Suspensão das Festas
As festas de Matosinhos foram sempre agigantadas. Mudaram de feição no começo do século XX, em virtude da excessiva infiltração de jogos de azar.
Em 1923 a festa foi precedida pelas santas missões em 3 de maio. Com um novo padrão se distanciou do esquema popular original :
Na quinta feira ultima, dia 3 de maio, consagrado á santa Cruz com grandes festas, terminaram as missões em Mattosinhos. Nesse dia realizou-se linda procissão, na qual tomaram parte, formando em alas e empunhando vistosos estandartes, cerca de mil moças e oitocentos homens, sem falar do grande acompanhamento. A procissão percorreu quasi todos os recantos de Mattosinhos, ora entoando o hymno de Bento Ernesto, para ella escripto especialmente, ora ao som da banda do 11º Regimento, tendo durante o dia, abrilhantado a festa a banda S. Francisco, do Gymnasio Santo Antonio. A capella, fartamente illuminada e completamente reformada, apresentava vistoso aspecto. Foi grande a affluencia de povo alli, principalmente no ultimo dia, em que os trens e autos trafegaram repletos.
No ano seguinte uma ordem a proibiu, alicerçada na justificativa da imoralidade trazida pelos jogos, conforme referido no tópico anterior.
Contudo esta proibição foi efêmera e no mesmo ano a festa acabou sendo realizada, porém a 14 de setembro (dia da Exaltação da Santa Cruz), noticia a imprensa, sob o título de “A Renovação da S. Missão e a Festa de N. S. Bom Jesus de Mattosinhos” . Foi celebrada pelo missionário redentorista Pe. Affonso Theyssen, auxiliado pelos sacerdotes franciscanos. O texto focaliza a liturgia, os discursos eclesiásticos, o poder dos sacramentos e números, muitos números, de fiéis, confissões e comunhões. Não há relato algum de festa popular ou atos extralitúrgicos. O modelo era ainda o mesmo começado no ano anterior.
Tal texto nos dá uma pista sintomática do novo controle sacerdotal nestes trechos que grifei:
Já se permitte prever a agglomeração de devotos e romeiros que virão vizitar o sanctuario de Nosso Senhor Bom Jesus no proximo anno vindouro quando a bulla, já no poder de S. Excia Snr. Arcebispo Diocesano, for publicada, concedendo ao Sanctuario de Matthosinhos durante oito dias, precedentes a 3 de Maio todos os annos o privilegio de JUBILEU. (...) Tomaram-se providencias consistindo por oras em eleição da Meza, constituida de festeiros, muitos juizes e juizas que opportunamente será convertida em commissão fundadora e executora do primeiro anno do jubileu de Nosso Senhor Bom Jesus de Mattosinhos, chefiada pela propria Auctoridade Ecclesiastica.”
Observar que já se usava o termo santuário para designar a capela de Matosinhos, que de fato só se tornou um em 2004.
Não achei nenhuma notícia das festas de 1925 e 1926. Supõe-se que tenham sido sem brilhantismo, razão de não merecerem qualquer atenção da imprensa.
Em 1927 foi um tanto aristocrática, filtrada de seus elementos folclóricos típicos, seguindo à liturgia romana. Tinha nova fisionomia, com três imperadores e três imperatrizes, a saber: 1º- capitão Avelino Guerra, 2º- coronel Delphino B. Castanheira, 3º- coronel Arnobio Caldeira Franco; 1ª- “Exas.sras.dd.” Flavia Ribeiro de Magalhães, 2ª- Luiza Rosa Vieira de Castro, 3ª- Clarice Castanheira de Almeida Netto. É o que nos dá conta o hebdomadário são-joanense O Correio, com o visto do vigário José Maria Fernandez. Notar que as personagens eram pessoas influentes. Também nos demais cargos aconteceu o mesmo. O alferes da bandeira foi um tenente nesse ano. A lista de pessoas foi tão grande, que o jornal dividiu sua divulgação em três edições. Na de 07/05/27 (n.35), saíram os personagens do primeiro dia festivo: imperadores, imperatrizes, alferes da bandeira, pajens do estoque, caudatários, mordomos, irmãos de mesa, secretários, tesoureiros, procuradores; na de 21/05/27 (n.37), do 2º dia: juízes, juízas, irmãos e irmãs de mesa, secretários, tesoureiros, procurador; na de 28/05/27 (n.38), do 3º dia de festa, com os mesmos cargos do dia anterior, porém com pessoas diferentes.
Ainda esse jornal publicou a esdrúxula crônica “Mattozinhos: pagina futurista”, assinada por alguém oculto sob o pseudônimo de “Fou-Touriste” . Relata que houve muita gente em idílio nas barraquinhas. Não faltaram fogos de artifício, música, leilão, luzes, bandeirolas, autos, toques de sinos, comes-e-bebes, apresentação de “O Guarani” no coreto, prisões e libertações fraudulentas. Tanta gente veio da cidade para o arrabalde, que, garante o signatário, “Mattozinhos virou São João”. Atesta ainda que houve alguns jogos, “listas, rifas, bilhetinhos, sortes ...”.
Também surgiu uma notícia de 1929, sob o título de “Festas Religiosas”, provando mais uma vez que a festa não paralisou :
Com grande pompa, preparam-se os festejos de Mattosinhos, os quaes promettem ser muito animados. Para isso, a commissão organizadora não tem poupado esforços e sacrificios percorrendo o commercio com listas devidamente autorizadas pelo vigario da parochia, padre José Maria Fernandez. Publicaremos brevemente, o programma.
Outro registro apareceu em 1931, intitulado “Festa de Mattosinhos” :
A Bilheteria da Oeste de Minas, vendeu para os trens de suburbio, durante os 3 dias de festas, 9891 passagens. Contando as pessoas que viajaram por auto-omnibus e a pé, pode se affirmar que Mattosinhos teve, este anno, uma frequencia de 15.000 romeiros.
Mas apesar dos números impressionantes a festa já perdera o esplendor de outros tempos. Havia o anseio de revitalizá-la, tanto que manchetes do jornal Folha Nova deram grande destaque à festa de 1932. Em virtude desta ênfase, num lapso, deduziram alguns pesquisadores, que a festa ‘proibida’ em 1924 reiniciou nesse ano, quando na verdade ela não parou de fato, mas sim, repito, modificou-se :
Teremos neste ano, já marcadas para 16-17-18 de Maio, as tradicionais e queridas festas de Matosinhos. O jubileu do pitoresco arrabalde atrai milhares de visitantes e devotos. Os festeiros já estão providenciando para que em 1932 sejam brilhantes as festividades.
* * *
A festa de Matozinhos é uma das nossas tradições mais caras. Neste ano ela será realisada com a pompa dos dias de antanho.
Apesar dos esforços não conseguiram devolver às festividades seu saudoso aspecto. A romanização alcançara seu objetivo. A partir de 1932 a festa desaparece por completo da imprensa, em parte por ter decaído, outro tanto pelas mudanças dos tempos, deslocando as atenções dos jornalistas para eventos políticos, para casos internacionais e para o desenvolvimento da cidade. Senão isto, tudo indica que a partir de então, a festa esteve de fato um tempo paralisada, pelo menos até 1949, quando um movimento a reativou.
* Texto: Ulisses Passarelli
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Acção Social, n. 487, 18/09/1924.
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Folha Nova, n. 6, 10/04/32 e n. 10, 08/05/32.
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