Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Outros comentários sobre a Procissão do Imperador Perpétuo


O Astro de Minas foi o primeiro jornal da cidade e o segundo mineiro. Referencia a Procissão do Imperador Perpétuo, Santo Antônio de Pádua, assim nomeado pelos comerciantes locais, contrapondo-se ao imperador móvel, humano, que perde seu cargo em cada Pentecostes, dando lugar a outro. Era um cortejo religioso querido, concorrido e pomposo, descendo desde a Igreja de São Francisco de Assis até a do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, pelo antigo e longo caminho já citado, provocando grande entusiasmo na sua chegada, na véspera de Pentecostes.

Interessante seu cortejo numa liteira, veículo de transporte dos ricos fazendeiros e comerciantes, que em suma eram importantes agentes promotores da festa. A liteira conferia ao próprio santo um ar senhorial, bastante adequado para um festejo aristocrático, promovido sem dúvidas pela classe dominante. E se a crônica relata que os comerciantes contribuíram na escolha desse santo, não deixa de ser intrigante nomearem justo ele, que não é padroeiro dos comerciantes, mas dos militares e das moças casadouras. Santa Lídia é a padroeira dos comerciantes, mas não goza de um milésimo da popularidade de Santo Antônio.

Não se sabe ao certo por qual razão Santo Antônio foi escolhido imperador perpétuo. Tudo fica no campo hipotético. Sua altíssima popularidade mesmo antes de falecer e a sua capacidade oratória extraordinária, devem ter contribuído para a escolha. A grande eloquência catequética, sempre foi considerada inspiração divinal. Essa capacidade do santo lhe valeu o título de “Martelo dos Hereges” (pois em seus sermões combatia firmemente os pecadores) e “Tuba Evangélica” (pela veemência com que pregava a palavra santa).

E um fato em especial pode ter motivado a escolha. Na páscoa do ano 1227, narra o reverendíssimo Padre At, da Congregação do Sagrado Coração, de Toulouse (França)[1], aconteceu o seguinte fato extraordinário, na presença do Papa Gregório IX:

A maravilhosa nave do Espirito Santo, Sto Antonio de Padua, um dos discipulos e companheiros que S. Francisco havia escolhido, e o que elle chamava seu vigario, prégava uma vez perante o Papa e os cardeaes no consistorio, onde se achavam homens de diversas nações, gregos, latinos, francezes, allemães, slavos, inglezes, e de outros varios paizes. Elle foi inflammado pelo Espirito Santo e annunciou a palavra de Deus de um modo tão efficaz, tão devoto, tão penetrante, tão suave, tão claro e intelligente, que todos os presentes, conquanto fossem de linguas diversas, entenderam todas as suas palavras clara e distinctamente como se houvesse falado a lingua de cada um, e ficaram todos estupefactos. Pareceu ver-se renovar o antigo milagre dos Apostolos no tempo do Pentecostes, quando pela virtude do Espirito Santo falavam todas as linguas; e os cardeaes diziam uns para os outros: não veio da Hespanha este que préga? E como, pois entendemos todos na sua lingua a do nosso paiz? O Papa reflexionava como os outros, e, maravilhado pela profundeza desta prégação, exclamou: na verdade, este é a Arca do Testamento, e o thesouro da Santa Escriptura. (grifei seus outros títulos)

O acontecido sem dúvidas denota que o grau de santidade deste taumaturgo era também fruto de intensa efusão do Espírito Santo sobre ele.

Por outro lado houve um costume europeu muito antigo de se nomear santos para determinados cargos, hábito também adotado no Brasil. A esse respeito, LEAL (1994) lista entre as “censuras e leis” que afetaram as festas do Divino no Arquipélago dos Açores, aquelas instituídas pelo bispo Dom João Maria Pimentel (1876), proibindo a saída de imagens nos cortejos, após constatar que “em algumas freguesias há o costume de nos bodos do Espírito Santo acompanharem imagens de santos o préstito, com o título de pajens da coroa (p. 273. Grifei). Santo Antônio por sua popularidade inigualável foi especialmente farto nesse sentido. Como exemplo, em 1767, ganhou o posto de coronel das tropas da capitania de São Paulo [2]. CASCUDO (s/d) lista uma série de títulos que este santo ganhou no Brasil:

justificando-se sua intervenção quando de lutas armadas, na Bahia, Santo Antônio foi capitão na Fortaleza da Barra, em 1705, alferes no bairro da Mouraria em 1800, com 120$ anuais, sargento-mor em 1810 e tenente-coronel em 1814, com o soldo anual de 720$, pago até 1907. Em São Paulo foi coronel. Capitão em Goiás. Soldado na Paraíba e Espírito Santo. Tenente-coronel no Rio de Janeiro em 1814. Capitão de cavalaria em Vila Rica (Ouro Preto, Minas Gerais). Tenente no Recife, com 34$400 anuais. Vereador em Igaraçu, Pernambuco. Grão-cruz da Ordem de Cristo  em 1814, dada pelo príncipe regente Dom João.

E porque não imperador perpétuo em São João del-Rei? ...

A função de imperador é sempre anual. O título de imperador é móvel, como se diz. Desconheço a sua perpetuidade, exceção feita ao caso de Santo Antônio, que até prova em contrário, é único, no Brasil e em Portugal, insular ou continental.

Junto com a coroação do imperador, a procissão é o evento da programação que mais evoca a festa antiga. Outrora ocorria no dia em que começava a novena, trazendo a imagem do santo para participar das rezas em Matosinhos. Fazia-se acompanhar a cavalo, tendo à frente de todos um cavaleiro, portando o estandarte do Divino, ricamente trajado e o cavalo enfeitado. Por muitos anos o cavaleiro foi o sr. Luciano Bonaparte, que tinha uma chácara no bairro Bonfim. 

Seria de fato exótico ou no mínimo estranho e incomum uma imagem rua afora, dentro de uma liteira, acompanhada por cavaleiros, por tão grande distância. Um vigário de antanho tentou acabar com o préstito, escrevendo ao bispo da época, mas não conseguiu o intento. Estranhava o aspecto procissional.

Com os olhos atuais é possível compreendê-la melhor. Santo Antônio foi nomeado imperador, com honras perpetuadas pelos comerciantes. Ora, São João del-Rei sabidamente viveu do comércio desde que a febre do ouro acabou. Tornou-se um grande entreposto comercial, verdadeiro empório mineiro no século XIX, estabelecendo rotas comerciais com o Rio de Janeiro (então capital do Brasil), com a capital da província (Vila Rica, hoje Ouro Preto), com o sertão (centro-oeste e oeste de Minas) e toda circunvizinhança enfim. Os comerciantes eram ricos e respeitados, influentes na sociedade, cuja economia era sobretudo por eles movimentada. Esses potentados e suas madames, que passeavam pelas ruas em liteiras (carregadas nos ombros dos escravos ou presas às arreatas de duas parelhas de cavalgaduras), serpentinas, cadeirinhas de arruar, coches, seges, ao escolherem o dito santo como imperador, automaticamente passaram a tê-lo como seu representante na estrutura festiva e assim seria natural que ele se apresentasse no evento com tal importância para a sociedade local, no conforto de uma liteira, tal como o abastado senhorio que o elegera e que em última análise patrocinava a festança. Fica claro portanto o lado aristocrático desse préstito processional, no contexto histórico festivo.

Mas rapidamente o costume desapareceu. Não se sabe a razão. Faltam dados. De todas notícias coligidas nos jornais a partir da década de 1870, nenhuma em absoluto cita qualquer menção a essa procissão, por mais vaga que fosse. Seria inadmissível que passasse despercebida da imprensa da época, tal seu valor social e religioso, pois o Arauto de Minas, O Repórter, A Nota, O Combate e outros mais, detalhavam as atrações atenciosamente. A procissão do Imperador Perpétuo estava mesmo desaparecida.

Apesar de hoje a comissão primar pelo cunho religioso desse evento há quem o encare como alegórico o que não corresponde à realidade bem fundamentada. É com certeza uma procissão colorida, vivaz, que se destaca daquelas outras mais contemplativas, senão mesmo tristonhas, mas definitivamente, não é um mero desfile. Em razão dessa observação, parece estar a pouca freqüência de representantes dos sodalícios religiosos da cidade, apesar da abundância de convites. Exceção feita de modo especial à Irmandade do Santíssimo Sacramento de Matosinhos, Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis e Venerável e Episcopal Confraria de São Gonçalo Garcia. As demais, não todas, eventualmente mandam alguns representantes mas as três citadas tem participação ativa. Ao contrário, na procissão do Divino, efetuada no dia seguinte, o comparecimento dos sodalícios é bem maior, embora não ainda ideal. 

No que pese todo o esforço de divulgação empreendido pelos festeiros, por todas as vias possíveis, esta procissão ainda não alcançou a popularidade pretendida e que ela decerto merece. Apesar de bem estruturada e com atrativos suficientes, tem sido pequena a participação de fiéis neste evento. Poder-se-ia atribuir esta constatação aos seguintes fatores:

-          itinerário muito extenso (cerca de 3 km), demorado para ser transposto e com subida;
-       longo período sem ser realizada, criando um buraco na tradição de se participar dela, que só o tempo poderá fechar;
-         a supra-referida concepção (equivocada) de que ela tenha pouco aspecto religioso;
-         o fato de ser uma procissão secundária ou coadjuvante dentro da festa (a principal é a do Divino);
-    incompreensão – apesar dos constantes esclarecimentos prestados – da razão de existir uma procissão em honra a Santo Antônio, dentro de uma festa consagrada ao Espírito Santo;
-     o fato de ter saída no período diurno, já que a grande maioria das numerosas procissões desta cidade é noturna. Muito embora chegue em Matosinhos já com a noite. 

A chegada a Matosinhos é eufórica, embora a procissão nunca tenha conseguido reunir grande número de fiéis. As paradas que se faziam na Gruta e na Santa Clara estão abolidas desde 2002, por perturbarem a ordem do itinerário e o delongarem demais. Sem paradas, consumiu 1 h e 35 em 2003 para honrar o trajeto.

Procissão do Imperador Perpétuo ganha a Rua Bernardo Guimarães.
As Folias do Divino garantem a parte musical alternadamente em todo o trajeto.


Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli
** Foto: Iago C.S. Passarelli, 27/05/2012



[1] - AT, (Padre). História de Santo Antonio de Padua: segundo as fontes agiographicas dos seculos XIII, XIV e XV. Tradução Mons. Dr. José Basilio Pereira. Salvador: São Francisco, 1913. 419 p. p. 169.
[2]- REVISTA DO ARQUIVO MUNICIPAL DE SÃO PAULO, v. 2, p. 91-2, 1934.

Nenhum comentário:

Postar um comentário