assim, as árvores foram sendo derrubadas dos quintais e o verde desapareceu. Altivo Câmara lamentou com veemência o fato, demonstrando as conseqüências em termos de desequilíbrio ecológico. Sugeriu plantar no bairro um bosque simbólico de paus-brasil (Caesalpina aechinata), planta que tínhamos nativa na região, restando uns pouquíssimos exemplares vestigiais em certas matas. Escreveu [6]:

"Matozinhos, pintado em 1824, pelo insigne alemão Johan Mauritz Rugendas (o original em cores está no Museu Histórico Nacional, Rio), Matozinhos, ainda há 30 ou 40 anos notável pelo seu pitoresco, beleza e higidez, e que no século passado mereceu louvações de sábios estrangeiros eminentíssimos (Saint-Hilaire, Pohl, Burton, Spix e Martius, Rugendas e outros), pela beleza e exuberância da sua luxuriante vegetação tropical, já não tem chácara nem jardins, e na via pública, 5 árvores maltratadas, para 15.000 moradores."


Notas e Créditos

* Texto e fotomontagem de recorte jornalístico: Ulisses Passarelli





[1] - Arauto de Minas, n. 8, 27/04/1883.
[2] - Havia na cidade desde algum tempo uma preocupação com o urbanismo, então entendido como sinal de evolução civilizatória. A título de exemplo enumero as seguintes mudanças: em 1913 é dado o prazo de três meses para alinhamento e construção de passeios de 1,50m na Rua da Prata (atual Padre José Maria Xavier) e a resolução nº 370 da câmara, de 12 de agosto, autoriza concertos “na estrada da cidade ao Sr. dos Montes”, respectivamente segundo O Repórter n.67, 25/09/1913 e n.71, 10/10/1913. Serve também como exemplo a notícia dos passeios feitos ao redor da Igreja do Rosário, no centro da cidade (A Tribuna, n.29, 30/01/1915) e do jardim instalado na sua dianteira (idem, n.33, 28/02/1915), hoje inexistente. A herma do padre José Maria Xavier foi inaugurada em 02 de maio daquele ano, atesta o mesmo jornal, edição nº 41. A Tribuna n. 187, 03/02/1918 atesta o ajardinamento da Avenida Carneiro Felipe (hoje Pres. Tancredo Neves), ainda sem luz; na nº 192, de 10 de março fala da instalação de bancos e plantios de magnólias, segundo projeto de Alberto Bastos n.195, de 24/03/1918 denuncia o tratamento inadequado do esgoto, lançado num “corregozinho fétido da Rua Paulo Freitas” ou das fezes e urina carregadas em latas de querosene e jogadas ao léu nas imediações da Avenida Leite de Castro, exatamente na “Travessa do Sr. Capitão Manoel Nicolau”. O São João d’El-Rei, n.9, 13/05/1920, divulga que o poder público comprou “uma faixa de terreno a d. Ernestina Monteiro para alargamento de um trecho da rua Pe. Sacramento”, pelo valor de 390$000. Em 1932 é construída uma fonte luminosa na avenida central da cidade, a segunda de Minas (a primeira foi em Cataguases), tendo a aparelhagem elétrica vindo do Rio de Janeiro. Nessa ocasião também se concluiu a remodelação do cais do Córrego do Lenheiro. Folha Nova, n.4, 08/05/1932 e ed. ss.
[3] - O Repórter, n. 73 de 19/10/1913, publicou a relação das despesas municipais referentes a agosto daquele ano, constando entre elas, 30.000 réis pagos a Pedro Ferreira de Souza, do seu ordenado de fiscal em Matosinhos.
[4] - Folha Nova, n. 10, 08/03/1932.
[5] - O Correio, n. 608, 04/06/1938; n. 1.090, 15/04/1945; n. 2.583, 11/01/1953, respectivamente.
[6] - CÂMARA, Altivo de Lemos Sette. Árvores. São João del-Rei: Instituto Histórico e Geográfico, 1973. (Exemplar gentilmente cedido por Francisco José de Resende Frazão). 

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